Luanda - O médico legista e professor universitário Dr. Adão Manuel Sebastião disse esta semana que o país carece em média de 15 médicos legistas, contra os 6 existentes actualmente, para poder responder as ocorrências médico-legais.

 

*Emanuel Bianco
Fonte: Club-k.net

 

Adão Manuel Sebastião fez esta afirmação quando esclarecia as mais-valias do trabalho de fim do curso de licenciatura do recém-formado médico Adalberto Luciano Stover com nota inédita de 20 valores, que revelou que maior parte dos casos autopsiados na morgue Central de Luanda tinham como causa os choques traumáticos e asfixias, atingindo jovens na faixa dos 24 a 29 anos. Este e outros assuntos foram rebatidos em conversa que este jornal teve com o chefe do departamento de anatomia patológica da faculdade de medicina, aqui reproduzida na íntegra.


P- Gostaríamos de saber o que representa para si esta classificação atribuída ao estudante?


Dr. Adão Sebastião - Esta classificação representa um valor acrescido naquilo que é responsabilização do próprio estudante, agora já quadro pertencente à classe médica no que tange ao seu aprimoramento para as futuras actividades. Também representa um agradecer a todo um conjunto de trabalhos elaborados por tantos outros departamentos, porque o estudante certamente ao chegar a este fase teve um acervo instrutivo dos departamentos que antecederam a unidade curricular. É isso tudo o que representa, bem como o afinco do próprio estudante, a perseverança, a dedicação do estudante e ainda todo um trabalho árduo da equipa que o coadjuvou na sua etapa de efectivação da tese.


Disse durante a atribuição da nota 20 ao estudante que devíamos chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes, o que é que isso significa?

 

Dr. A. S – Ao dizer que devíamos chamar as coisas pelos sues verdadeiros nomes, eu queria dizer que era necessário avaliar para classificarmos e não classificar o premeditado. Eu não sou muito de adjectivar, mas naquele dia eu tive de adjectivar porque estávamos a presenciar uma exposição dum estudante que pretendia a candidatura do título de licenciatura e que aparentava ser uma apresentação brilhante e que merecia uma nota excelente. A acabou por se consumar com a decisão de todo o jurado cuja argumentação mais válida foi lida pela Mestra Maria Madalena Machado Pakissi.

 

Na sua docência, os estudantes que passaram pelas suas mãos e das defesas que já assistiu, já teve um caso igual duma nota desse valor?

 

Dr. A. S – Eu já tive na minha orientação 19 valores. Regi 19 monografias a mais baixa com 16 valores, mas foi um trabalho que mereceu publicação porque falava do consumo de álcool no Cazenga como o município mais populoso de Luanda e quiçá de Angola. A nota mais alta até então tinha sido de um trabalho sobre Eutanásia com 19 valores. Todos os outros rondaram entre os 17, 18. Esse foi o primeiro 20 e senti-me bastante gratificado por todo esse trabalho árduo que temos feito, porque mostramos que da morgue não só se falam coisas más, mas dela vêm também coisas que podem plasmar o sentimento filosófico e até doutrinário da medicina legal.


Não teve contestação da Direcção da Faculdade ou mesmo da Universidade em relação a nota atribuída?


Dr. A. S – Não, porque a faculdade é um corpo único, com membros coesos, credíveis julgo que no decorrer destes anos em que lecciono na faculdade de medicina, onde estou há nove anos, temos estado a apresentar algumas facetas do nosso trabalho, quer nas apresentações coloquiais, nos circuitos de medicina legal e nas jornadas. Julgo que até mesmo o docente menos atentos tem estado a perceber que a medicina legal tem estado a dar uma viragem em relação as monografias de medicina, saindo do ponto meramente médico clínico, indo para o ponto médico inventivo e sócio-juridicamente afável, para que o médico na sua componente de exercer o acto médico tenha conceitos lidos da ética e deontologia.


Qual é a mais-valia que este trabalho do estudante Adalberto Stover traz para o seu ramo?


Dr. A. S – O colega Adalberto fala da autópsia e do diagnóstico das causas de mortes dos corpos autopsiados na casa mortuária num período de Janeiro à Dezembro de 2008, portanto um ano e traz-nos aqui valias como as principais causas de morte e os principais mecanismos de previsão. Fala que as mortes violentas predominaram em relação as mortes naturais. Também conseguiu concluir que das mortes violentas as causas mais frequentes foram os choques pós-traumáticos e dos choques pós-traumáticos os mecanismos de lesão mais efectivados foram os traumas crânio-encefálicos. Fala-nos ainda de outras causas em que os mecanismos de lesão, foram as perfurações uterinas, chamando assim atenção dos abortos clandestinos, os abortos criminais. Fala-nos também que por asfixia, os afogamentos tiveram maior evidência; está-nos a falar da submersão marítima, está a falar do uso e adequação costumeira balneária das praias e fala-nos que também sobre as mortes por intoxicação também predominaram as mortes por intoxicação etílica, que é o uso e abuso de substâncias com conteúdo etílico. É um trabalho que permite recomendar que as pessoas fiquem mais prontificadas e receptivas quanto aos modelos de instrução e educação cívico e social e permite-nos dizer que o estado preste mais atenção naquilo que é o aprimorar do exercício de cidadania pelos cidadão e que medidas devem ser tomadas no sentido de que as mortes devem ser reduzidas. Fala-nos assim que pretendia ele encontrar algumas medidas para poder aumentar os níveis de longevidade humana.


E Qual será  o aproveitamento do estudante?


Dr. A. S – O aproveitamento do estudante é um aspecto complexo e multidisciplinar. Nós temos que partir primeiro com aquilo que o estudante precisa, com aquilo que ele pretende e depois com as possibilidades que temos de inserção. Mas de uma ou de outra forma, sabe que o médico nunca é formado perdido num território como o nosso. Mas o que nos interessa aqui é dar um direccionamento apropriado e adequado daquilo que são as propensões dele e a capacidade dele. Isso também passa por um trabalho de reajuste, quer por diálogo, quer por consentimento para que ele possa ser enquadrado da melhor forma.


Não acha que com classificação que teve devia encontra maior facilidade e uma rápida integração no mercado de trabalho?


Dr. A. S Pode ser que sim, pode ser que não. Esta é apenas um classificação pedagógica que fala do aproveitamento e da atenção que teve na elaboração do trabalho. Fala-nos duma prontidão que o colega médico apresenta, duma atenção e empatia que teve em relação ao trabalho apresentado. O que será a posterior, é uma questão de se trabalhara porque esta avaliação só tem a ver com a dissertação, apesar do bom acervo instrutivo que traz. Isto indica que o estudante teve uma boa base, mas não é ainda um indiciar de uma carreira brilhante. É simplesmente o despertar de que poderá ter uma brilhante carreira


E disse também que o seu trabalho podia ir para fóruns superiores ao da faculdade. Quais?


Dr. A. S Falava que era um trabalho que podia ser apresentado no conselho pedagógico, do conselho cientifico, nalgumas conferência inter-hospitalares, quiçá no congresso anual que ordem dos médico promove, e porque não num fórum internacional. É de todo interessante sabermos porque é que as pessoas morrem. Vimos no trabalho dele que as pessoas que mais morrem são da faixa etária dos 24 ao 29 anos, uma faixa de gente activa e produtiva, cujas mortes trazem nao só prejuízos humanitários, mas também económico-materiais. É um trabalho muito importante porque sabendo-se as causas da morte nós poderíamos encontra mecanismos de defesa, mecanismos de profilaxia que fariam com que as pessoas não morressem nesta faixa etária, se bem que a morte é certa. Mas que morressem um pouco mais tarde.


Quantos médicos legais estão formados até hoje?


Dr. A. S – Nós em Angola não formamos médico legistas, mas aproveitamos as faculdades porque as temos como nossos viveiros. Devo dizer que dos 20 médicos que estão em formação em Portugal, devo salientar que 18 saíram desta faculdade de medicina e foram estudantes desta unidade curricular de medicina legal aqui. Foram pessoas que foram preparadas para enfrentarem a especialidade de medicina legal. Em Angola temos nessa altura quatro médicos legistas angolanos e dois expatriados. Dos qautro médicos angolanos dois estão no activo, um está em fase de conclusão do doutoramento e outro conclui o doutoramento mas ainda não está cá. Quanto as monografias já tivemos aqui 19 monografias, uma no ISCED onde houve a comparticipação da medicina legal como vogal, uma no PIAGET e 17 na faculdade de medicina. Temos em vista mais 13, sendo 4 na UNPIAGET das quais 3 médicos e um jurista e nove na faculdade de medicina, totalizando 32 monografias. Vai ser altura de pararmos e reflectirmos. Estamos com uma média de defesas de 17, 6 valores, sendo a menor frequência um com 19 valores, 8 com 17 valores, 9 com 18 valores e agora uma com 20 valores.


Quais as principais dificuldades que a sua área tem encontrado no exercício da profissão e ao lidar com casos de autopsias?


Dr. A. S – As dificuldades passam por uma certa falta de educação cívica de saúde porque o povo não estava acostumado aos esclarecimentos. De certa forma, uma quota-parte é culpa nossa de pessoas um pouco mais esclarecidas não tirarem os leigos do marasmo em que tinham em relação a medicina legal. Sabe que dum tempo a esta parte a medicina legal era tida só como a medicina que só tratava dos mortos. Carecia de palestras, de esclarecimentos e sobre tudo um trabalho de divulgação da medicina legal, que foi realizado por toda Angola, mas não na sua plenitude, porque era necessário que reestruturássemos a mentalidades no sentido de perceberem que a medicina legal é uma especialidade válida que até serve de saber das causas e profilactizar para que as coisas não aconteçam.

 

E o pessoal médico que mencionou há pouco tempo responde às exigências do mercado?


Dr. A. S – Não. Nós estimamos um país que deve ter por média cerca de 150 médicos legistas. É só ver que se somos seis o que representa 1/25 das necessidades do país. Mas se vierem os outros 18 já seremos um sexto daquilo que precisamos. Talvez daqui há 4 anos já podermos pensar na implantação dos institutos de medicina legal e de alguns internatos de especialidade, para povoar o país com pessoal válido que precisamos para as ocorrências médico-legais.


No que diz respeito as condições materiais, está tudo garantido?


Dr. A. S – Não. Condições materiais não existem quase nenhumas. As condições que existem são obsoletas precárias e estão de certo modo sem a observância do arsenal de biossegurança. Os médicos são exposta aos mais variadíssimos riscos e até é triste que se diga não temos subsídios nenhuns. Os médicos legistas têm vencimentos básicos.


P- Se tiver mais alguma coisa a esclarecer sobre esta conversa que tivemos, vamos ouvi-lo.


Dr. A. S - Gostaria antes de tudo agradecer a oportunidade que nos dá e dizer também que a medicina legal nova. Julgamos que os novos tempos trarão novas formas adequadas as que nós julgamos ser efectivas. Gostaria de agradece pessoas que estão efectivamente ligadas a história da medicina legal ou a história da injecção de médicos legistas. Estou a falar do Instituto Nacional de Bolsas de Estudos - INABE que a seu tempo abriu uma linha de prioridade para a formação de médicos, onde eu estou incluso. Desculpe citar nomes, mas queria agradecer o Dr. Pascoal Luvulo responsável dos bolseiros na CEI, que de certo modo priorisou a formação dos médicos, o Director Octávio da investigação criminal que sempre se preocupou com esta área do saber, Comissário Eduardo Cerqueira e o subcomissário Domingos Sobrinho que muito fez para enviar os médicos que estão hoje em Portugal. Também agradeço ao povo angolano que sempre soube entender as falhas do nosso trabalho, quer por escassez de pessoa, quer por escassez dos meios de exequibilidade do trabalho. Agradeço Ministério, bem como as instituições académicas que têm nos dado todo acervo em termos de acomodação para que a medicina legal também tenha o seu papel didáctico nas universidades e vocês, órgãos de informação, que têm estado mediatizar essa área do saber, de forma a promover e a trazerem para aqui mais gente para a formação, agradeço os colegas, estudantes e a minha família que tem sabido compreender-me, na minha carreira profissional.