Luanda - SOBRE O TEOR DO COMUNICADO DE 16 DE JULHO DE 2018 DA “ATLANTIC VENTURES – SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO PORTUÁRIA S.A.”

Fonte: Club-k.net

Porto do Dande seria executado com fundos públicos

 

Na sequência do Comunicado de 16 de Julho último, da sociedade anónima “Atlantic Ventures – Sociedade de Desenvolvimento e gestão Portuária, S.A.”, com relação ao procedimento que se encontrava em curso, tendo em vista a outorga de um contrato de concessão de obra pública, dominial e de exploração do serviço público portuário do Porto do Dande, e atento o respectivo teor, cumpre-nos os dever de se tecer os seguintes comentários, ponto por ponto.

1. Começa o Comunicado por dizer que “... foi concessionado à Atlantic Ventures, por meio do Decreto Presidencial n.º 207/17, de 20 de Setembro, realizar o investimento, efectuar o desenvolvimento e a implementação do projecto do Porto da Barra do Dande”

Esta afirmação não é nem rigorosa nem verdadeira.

Senão vejamos:

(i) Desde logo, e em primeiro lugar, é falso que tenha sido, de facto e de direito, concessionado a esta empresa o investimento, o desenvolvimento e a implementação do projecto do Porto da Barra do Dande uma vez que tal implica a celebração do respectivo, ou dos respectivos, contratos de concessão e que estes não foram celebrados entre a referida Atlantic Ventures e as entidades públicas legalmente competentes para o efeito (no caso, entre outras, o Porto de Luanda, na qualidade de Autoridade Portuária, nos termos do disposto no artigo 1.º do Decreto n.º 52/97, de 18 de Julho, que aprovou as Bases Gerais das Concessões Portuárias)

Não há, pois, assim, na ordem jurídica, e ao contrário do que é referido no Comunicado, um qualquer contrato de concessão (de obra pública, dominial e de exploração do serviço público portuário do Porto do Dande) celebrado, não tendo deste modo sido concessionado qualquer um dos respectivos usos.

(ii) como resulta do disposto no artigo 1.º do DP 207/17, o que se teve em vista com este diploma foi aprovar o projecto do Porto da Barra do Dande, isto é, foi aprovar a concepção, o projecto, a remodelação, o desenvolvimento técnico, o licenciamento, o financiamento e a construção deste Porto, a sua subsequente exploração, assim como de outras actividades, ditas acessórias e/ou conexas.

Significa isto na verdade que, não há, na presente data, como não havia na data da publicação do DP 207/17, sequer, um projecto de engenharia e de arquitectura portuária, começado, quanto mais completo e terminado, que respeitasse especificações, técnicas e outras, postas pelo Concedente (que é o Porto, nos termos do artigo 1.º do Dec. 52/97), em prossecução do interesse público portuário.

Dito de outro modo, o que há, na presente data como na data da publicação do DP 207/17, é a intenção de implementar o empreendimento do Porto da Barra do Dande, é a intenção de desenvolver este projecto, ou seja, o que há é apenas o ponto de partida de qualquer projecto.

Por isso se dizia no n.º 2 do artigo 2.º do DP 207/17, que “a concessão inclui a concessão de direitos fundiários sobre a terra e os direitos a ela inerentes, assim como o licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico, construção e, por conseguinte, o direito da concessionária de equipar, explorar, manter, gerir e reparar o Porto da Barra do Dande e fornecer as instalações e serviços, em regime de serviço público, e em associação com a autoridade do Porto de Luanda”.

(iii) O DP 207/17 constitui na verdade, entre outros, uma decisão de adjudicação, que recaiu sobre um procedimento de adjudicação directa, sem concorrência, isto é, sobre um puro procedimento de ajuste directo, sem observação de quaisquer formalismos, à Atlantic Ventures.

De notar que isto mesmo é também assumido no DP 207/17, tendo-se justificado no respectivo preâmbulo o recurso a este procedimento simplificado com os seguintes fundamentos:

a) tratar-se a construção, a exploração e a manutenção do Porto da Barra do Dande de um empreendimento prioritário, de interesse nacional e publico;

b) entender-se que o mesmo empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado;

c) entender-se que a Atlantic Ventures teria apresentado, de acordo com os requisitos aplicáveis, embora não enunciados, uma proposta para a exploração portuária do Porto do Barra do Dande, em parceria com o Porto de Luanda EP, mediante a detenção deste de uma participação minoritária no capital social daquela;

d) haver necessidade, urgência e interesse público na execução do empreendimento.

2. Diz-se depois no Comunicado que, “... a Atlantic Ventures foi constituída como uma parceria incluindo investidores privados nacionais e investidores estrangeiros líderes mundiais no sector portuário, e o Porto de Luanda que, em representação do Estado, titulará 40% da empresa”.

É falso.

(i) A Atlantic Ventures é uma sociedade anónima com sede em Luanda, no Município, Distrito Urbano e Bairro da Ingombota, na Rua Rainha Ginga, n.º 177, 5.º andar.

Foi constituída no Guiché Único da Empresa, no dia 9 de Junho de 2017, isto é, foi constituída 3 meses e 11 dias antes da data da publicação do DP 207/17, que ocorreu através do DR n.º 163, I Série, de 20 de Setembro de 2017, apenas seis dias antes da tomada de posse do Presidente da República eleito.

A Atlantic Ventures foi constituída com o capital social de AKZ. 4.000.000,00 (quatro milhões de kwanzas), dividido e representado por 400 (quatrocentas) acções, com o valor nominal, cada uma, de AKZ 10.000,00 (dez mil kwanzas), tendo por accionistas apenas pessoas singulares Angolanas ou com autorização de residência em Angola, a saber:

Fidel Kiluange Assis Araújo, com 396 acções;
António Silvino Duarte, com 1 acção;
Neusa e Silva Inglês Soule, com 1 acção;
António Yuri Augusto, com 1 acção;
Noémia da Luz Reis, com 1 acção.

É do conhecimento público que as referidas pessoas não têm sequer qualquer experiência nas actividades concessionadas.

(ii) Portanto, nem a Engenheira Isabel dos Santos, nem quaisquer investidores estrangeiros líderes mundiais do sector portuário fazem parte da estrutura accionista da referida empresa, sendo também falso que o Estado titula 40% das acções através do Porto de Luanda – ao contrário do que é referido no Comunicado.

(iii) Por outro lado, o que fica evidente é que, pelo contrário, a sociedade Atlantic Ventures terá sido propositada e especificamente criada como intermediária para concessão do projecto do Porto da Barra do Dande, o que encareceria o próprio projecto, cuja execução seria feita por outras entidades estrangeiras não vinculadas ao Estado angolano, com todos os riscos de incumprimento das obrigações contratuais.

Acresce que, a capacidade técnica e financeira de uma empresa para a realização de uma obra com a envergadura do projecto do Porto da Barra do Dande não pode ser avaliada pela capacidade financeira dos parceiros com quem possa contratar.

Pelo contrário, a demonstração desta capacidade é um ônus do concorrente que deve provar de per si que reúne os quadros técnicos qualificados, capacidade de mobilização de meios técnicos e financeiros para a natureza da empreitada objecto do contrato, porquanto constitui nos termos na lei um requisito de qualificação – demonstração esta que não foi feita.

3. Lê-se de seguida que, “ao abrigo do Contrato de Concessão do Porto do Dande, está prevista a implementação de uma infraestrutura sem recurso a dinheiro do Estado. O projecto será financiado inteiramente pela Atlantic Ventures, sendo a obra paga pelos investidores privados, com fundos próprios e financiamentos, pelo que não se trata de uma obra pública, paga com fundos públicos ou com dinheiro do Estado Angolano. O valor a suportar nesta concessão pela Atlantic Ventures, através dos investidores privados, é de 1,5bn USD.”

Tudo isto é grosseira e abusivamente falso. Vamos por partes:

3.1. Quanto à afirmação que: “ao abrigo do Contrato de Concessão do Porto do Dande, está prevista a implementação de uma infraestrutura sem recurso a dinheiro do Estado. O projecto será financiado inteiramente pela Atlantic Ventures...”

(i) uma sociedade constituída com o capital social de AKZ 4.000.000,00, 3 (três) meses antes da publicação de um DP que lhe pretende adjudicar um contrato de valor indeterminado, com custos de financiamento de infraestruturas orçadas desde logo em 1.5 bi USD, sem qualquer histórico de actividade, com accionistas sem qualquer experiência em qualquer das actividades concessionadas não oferece a menor credibilidade técnica e financeira:

Com efeito, não é crível:

que tenha capitais próprios;
que tenha crédito junto da banca internacional.

3.2. Quanto à afirmação que sendo “... a obra paga pelos investidores privados, com fundos próprios e financiamentos, pelo que não se trata de uma obra pública, paga com fundos públicos ou com dinheiro do Estado Angolano”.

(i) A Atlantic Ventures elaborou e apresentou com a sua Proposta, uma minuta do Contrato de Concessão que pretendia fosse assinada pelo Estado Angolano.

Nesta minuta a Atlantic Ventures previu e tentou impor ao Estado Angolano múltiplas obrigações financeiras.

Enumeram-se apenas algumas, a saber:

Garantia do Governo:

Nos termos da cláusula 21.ª da Minuta do Contrato de Concessão elaborado pela Atlantic Ventures, pretendia esta sociedade que fosse incluída a seguinte obrigação do Estado:

21.1. As Partes reconhecem e declaram que o investimento da Concessionária ou da sua Accionista no que se refere à concretização da primeira fase do Projecto é estimado em USD 1.500.000.000 (mil e quinhentos milhões de dólares norte americanos)

21.2. Para permitir à Concessionária ou à sua Accionista obter os fundos suficientes para financiar o desenvolvimento do Projecto, nos termos do Decreto Presidencial n.º 2017/17, de 20 de Setembro, o Ministério das Finanças foi autorizado a emitir uma garantia de Estado à 1.ª solicitação, a favor das entidades financiadoras da concessão no valor de até USD 1.500.000.000 (mil e quinhentos milhões de dólares norte americanos).

21.3 Caso a dívida incorrida pela Concessionária ou pela sua Accionista no que se refere à execução do Projecto sofra um aumento supeior a dois por cento (2%), a Concedente acorda em reemitir a Garantia do Governo (ou a emitir uma nova garantia nos mesmos termos) a favor das Entidades Financiadoras”.

Isto é, a Atlantic Ventures, uma entidade notoriamente sem qualquer capacidade e idoneidade financeira, recorreria a financiamento bancário na totalidade do investimento, pretendendo exibir junto da banca nacional e/ou internacional, uma garantia bancária à 1.ª solicitação, no exacto montante do financiamento obtido.

É, pois, falso que se trate de uma obra não publica – que é sempre pública, por se tratar de uma infraestrutura pública, independentemente do financiamento – sem recurso a fundos públicos.

Garantia de Receita Mínima:

Nos termos da cláusula 55.ª da Minuta do Contrato de Concessão elaborado pela Atlantic Ventures, pretendia esta sociedade que fosse incluída a seguinte obrigação do Estado:

55.1. Caso a Concessionária ao longo do Período da Concessão, não atinja, em qualquer Ano da Operação, pelo menos, a Receita Bruta Mínima, a Concedente pagará à Concessionária, atento o interesse público subjacente à regular continuidade do serviços públicio da Concessão, um montante igual à diferença entre a receita Bruta Efectiva e a Receita Bruta Mínima, para esse Ano de Operação. O referido montante, a ser pago pela Concedente à Concessionária em cada Ano de Operação está limitado a 70% da Receita Bruta Efectiva.”

Isto é, nos termos da Minuta proposta pela Atlantic Ventures, pretendia esta que fosse prevista a seu favor uma cláusula de Receita de Garantia Mínima, sem quaisquer critérios, paga pelo Estado sempre que o resultado da sua operação ficasse abaixo de uma Receita Bruta Mínima.

Isto é, com esta cláusula pretendia a Atlantic Ventures não assumir qualquer risco da sua actividade e negócio, ficando este por conta do Estado e do erário público.

Tarifas e direitos portuários:

Nos termos da cláusula 54.ª da Minuta do Contrato de Concessão elaborado pela Atlantic Ventures, pretendia esta sociedade que fossem previstos os seguintes direitos da Concessionária e deveres da Concedente:

“54.1. Durante a fase da Exploração, cabe à Concessionária (...) o direito de cobrar e recuperar:

(a) os direitos portuários;

(b) as tarifas; e/ou

(c) Quaisquer outros encargos aplicados aos Clientes que utilizem o Porto (...).

(...)

54.4. A Concedente não imporá nem cobrará qualquer taxa, direito, encargo de utilização do Porto ou outro encargo ou taxa similar aos Clientes do Porto e assegurará que a Concessionária tenha à sua disposição os meios necessários para proceder à cobrança das taxas, direitos ou encargos previstos no Contrato”.

Como é óbvio, as taxas, tarifas, preços públicos e outros encargos cobrados ao abrigo de um contrato de exploração de serviço público, são receitas públicas, que o Estado deixa de auferir, por via da sua transmissão para o Concessionário.

Dito de outro modo, a actividade do Concessionário é remunerada (exclusivamente) por receitas ou fundos públicos.

Equilíbrio Financeiro:

Nos termos das clausula 6.ª e 67.ª da Minuta do Contrato de Concessão por si elaborada, pretendia a Atlantic Ventures que “A Concedente reconhece(sse) e aceita(sse) que a Concessionária ter(ia) o direito de manter o equilíbrio financeiro durante todo o período da Concessão, e o direito à restauração do Equilíbrio Financeiro...”.

Este direito emergiria de qualquer alteração legal que se viesse a verificar, com relação à data da celebração do contrato, incluindo decisões judiciais.

Regime de incentivos fiscais:

De acordo quer com o DP 207/17 quer com a cláusula 25.ª da Minuta de Contrato de Concessão da Atlantic Ventures, esta e a sua actividade deveriam beneficiar de benefícios e incentivos fiscais.

Como é sabido, a atribuição de benefícios fiscais constitui uma perda de receita fiscal, sendo do ponto de vista da contabilidade pública esta perda tratada como uma despesa pública e como um financiamento público das entidades e/ou actividades beneficiárias.

Em conclusão: é, pois, falso que o contrato fosse executado sem recurso a fundos públicos.

4. Diz-se também que: “A concessão do Porto de Dande insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias. Ou seja, a adjudicação da referida concessão cumpriu todos os requisitos legais à qual estava obrigada, ao abrigo da lei aplicável e respeitou escrupulosamente as leis vigentes em Angola, em todas as etapas do processo”.

É falso.

(i) desde logo, e em 1.ª lugar, ao contrário do que se refere no Comunicado, a Lei de Bases Gerais das Concessões Portuárias, aprovada pelo Dec. 52/97, não prevê qualquer regime especial de adjudicação.

Aliás, quanto a esta matéria concursal ou pré-contratual não prevê absolutamente nada.

(ii) O processo de adjudicação da concessão foi conduzido em sentido contrário às normas legais imperativas, não tendo respeitado a obrigação de realização de um procedimento aberto e transparente, sendo que, pelo montante do investimento, deveria ter sido precedido de concurso público, face à necessidade de obter candidaturas internacionais com elevada capacidade financeira e de gestão.

4.1 Aplicação da Lei dos Contratos Públicos

(iii) Diferentemente do que se afirma, a Lei dos Contratos Públicos refere no n.º 2 do artigo 7.º que se excluem do seu âmbito de aplicação “os contratos celebrados pelas empresas públicas e empresas com domínio público cujo valor seja inferior aos limites definidos no anexo I”.

Ora, o referido Anexo I estabelece os seguintes limites:

“a) Kz: 500.000.000,00, no caso de empreitadas de obras públicas, de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos;

b) Kz. 182.000.000,00, no caso de contratos de locação ou aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços”.

Trata-se de uma norma que visa flexibilizar a actuação do sector empresarial do Estado nos casos de contratações menos onerosos e mais correntes. Mas que, contudo, impõe a regra da sujeição aos procedimentos da contratação pública, nos casos de valores superiores aos limites acima referidos.

E a concessão feita sem concurso era no valor de USD 1.500.000.000,00, valor bem acima do limite máximo de Kz. 500.000.000,00 estabelecido pelo anexo I.

4.2. Violação da Lei das Parcerias Público-Privadas

No comunicado é referido que o projecto enquadra-se numa parceria entre investidores privados e o Estado angolano.

Nos termos da Lei n.º 2/11, de 14 de Janeiro (Lei das Parcerias Público-Privadas), o lançamento da parceria público-privada é feito segundo procedimento adjudicatório aplicável, já previamente aprovado pelo Tribunal de Contas, em obediência ao regime aplicável à contratação. Pelo que, não tendo havido concurso e visto deste Tribunal, se extraí, mais uma vez, que houve preterição do procedimento legalmente exigível.

Esta preterição é geradora da nulidade, por violação das regras de procedimento previstas no n.º 2 do artigo 12.º da Lei 2/11.

4.3. Violação da legislação sobre a Marinha Mercante e Portos

Improcede igualmente o argumento falacioso invocado na Comunicação que teria sido cumprida a Lei da Marinha Mercante e Portos.

É que, desde logo, a obrigatoriedade de elaboração e de cumprimento de um Programa de Procedimento e de um Caderno de Encargos, previsto nesta legislação, não foi observado.

Com efeito, o procedimento de ajuste directo foi feito sem quaisquer peças de procedimento.

4.4. Violação do Dec. 52/97

Volta a repetir-se que o Dec. 52/97, não regula o procedimento de escolha do concessionário portuário, contrariamente ao que se diz no Comunicado.

Contudo, este Dec. 52/97 estabelece algumas limitações e proibições que são violadas na Proposta do Contrato de Concessão.

A substância da matéria que encerra o Decreto revogado e o contrato de concessão proposto violam expressamente o figurino estabelecido na legislação aplicável, ao estipular a possibilidade de subconcessão a terceiros, uma vez que, de acordo com o regime previsto nas Bases Gerais de Concessões Portuárias, Dec. 52/97, no seu artigo 34.º, “é vedado ao concessionário celebrar contratos com terceiros que impliquem no todo ou em parte, directa ou indirectamente a transferência da exploração do serviço concessionado, sendo nulos os contratos que tenham sido celebrados com desrespeito pelo estabelecido nessa base”.

Daqui resulta que a transmissão, a cessão ou a oneração dos bens ou direitos decorrentes do referido Contrato de Concessão, pela Concessionária, através de subconcessões é ferida de nulidade, por força do referido dispositivo legal.

Por conseguinte, a questão do consentimento do Concedente nem sequer se coloca porque a lei simplesmente não admite a possibilidade destas prerrogativas públicas poderem ser exercidas por um ente privado.

O problema do consentimento só se colocaria em relação à alienação ou oneração dos direitos ou bens que integrariam o estabelecimento da concessão e a execução de trabalhos e obras pelo Concessionário, em conformidade com o estabelecido nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 20.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto).

De modo que, para além de não ser razoável considerar que a função accionista é equivalente ou sinónima do exercício de poderes públicos, por imperativo legal, a competência para a atribuição de concessões, subconcessões e licenças são da autoridade portuária, no caso vertente, o Porto de Luanda.

Deste modo, e como resulta do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, ela é irrenunciável e inalienável.

Ademais, como perceber a alegada transparência do processo cujas reuniões, segundo o comunicado, decorrem desde 2014 com os investidores privados, quando a empresa Atlantic Ventures, cujos accionistas são pessoas singulares, maioritariamente juristas, foi criada Junho de 2017?

5. No comunicado é referido que “o valor do investimento não é pago pelo Estado, não existe colateral ou garantia financeira do Estado (…), a amortização do custo da obra é pago com a rentabilidade da sua operação”. Refere-se ainda que “esta garantia não tem, no entanto, uma natureza financeira (…) pelo que apenas em caso de ocorrência de condições extraordinárias, como expropriação, confisco, guerra (…) seria o Estado chamado (…)”.

(i) Diferentemente do que se retira da leitura do comunicado, o projecto apresenta-se demasiado desequilibrado em desfavor do Estado e do Porto de Luanda, ficando estes, na prática, apenas vinculados a obrigações contra a posição quase sempre de vantagem que se reservava para a concessionária, configurando-se um verdadeiro “pacto leonino”.

(ii) Importa voltar a salientar que, na verdade, o esquema financeiro montado seria concretizado através do financiamento indirecto que Estado faria ao suposto investidor.

O artigo 6.º do DP 207/17, autorizava o Ministério das Finanças a “prestar uma garantia de Estado de pagamento à primeira solicitação, a favor das entidades financiadoras da concessão no valor de até USD 1.500.000.000, sem prejuízo da possibilidade de prestação de outras garantias, pelo Estado angolano, de outras garantias no âmbito e para os efeitos de viabilização de financiamento para o desenvolvimento da concessão”.

Por outro lado, na proposta de contrato previa-se que o Estado reconhecia que o investimento referente à primeira fase do projecto estaria estimado em USD 1.500.000.000 e que “para permitir à concessionária ou à sua acionista obter fundos suficientes para financiar o desenvolvimento do projecto” o Estado emitiria uma garantia de pagamento à primeira solicitação no valor de USD 1.500.000.000, ficando ainda obrigado a emitir nova garantia se a concessionária, na execução do projecto, sofresse um aumento superior a 2%.

Em alternativa o Estado poderia integrar o projecto nas linhas de financiamento internacional disponíveis, ficando assim claro ser uma inverdade a afirmação de que “o valor não é pago pelo Estado, que não existe colateral ou garantia financeira e que a garantia não teria natureza financeira, apenas utilizada em caso de ocorrências extraordinárias”, sendo na verdade a mais perigosa das garantias que se pode emitir (on first demand), que deve ser paga independentemente de quaisquer justificações.

(iii) Como contrapartida das obrigações que a Atlantic Ventures assumiria no âmbito da concessão, o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Presidencial revogado autorizou a constituição sobre a área de concessão um direito de uso dominial exclusivo e sobre a área adjacente à concessão de um direito de superfície, a criação e exploração, à favor da empresa, de uma Zona Económica Especial, com atribuição de estatuto de Zona Franca, num perímetro que se estende desde a foz do rio Dande até as proximidades da zona do Capolo.

Entende-se que os direitos de superfície subjacentes às áreas de concessão não constituem domínio público portuário, estando fora do âmbito de competência do Porto de Luanda e em relação a aludida compensação de créditos que seriam detidos pela concessionária, deve esclarecer-se que o modelo de regime de B.O.T (Build, Operate and Transfer) reconhece como contrapartida a exploração exclusiva e retirada de lucros, sendo por isso ilegal a atribuição do direito de superfície nos termos gratuitos como se aprovou.

No âmbito da proposta de contrato de concessão estabelece-se que a competência para a realização de expropriações e a responsabilidade pelos custos que houver lugar por procedimentos expropriativos correm por conta do Porto de Luanda.

6.- No comunicado é feita referência de que “a amortização do custo da obra do Porto do Dande é paga com a rentabilidade da sua operação portuária”.

(i) Como já referido, a proposta de contrato previa o pagamento de quantias pelo Estado à Atlantic Ventures, a título de garantia de receita mínima e de compensações financeiras para restauração do equilíbrio financeiro em termos manifestamente desequilibrados.

O Estado ficaria responsável pagar até 70% da receita bruta prevista, sempre que esta não fosse atingida, ainda que por motivos de imperícia da empresa concessionária, quando já seria o Estado o responsável pela garantia do financiamento do projecto contratado pela concessionária. Quando muito, qualquer mecanismo de compensação deveria incidir sobre o lucro mínimo esperado em cada ano e nunca sobre as receitas.

E o Estado estaria proibido de efectuar qualquer compensação ou cobrança de créditos, enquanto a empresa Atlântic Ventures não quitasse a totalidade da dívida contraída junto da entidade financiadora.

Além disso havia omissão das responsabilidades da empresa por incumprimento das suas obrigações por causas que lhe fossem imputáveis.

(ii) Por outro lado, a proposta de contrato que seria objecto de negociação contém cláusulas que usurpam os poderes de autoridade pública do Porto de Luanda, que são poderes exercidos enquanto Autoridade Portuária, nos termos da Lei (Lei n.º 27/12 de 28 de Agosto - Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas).

No espírito do Decreto Presidencial n.º 207/17, de 20 de Setembro, que outorgou a concessão, a entrada em funcionamento do novo Porto do Dande, implicaria o encerramento da actividade do actual Porto de Luanda e este passaria a actuar no novo Porto como accionista da entidade concessionária. As funções do Porto de Luanda, enquanto Autoridade Pública, transferir-se-iam para o novo Porto, onde passaria a exercê-los como accionista, ou seja, passaria a exercer os poderes de autoridade que os estatutos e a lei lhe conferem, através da sua função de accionista do novo Porto.

Ora, os poderes de autoridade portuária compreendem atribuições e competências que apenas podem ser exercidas por uma pessoa colectiva de direito público, conforme estabelece os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto.

Do ponto de vista legal, os portos comerciais nacionais apenas seguem o modelo de gestão denominado de Landlord Port, que assenta na titularidade pública e na possibilidade legal de concessionar as áreas da sua exploração comercial à iniciativa privada, em regime de serviço público.

No caso concreto, o financiamento e a execução das infra-estruturas seriam da responsabilidade da Atlantic Ventures – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão Portuária, S.A., mas caberia à Autoridade Portuária (Porto), exercer as funções de autoridade, de supervisão e superintendência, de coordenação, de controlo e promoção geral do porto, assegurando um conjunto de serviços base e de interesse geral (artigo 107º da Lei n.º 27/12).

Por outro lado, a Lei do Domínio Portuário (Lei n.º 9/98, de 18 de Setembro), no artigo 1º, define as autoridades portuárias como sendo as empresas portuárias, enquanto pessoas colectivas de direito público, com poderes para o exercício da administração portuária, não sendo legalmente possível a atribuição de poderes e prerrogativas de autoridade pública a entidades privadas, ainda que com participação accionista directa ou indirecta do Estado.

7.- Por último, quanto à afirmação no Comunicado que o modelo de concessão do Porto da Barra do Dande seja o mais recomendado pelo Banco Mundial, é importante fazer notar que esta instituição não cauciona processos despidos de transparência, nem é verdade, como referido no Comunicado, que a decisão tomada pelo Executivo angolano contribua para a perda da sua credibilidade nos mercados internacionais.

Pelo contrário, atento aos contornos deste negócio, a decisão irreversível e inegociável do Executivo foi a mais acertada e moderada porquanto não responsabiliza, por enquanto, criminalmente todos aqueles que estão por detrás da Atlantic Ventures e que quiseram levar o Estado a cometer actos ilegais e ilícitos, oferecendo um negócio de biliões de dólares americanos a uma empresa com meros três meses de constituição em cartório.

Que fique claro que esta é a posição que melhor defende o interesse público e a imagem interna e internacional do Estado angolano.

O Ministério dos Transportes, em nome do Executivo, reafirma o seu propósito de levar a cabo um concurso público aberto e transparente cujas peças e procedimentos vêm sendo trabalhadas, sendo que, a seu devido tempo, os interessados tomarão conhecimento.

O Ministério dos Transportes.