Lisboa - Segundo uma certa malta, dotada de magníficos argumentos intelectuais, Angola quer aderir à Commonwealth por causa do acordo ortográfico. Virgolino Faneca subscreve piamente esta narrativa.

Fonte: Negocios

Caso subsistissem dúvidas, elas estão agora dissipadas. Sou uma besta. Efectivamente. Reconheço, com mágoa, que devo mais à inteligência do que Portugal aos credores, circunstância reconhecidamente trágica. E perguntas tu a razão desta súbita admissão de uma culpabilidade atroz? Passo a explicar. Esta autocrítica vem a propósito de um tema que é fracturante em Portugal, Angola.

 

Em tempos recentes, uma certa malta atirou-se de forma denodada a Angola, porque não respeitava os direitos humanos, porque tinha uma democracia de fazer de conta, porque aquilo era só corrupção, porque isto, porque aquilo, e por muitos outros "porques" que não identifico para não ser irritante.


Acontece que agora Angola resolveu pedir a adesão à Commonwealth, facto que foi saudado por um senhor que é uma mistura de Donald Trump e Jon Bon Jovi, chamado Boris Johnson, que por acaso é o ministro dos Negócios Estrangeiros inglês.


O louro que não é platinado, detalhe importante atendendo a certos preconceitos, usou o Twitter para elogiar os progressos de Angola em matérias como os direitos humanos e o combate à corrupção e adiantou esperar ansiosamente a sua entrada na comunidade dos países de língua inglesa. Ou seja, os tipos de Londres vêem o copo meio cheio, enquanto umas luminárias nacionais se empenham em esvaziar a água do dito cujo recipiente.

 

E como é que esta decisão foi recebida pela supracitada malta? Como um falhanço da CPLP e também por causa do acordo ortográfico. Não vale rir porque foi mesmo assim. Angola, que eles tanto apequenaram e porventura quereriam que praticasse joelho-crosse em Fátima, fez esta opção por causa da língua e por não querer tirar os cês de palavras espinhosas, como, por exemplo, cactos. De facto, esta relação causa-efeito é merecedora de um Nobel, tal o brilhantismo que encerra, só ao alcance de mentes tremendamente brilhantes que fazem o sacrifício de andar por cá a aturar gente normal e até parvos como eu. Pensando bem, se não fossem as ratoeiras proporcionadas pelo novo acordo ortográfico, Portugal e Angola ter-se-iam entendido às mil maravilhas.

 

Daí a minha imensa estultícia. Que raio de gajo sou eu, uma anémona certamente, incapaz de descortinar que afinal era tudo um problema de língua e que esta malta, quando se atirava a Angola como gato a bofes, no fundo, no fundo mesmo, estava só a querer defender o português, sendo que os ataques tinham o seu quê de paternalismo, ou maternalismo, consoante os casos.

 

Claro, Victor, que isto não é "bullshit", ou conversa fiada, como se diz na língua de Camões. É tão-só a admissão de um erro crasso. Cá para mim, tenho que, se revertermos o acordo ortográfico, Angola desistirá da sua intenção de aderir à Commonwealth. A malta está convencida disso e julga que a circunstância de ter destratado Angola amiúde é absolutamente irrelevante, não existindo, pois, razões substantivas (ou com predicados) para que vocês procurem outros parceiros estratégicos. Não é esquizofrenia, é só uma prova de que o contorcionismo não revela apenas ao nível físico.

 

Eu, meu dilecto amigo, vou fazer a minha parte continuando a escrever o teu nome com cê, crente de que todos os outros problemas ou desentendimentos são de somenos. Pelo menos, a crer na malta que ouvi, pessoas cultas e de inquestionável inteligência, que só querem o bem da lusofonia.

 

Eu vou ali, escrever farmácia com "ph" e ruptura com "o" de espanto e já volto. Quanto a ti, aguenta firme o "c" onomástico que, mais dia menos dia, seremos nós a pedir a adesão à Commonwealth, evocando o facto de termos com os ingleses a aliança mais velha do mundo. E, como sabes, uma aliança é sinal de casamento feito ou à vista.

Um grande abraço ou best regards deste teu,

Virgolino Faneca