Luanda - “Parceiros, amigos e aliados” – os termos utilizados pela secretária de Estado americana para caracterizar os dois países não são, como é óbvio, lapsos linguísticos.

A visita de Hillary Clinton:
Algumas personalidades, excederam-se com “queixinhas” 

A recente visita da secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, a Luanda – no quadro de uma digressão por vários estados africanos – foi um sucesso para a diplomacia angolana e uma comprovação de que a democracia mais importante do planeta e também maior potência mundial quer trabalhar com o governo do presidente José Eduardo dos Santos.


Por conseguinte, o tempo em que os EUA apoiavam a UNITA para derrubar as autoridades angolanas já passou. Se se quiser “partidarizar” a análise, isso significa o reconhecimento de que a administração norte-americana considera o MPLA o seu interlocutor angolano.


Não é em vão, por isso, que os partidos da oposição, em particular a UNITA, tenham deixado transparecer um notório sentimento de orfandade. O “óbito” que muitas figuras oposicionistas fizeram por não terem sido recebidas em privado por Hillary Clinton fala por si.


Algumas personalidades, em especial, excederam-se no tom das críticas e reclamações, transformadas em autênticas “queixinhas”, de tal maneira que, em muitos encontros, os próprios funcionários americanos estavam claramente constrangidos. Foi patético.


Essa é, pois, a principal leitura política da passagem de Hillary Clinton por Luanda. “Parceiros, amigos e aliados” – os termos utilizados pela secretária de Estado americana para caracterizar os dois países não são, como é óbvio, lapsos linguísticos.


Estranhamente, ou talvez não, as manchetes, principalmente no exterior, foram outras. As inevitáveis (e, diga-se, necessárias) referências da governante norte-americana à boa governação e às eleições presidenciais em Angola foram erigidas em aspecto fundamental da visita, o que está completamente longe dos factos. É confrangedora a confusão entre desejo e realidade em que incorrem certas análises, politizadas no mau sentido.


Para fazer (apenas) essas referências, a secretária de Estado dos EUA não precisava de ter vindo a Luanda. O que Hillary Clinton veio fazer à capital angolana foi o que ela própria disse publicamente, isto é, criar o quadro para estabelecer uma verdadeira parceria estratégica entre os dois países.


Entre outros, os EUA estão interessados não apenas na estabilidade e no desenvolvimento diversificado de Angola, mas também que o nosso país desempenhe um papel ainda mais activo na estabilização regional africana. Para isso, estão disponíveis, em princípio, para apoiar Angola a resolver os seus problemas económicos e sociais, assim como a consolidar a democracia, em todos os aspectos.


Como a esmagadora maioria dos angolanos, os EUA sabem que, somente sete anos após o fim de uma guerra como a sofrida por Angola, o país ainda tem muitas debilidades e insuficiências nos dois domínios que acabei de referir. Não dá, ainda, para comparar, por exemplo, com Cabo Verde, país cuja boa governação Hillary Clinton, com toda a justiça, elogiou. Mas manda a honestidade intelectual e política reconhecer que, além deste último país ter partido de uma base educacional superior (por causa das políticas discriminatórias do colonialismo português), não passou, nem de longe, por uma guerra de vinte e sete anos.


Assim, parece claro que os EUA têm, neste momento, uma atitude realista, lúcida e positiva em relação a Angola, pelo que deixaram de estar interessados, em princípio, em conspirar contra o governo dirigido pelo MPLA. A maior potência do mundo tem necessariamente, para isso, as suas razões e os seus interesses, entre os quais pode ser avançada a concorrência com a China, a necessidade de estabilização do continente africano, a luta contra a expansão do fundamentalismo islâmico e o terrorismo e outros.


As referências de Hillary Clinton à boa governação e à necessidade de realizar a eleição presidencial, para pôr fim ao período de transição no país, tinham de ser feitas, obviamente. Mas atente-se bem nelas: em relação ao primeiro tema, a governante americana, depois de ter lembrado, por exemplo, que as contas do petróleo angolano “estão na Internet”, disse que os EUA estão satisfeitos com os esforços do governo para aumentar a transparência e encorajou-o a prosseguir esses esforços; sobre o segundo, manifestou-se convencida de que as eleições presidenciais serão realizadas “a tempo”, depois da constituição.


Ou seja, a administração americana parece concordar, tal como, igualmente, a esmagadora maioria dos cidadãos angolanos, que o copo não está meio vazio (ou, como dizem alguns desesperados, totalmente vazio): está meio cheio.


Resta dizer, para evitar equívocos e mal-entendidos, que, pessoalmente, considero imperioso o aprofundamento da boa governação e a luta sistemática e estrutural contra a corrupção, assuntos sobre os quais tenho escrito com frequência. Também defendo a necessidade de discutir, sem complexos, a maneira de encerrar a actual transição política e levar a cabo a sucessão presidencial. Mas isso tem de ser feito exclusivamente entre nós, angolanos, incluindo o maior partido do país, com os seus quatro milhões de membros.


* João Melo
Fonte: África 21 Digital