Luanda - Meu julgamento começa hoje. As autoridades me proibiram de falar em público. Ainda assim, eu sinto que devo. Meu crime? Em um artigo para um semanário independente no último verão eu chamei o presidente da Angola, José Eduardo dos Santos, de o mais "astuto e discreto dos comandantes autoritários da memória recente da África". Em outras palavras, um ditador politicamente hábil.

Fui preso sob a mira de uma arma

Próximo a 16 de outubro, eu fui preso sob a mira de uma arma em minha casa e levado para uma prisão onde fiquei sem comunicação para fora por 10 dias. No meio da noite, eu era despertado, tirado de minha minúscula cela e levado para assinar folhas de papel em branco (aparentemente a serem usadas na minha confissão). Eu recusei assiná-las. Depois de cinco semanas, fui solto, sem nunca ter sido informado do motivo de minha prisão.

Agora eu estou sendo acusado de "difamação criminosa agravada". Em meu artigo, eu questionei o patriotismo de um líder que durante 20 anos falhou em fazer qualquer investimento significativo em saúde, educação ou outras necessidades públicas. Ao invés disso, ele permitiu que os lucros obtidos com o petróleo de Angola – que abastece 7% do consumo diário dos Estados Unidos – fosse para cofres de militares ou para os bolsos de camaradas do governo.
 
Apesar da imensa riqueza de Angola em petróleo e diamantes, nossa capital, Luanda, não tem catadores de lixo nem água potável. Os preços de comida e diferentes bens são os mesmos aqui, em Tóquio ou Londres; o salário médio em Angola, entretanto, é de apenas 25 dólares por mês. O governo gasta centenas de milhões de dólares por ano em sua guerra civil com a Unita, o grupo rebelde liderado por Jonas Savimbi. Desde 1974, quatro acordos de paz internacionais já falharam. O presidente Santos e Savimbi só conhecem uma maneira para governar: por meio da guerra e de lideranças autoritárias.

Agora o presidente Santos decidiu que a imprensa independente é, depois de Savimbi, a ameaça mais séria ao seu regime. Este ano, 20 jornalistas foram detidos. Conforme um observador em missão da ONU notou em agosto, "tais atos de intimidação encorajam censura própria e restringem o debate público".

A visita a Angola neste mês de Richard Holbrooke, representante norte-americano das Nações Unidas, e sua garantia de que janeiro de 2000, quando os Estados Unidos assumirem a presidência do Conselho de Segurança, será "o mês da África", foi encorajadora. Também foi encorajador o governo britânico, que se posicionou contra meu encarceramento.
 
Como o oeste pode ajudar? Os governos e grupos privados poderiam dar mais ajuda a uma recuperação pós-guerra duradoura: mídia independente, uniões, grupos religiosos, micro-empreendimentos e reformadores educacionais.
Os angolanos não podem, claro, esperar que resto do mundo os salvem. Não haverá nenhuma mudança aqui a menos que nós falemos. Hoje, talvez, eu terei minha chance.
 
(*) Copyright The New York Times, 15/12/99. Rafael Marques, poeta e jornalista

Fonte: NYT