Luanda - ”… Ontem como hoje, a delapidação patrimonial é protagonizada por personagens (tipo de “ dilapidador”) cuja acção obstrui a implementação da lógica da salvaguarda do património histórico e cultural dos povos e das nações, são eles os homens negligentes, os homens destruidores e modernizadores...” ( In Lacroix)


O homem negligente é aquele que, apesar de não desejar fazer mal, deixa os monumentos ao abandono e não se preocupa o ambiente. A sua negligência não é, apenas, a do esquecimento da assistência material, mas também a da falta de devoção, as coisas nas quais “ deixamos “ de pensar perdem pouco a pouco a sua substância. O esquecimento” que equivale a morte. São as acções do homem negligente não é intrinsecamente mau, elas resultam da ignorância.


O destruidor, como dizia Herculano, ”Nós destruímos por ideias falsas, ou exageradas, destruímos activamente, porque a destruição é uma virtude desta época. Feliz quem isto escreve, se pudesse curar alguém da febre demolidora, salvar uma pedra, só que fosse, das mãos dos modernos hunos.” Ontem, como hoje, o vandalismo destruidor desfeia, o território e transforma a cidade num espaço de incivilidade, assim subvertendo a vocação primacial da urbe - a de proteger o homem.


O homem modernizador, que em nosso elástico entendimento, é o mais temível de todos os personagens. Escudado pela bandeira do progresso, transforma a modernização numa verdadeira ditadura que ninguém controla e que não tem que prestar contas por ter a virtude de se auto-legitimar. Arrastados por uma vertiginosa fuga para frente, os homens actuais são os agentes de um processo de desenvolvimento que já não é senão uma paródia de progresso.


Temos a esse respeito muitos exemplos que podem servir de reflexão.

Vejamos a seguir, alguns desses:

As intervenções urbanísticas nas cidades do nosso país que, ao longo dos tempos, vêm atingindo, muitas vezes desastrosamente toda a herança do passado.

 

O desaparecimento, ainda na era colonial, de algumas notáveis construções, como a «casa dos Lencastres» a «Casa dos Contos», à antiga «Residência dos Bispos», o sobrado que se achava no local onde se ergue o edifício do actual B.P.C, as demolições de forma inglória mais recentemente, do mercado do Kinaxixi, daquele que é tido como o pai da arquitectura moderna angolana o arquitecto Vasco da Costa, não faltou seguramente a tentativa selvática de se desmontar o belíssimo (Palácio de Ferro), cuja paternidade veio da escola do lendário Gustave Eiffel, autor da conceituada torre Eiffel, um verdadeiro cartão de visitas da cidade luz, cuja resistência valeu-lhe pelo facto de serem (de ferro as vontades da sua permanência) opondo-se aquela inqualificável tentativa.


Para além da destruição de muitas outras (casas de sobrado) e de Varias casas nobres da baixa, de Luanda dos séculos XVII e XVIII, que davam uma aparência suigeneris a cidade de Luanda; foram deliberadas as intervenções no perímetro da «cidade Alta» e demolição de um dos mais característicos e notáveis espécimes da arquitectura e da construção civil do período oitocentista, o «Palácio da Dona Ana Joaquina». 


Várias vezes são dadas justificações inaceitáveis, facilmente as pessoas recorrem á justificação de que é mais fácil construir que ter de mandar restaurar ou reabilitar uma edificação antiga nas suas características primitivas, haver vamos como é que vão fazer a reabilitação do antigo liceu Salvador Correia. Mais ainda acreditamos que o estado de conservação dos edifícios públicos continuam a servir de meio de embelezamento citadino, substituindo por outros modernos, que não têm o mesmo valor simbólico nem arquitectónico, que estes tiveram na memória colectiva da cidade.


O mito da modernização em Angola tem, de facto, a sua génese nas décadas de 50 e 60 do século XX, começando-se, por se digladiar por uma corrente de “ bota abaixo,” que tinha o apoio de algumas entidades oficiais da administração colonial, e historiadores e arquitectos da conservação dos vestígios do passado, alias parece que a historia do passado se repete actualmente são precisamente as mentes oficiais que deviam lutar para a preservação do nosso património histórico – arquitectónico que advogam sem qualquer pejo a corrente do “ bota abaixo”.


Naquela altura de nada valeram os clamores e os protestos dos que desejavam manter a fisionomia urbanística das cidades do nosso país e, entre esses defensores do património artístico e arquitectónico do país, realça-se nomes como o do Arquitecto Fernando Batalha, vogal presidente da comissão dos Monumentos Nacionais que veio à Angola na década de 50 voltando a Portugal na década de 1980, foi um dos mais qualificados precursores das investigações sobre a arquitectura colonial portuguesa em Angola, sobre a qual escreveu varias obras. Manuel da Costa Lobo Cardoso e o Eng.º Waldemar d´Orey, terão sido duas gratas figuras que se debateram contra a delapidação do património histórico – arquitectónico de Angola.


Consta que um pouco por todo território do país eram quase que cíclicas estas cenas, em lugares com maior impacto que outros, por exemplo no Nimbe, naquela época, o «Forte de São Fernando», com a santa intenção de alargar a cidade.


Depois da nossa independência, e devido ao conflito armado interno, registou-se um acentuado êxodo rural, nos centros urbanos, conhecendo-se uma acentuada aglomeração de populares. Muitos dos edifícios não tinham sido projectados ou dimensionados para acolher tão elevado número de habitantes que para lá foram viver; ou seja não estavam, preparados para fazer face, aquele meio de exigências.


Consequentemente, os edifícios mas também as infra estruturas foram se degradando gradualmente. O estado, diga-se de passagem, é  o grande proprietário, não tinha recursos e meios necessários para fazer face a esta situação, tanto quanto julgamos saber existe uma comissão da UNESCO, que vela pelo património histórico cultural, que seria uma via e não a única.


Apesar dessa delapidação, as nossas cidades possuem um conjunto de bens patrimoniais de grande importância e significado, a propósito gostávamos de verberar o facto de Angola ser ainda um lugar singular em termos de relevo, comparativamente as outras regiões da África Austral e tropical, em relação a arquitectura histórica do séculos XVI e XIX, e podemos ainda incluir os exemplares do movimento modernistas da arquitectura da segunda metade do século XX, que, em conjunto, permitem uma leitura cronológica e evolutiva da urbanização das nossas cidades.


São referenciadas áreas consideradas “Zonas Históricas”, a de Luanda (compreendendo as partes da “ Cidade Alta” e da “ Cidade Baixa”, de Mbanza Kongo (à volta da ruína da antiga Sé Catedral, hoje igreja dos Remédios, importa realçar que a Igreja da Nazaré, tida com a mais antiga de Luanda seguida Igreja dos Remédios vindo a seguir a paróquia da Nossa Senhora do Carmo, que tinha a particularidade de ser a Igreja para os negros, o eixo do Kwanza, compreendendo os núcleos antigos das áreas de Kalumbu, Muxima, Massanganu, Dondo, Nova Oeiras, Dondo e Kambambe), de Benguela (as construções à volta antiga alfandega, hoje o Museu Nacional de Arqueologia) do Namibe à volta da fortaleza d São Fernando na entrada da cidade); além de outras áreas ainda muito pouco estudadas e não classificadas.

                                                                                              

Somos adeptos e respeitadores ferrenhos, da graça sedutora da sua própria escala humana e pitoresca que as cidades que preservam a sua “medievalidade que oferecem” pelo que lamentamos com alguma decepção o facto dos nosso iluminados agirem com o sarcástico espírito do imediatismo, porque em nome do “progresso” destruímos o pouco de urbanismo tradicional que ainda temos em algumas parcelas ainda temos em algumas parcela do nosso país, locais inócuos onde ainda não chegou a voragem selvática e de lapidadora da voragem do novo requismo angolana, com a ditadura do relativismo moral.     
 

Cláudio Ramos Fortuna

Urbanista

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Fonte: Club-k.net