Paris  - O Presidente de Angola terminou hoje uma vista de três dias a França. Em entrevista exclusiva à RFI João Lourenço faz um balanço positivo da primeira viagem europeia e fala dos acordos rubricados em Paris. E isto sem esquecer os casos na justiça implicando a família dos Santos ou ainda a situação na vizinha República democrática do Congo, apelando a que se dê o benefício da dúvida a Joseph Kabila para eleições ainda este ano.

Fonte: RFI

Bom dia Senhor Presidente ! O senhor termina hoje a visita oficial aqui a França, qual é o balanço que faz desta deslocação?

Olhe, o balanço é bastante positivo. Nós fomos muito bem recebidos a todos os níveis. A começar pelo mais alto nível, o Presidente Emmanuel Macron, com quem tivemos um almoço de trabalho no Palácio do Eliseu e abordámos não só as questões de ordem bilateral, entre os nosso países, Angola e França, mas também outras questões de política internacional, particularmente da região dos Grandes Lagos. A situação na RDC, a situação na Republica Centro Africana e outras questões.

 

O destaque da nossa visita prendeu-se sobretudo com a cooperação económica.

Nós tivemos a oportunidade de ter um encontro, portanto a parte das negociações politicas, no Palácio do Eliseu.

À parte isso tivemos um encontro com um grupo considerável de empresários que ultrapassou as nossas expectativas.

Estávamos a contar com 80 empresários e acabaram por aparecer cerca de 150. E, portanto, isto é um sinal de confiança e saímos daqui satisfeitos.

 

Assinaram quatro acordos, nomeadamente um no sector agrícola. Pode dar-nos mais detalhes sobre este acordo?

Sabe que ao nosso nível de chefes de Estado nós procuramos sempre fugir ao detalhe.

O importante é que é um acordo no domínio da agricultura onde Angola vai procurar tirar o maior proveito disso, precisamos de investimento na área da agricultura para reduzir a fome, a pobreza e a miséria.

A França, como sabe, é uma potência agrícola na Europa e no mundo, creio que vamos ganhar bastante com este acordo assinado com a França neste domínio.

 

O que é que prevê o acordo que foi assinado entre Angola e a França no domínio da defesa?

Esse acordo abre a possibilidade de projectos em concreto, portanto a partir daqui essa possibilidade fica em aberto... em áreas como formação de oficiais, quer do Exército, da Força aérea ou da Marinha, sobretudo da Marinha.

Nós pretendemos equipar melhor a nossa Marinha para cumprir com o seu papel de defesa da costa... E, de uma forma geral, junto com as outras Marinhas, ali da costa ocidental de África, protegermos melhor o Golfo da Guiné.

Fica em aberto a possibilidade da aquisição de equipamentos militares, também a França. A França é um grande produtor de equipamentos militares de todo o tipo.

Navios de guerra, aviões, helicópteros [a França] com quem já temos uma ligação histórica.

A força área angolana sempre foi uma grande cliente da Airbus na aquisição de helicópteros ligeiros, sobretudo os Alouettes, os Gazelles, os Dauphins e, ultimamente, os Super Pumas, que estão com a Sonair.

Portanto o acordo abre-nos uma gama muito vasta de possibilidades de cooperação na área da defesa.

 

Aqui em Toulouse visitou as fábricas da Airbus e da ATR. Angola está a pensar comprar aviões, renovar a frota no futuro?

Bom, neste momento está em curso um processo de aquisição de duas aeronaves para transporte de tropas e vigilância marítima, dois C295 à Airbus Espanha mas pronto, não deixa de ser Airbus não importa onde tenham as fábricas.

O processo está num estado bastante adiantado, muito provavelmente receberemos a primeira unidade ainda no final deste ano, portanto isso está em curso.

Da visita que fizemos ontem [terça-feira] às duas fábricas da Airbus e da ATR não quero adiantar absolutamente nada.

Não existe nenhum compromisso, procuramo-nos inteirar das facilidades que a marca oferece.

 

E quem sabe algum dia poderão conviver as duas frotas: a frota Boeing e a frota Airbus na nossa companhia de bandeira ?

Senhor Presidente: como estão as relações com a RDC?

As relações estão boas, nós não temos problema absolutamente nenhum.

As relações entre dois vizinhos devem ser sempre boas, e felizmente são boas.

São boas, só que, como sabe, deverão ter lugar eleições gerais na RDC no final do corrente ano.

... Pelo menos este é o compromisso assumido pelas partes, quer pelo executivo, quer pela oposição, quer também pela sociedade civil, liderada sobretudo pela Igreja católica.

Há um acordo: quando há eleições nem sempre há acordos, mas no caso concreto da RDC, para agora, para estas eleições, existe um acordo.

E pelo facto de existir um acordo, todas as partes internas, e mesmo os parceiros internacionais, os vizinhos, e não só, a comunidade internacional, de uma forma geral, está interessada em que o acordo seja respeitado.

Tudo o quanto nós temos vindo a fazer, (nós no geral, não apenas Angola, a comunidade internacional), tem sido, digamos, chamar a atenção do Presidente Joseph Kabila para a necessidade de cumprir o acordo.

Até agora ele diz que sim, que vai cumprir o acordo, que está a preparar o trabalho de casa que é o do registo eleitoral, que está praticamente feito, já mobilizou recursos financeiros, vamos dar o benefício da dúvida.

Não temos razões para desconfiar que o acordo não será respeitado, vamos continuar a monitorar até Dezembro do corrente ano.

Há dezassete anos que Angola apoia o regime de Joseph Kabila. Angola lamenta o facto de ter enviado tropas para Kinshasa em Março de 2007 para apoiar Kabila face aos rebeldes de Jean Pierre Bemba?

Porque é que haveríamos de lamentar? Não vemos razões para isso, foi um acto consciente, portanto não temos que nos lamentar.

O Presidente Macron deu-lhe os parabéns pelas reformas que travou desde que chegou ao poder.

 

Onde é que estamos na investigação à Sonangol, ao Fundo Soberano? Vai haver culpados, vai haver um processo?

Bom... neste processo de luta contra a corrupção, o poder político, digamos, assinala o caminho a seguir e, o caminho está claramente assinalado.

O caminho a seguir é o combate à corrupção, combater ali onde já existe e prevenir aonde não existe.

Portanto esta vai ser a nossa atitude daqui para a frente.

Quer um caso, quer outro, da Sonangol e talvez mais o do Fundo Soberano, como sabem está na justiça e a partir daí o assunto está entregue à justiça.

Portanto, nós, evidentemente que seguimos, que acompanhamos, mas não podemos interferir.

Porque não temos que ser nós a dar essa garantia de que o assunto vai chegar a tribunal, ou se não vai chegar. Se serão condenados ou não, cá estaremos todos para acompanhar.

 

Há uma guerra declarada contra o clã dos Santos?

Não há caça às bruxas, ninguém está a ser perseguido.

Nós estamos a prevenir contra más práticas, prevenir onde é possível, combater ali onde já existe, onde já há factos.

Portanto não há situações criadas intencionalmente para incriminar quem quer que seja.

O caso dos 500 milhões que foram transferidos de Londres, do HSBC Londres para Angola, é um caso real, não é fabricado.

É um caso real, é um facto. Quinhentos milhões é muito dinheiro, nenhuns país do mundo prescinde desse dinheiro, portanto Angola fez o que tinha de fazer.

Lutamos no sentido de rever esse dinheiro, com certeza que isso tem outro tipo de implicações.

... Para os responsáveis pela saída de tão avultadas somas dos país e nas condições em que saíram, mas pronto... isto é uma questão da justiça.

 

O seu parlamento acaba de aprovar a lei de repatriamento de capitais. Como é que o senhor analisa as reservas da oposição e da sociedade civil sobre este texto?

Eu, ainda enquanto candidato, e ,mais tarde, na condição de Presidente da República, creio que foi na minha intervenção no parlamento, no estado na Nação...

... Eu dizia que havia toda a necessidade de trabalharmos no sentido de os grandes dinheiros, as grandes fortunas que se encontram là fora, sobretudo os recursos tirados de forma ilegal, que deveriam regressar para contribuir para o desenvolvimento do país.

Eu dizia mesmo, numa ocasião ou noutra, que não era justo que nós apelássemos aos investidores estrangeiros a trazerem os seus recursos para investirem na economia, quando alguns angolanos com grandes montantes lá fora não o faziam.

Seria injusto dizer "Você que não é angolano traz o teu dinheiro !" e os que são angolanos o dinheiro fica lá fora. Isso não seria justo.

Nós precisamos desses recursos é para alimentar a nossa economia. A lei existe no sentido de dar uma oportunidade aos visados, não me pergunte por nomes, porque uma lei não visa pessoas em concreto.

Os visados, cada um com a sua consciência dirá, se tem somas avultadas lá fora ou não, trazerem esses recursos e injectarem esses recursos na nossa economia.

Demos um prazo findo o qual não o fizerem vamos nós atrás desses recursos e isso tem consequências para eles.

Ou seja, passados os seis meses, se nós conseguirmos trazer os recursos de lá de fora para dentro, não só eles perdem a totalidade desses valores, como a partir dai ficam sujeitos a serem incriminados judicialmente.

Pensamos que as preocupações da oposição e de alguns sectores da sociedade civil não se justificam. A nossa atitude não visa salvar ninguém, antes pelo contrário.

Porque se nós quiséssemos saltar esta primeira fase e passarmos para a segunda, com as polícias internacionais, com a Interpol e com vários serviços que existem aí no mundo de caçadores de fortunas.

Nós poderíamos ter passado imediatamente para esta fase, não precisávamos de aprovar lei nenhuma, absolutamente nenhuma, nem precisávamos de anunciar. Mas não sei se seria a solução, às vezes no meio é onde está a virtude. Nem oito nem oitenta.

Qual é que é o seu olhar sobre as denúncias de direitos humanos em Angola. Falo do processo de Rafael Marques e o caso de um manifestante que participava numa marcha alusiva ao 27 de Maio que está hospitalizado?

Se um cidadão processa a outro cidadão é violação de direitos humanos?

Mas ele é jornalista.

Em Portugal é assim?

 

Manifestações têm saído à rua sem problemas, mas neste caso o Senhor Presidente està preocupado com esta situação?

Quando há manifestações em todo o mundo e, normalmente as polícias acompanham, e pode haver esse tipo de situações, uma ou outra pessoa ficarem feridas.

Não é com isso que o mundo acaba. Sempre que possível se se poder evitar não acontecer nada, a exemplo do que aconteceu na manifestação do Cazenga. Há manifestações onde há feridos e há outras onde não há.

As cargas policiais só acontecem quando há razões para tal. Não acompanhei muito de perto, mas em princípio lamentamos o que aconteceu.

Só não estou de acordo que se considere isso uma violação de direitos humanos. Nós sabemos o que é violação de direitos humanos.

Acompanhamos um pouco o que se passa em todo o mundo, nas grandes potências.

As polícias matam, matam pessoas e não há acusação nenhuma de violação de direitos humanos.

Na chamada maior democracia do mundo, as pessoas são mortas na rua, às vezes sem razão aparente por polícias e não me recordo de haver este tipo de acusações.

Não foi o que se passou em Angola.

Obrigada, Senhor Presidente.