Luanda - Em homenagem a Viriato da Cruz, verdadeiro vencedor do Prémio Nacional de Culturae Artes, publicamos a primeira parte da entrevista feita no dia 16 de Junho de 2004 a Michel Laban, professor de literatura Africana na Universidade de Paris II, muito conhecido entre nós, que partiu para eternidade no dia 25 de Novembro de 2008. Quatro anos antes esteve em Angola para participar do lançamento do livro “Cartas de Pequim”, do nacionalista angolano Viriato Clemente da Cruz, cuja morte ocorreu na China em 1973. Nesta tribuna gostávamos de resgatar a ofensa inqualificável de que foi alvo Viriato da Cruz por parte da ministra Rosa da Cruz e Silva e tributar de forma singela a nossa incontida homenagem a Michel Laban, um pioneiro da crítica literária de expressão portuguesa em França, cujo legado nos é em parte deixado nesta longa conversa!




*Cláudio Fortuna
Fonte: Folha 8




Folha 8 - Michel Laban, mais uma vez em Angola para cumprir uma outra missão, depois de já ter cá estado, no ano passado, aquando do colóquio da Biblioteca Nacional. Hoje com o propósito de fazer a publicação das Cartas de Pequim do Viriato da Cruz, o que é que temos neste livro?



Michel Laban - Bom, Viriato da Cruz, foi um dos primeiros nomes que eu ouvi quando comecei a escrever e a interessar-me pela literatura angolana, isto foi em 1974 ou 1975. Eu sempre tive o desejo de saber mais sobre o Viriato Cruz, mas nunca tive a oportunidade de ter essas informações complementares, particularmente não conhecia as questões que dizem respeito ao fim da vida dele, num lugar como Pequim, em 1973. Claro que sabia que tinha tido um problema ligado à crise no MPLA, em 62 ou 63, eu sabia disso, mas não tinha pormenores. Foi um trajecto, um percurso que sempre me interpelou, foi o ano passado, em 2003, quando estive cá, para o colóquio na Biblioteca Nacional, que entrevistei alguns escritores na perspectiva de fazermos um dicionário do português de Angola, através da literatura.


Tive um encontro com Jacques Arlindo dos Santos, fiz-lhe as perguntas que pretendia, e a um certo momento, disse-me que talvez me pudesse ajudar, mas sem ter pensado nisso ele tinha essa preocupação. De repente, pensou nas cartas do Viriato da Cruz. Ele tinha as cartas em francês, escritas por Viriato da Cruz a uma senhora que se chama Monique Chezmosiez, que Viriato conheceu no principio dos anos de 1970, em Pequim, e o Jacques tinha essas cartas, mas que havia um problema, essa senhora opunha-se à publicação das cartas porque não lhe tinham pedido autorização para sua publicação, enquanto eles pensavam que para a sua publicação bastava a autorização da família. Na verdade, o proprietário das cartas é sempre o destinatário, eles não sabiam tal como eu não sabia e admitiram que já tinham reconhecido o erro. Mas a senhora não quis ouvir mais nada, estava mesmo zangada, então pediram-me que interferisse junto dela, em Paris e eu aceitei porque correspondia a um dos meus desejos já a partir dos anos de 1970, quando comecei a me interessar pela literatura angolana. Foi a primeira coisa que fiz quando cheguei a Paris, mas fi-lo com alguma cautela, com receio de ser acusado de me meter num assunto que não me dizia respeito, telefonei à senhora, felizmente ela conhecia-me, por causa das traduções que faço a nível da literatura africana, marcamos um encontro e tudo se resolveu, expliquei-lhe que tinha havido um erro, que não era por mal, foi assim que começamos a trabalhar.



Eu gosto de temas históricos, mas não é propriamente a minha área de trabalho, então decidimos, contactar uma outra pessoa, e foi assim que ocorreu-nos contactar a Christine Messiant, que conhecíamos bem os dois como uma pessoa séria, que não se contenta com as aparências, que quando analisa um problema vai até ao fundo, gosta de ter o controlo de tudo, embora não seja historiadora, ela é socióloga, mas como é especialista em História do nacionalismo angolano e conhecemos os trabalhos que ela fez e merecem o nosso respeito, também talvez saiba que ela também fez trabalho sobre a história do nacionalismo actual, e como é competente decidimos escolhê-la. Foi assim que a contactamos e ela aceitou. Então eu dinamizava tudo, fazia os contactos e marcava as reuniões, e assim começamos a trabalhar. Cometi um erro positivo digamos assim, quando contactei a Christine, por não lhe ter dito que tinha que preparar um estudo de dez, ou quinze páginas e ponto final, mas para ela era natural que assim fosse, e, por falta de experiência, deixei escapar este pormenor.


Ela seriamente começou a trabalhar e foi parar num longo passo, quando ela me mandava o trabalho fui vendo que era algo muito sério e que já não era uma simples introdução, e á medida que o tempo passava ela ia descobrindo novos aspectos eu ficava um pouco fascinado quando ela descobria e chegamos a um resultado multiplicado por “xis”, cerca de oitenta páginas, pelo menos no meu computador eram oitenta páginas, não quantas terá agora no livro, tivemos que trabalhar e foi um grande trabalho também para mim, porque eu fui um leitor crítico e tinha que resumir e organizar. Tivemos a ajuda do Bonavena, que teve que traduzir do francês para português. Foi muito trabalhoso, eu não calculava que havia de passar vários meses até chegarmos ao resultado que temos hoje, e que teve o seu fim agora. É preciso referir que trabalhamos com as cartas do Viriato à Monique, mas não temos as da Monique dirigidas ao Viriato, porque elas já não existem, ela já não tem as copias e, também publicámos no livro uma outra carta do Viriato, dirigida a José Carlos Horta, que é um nacionalista de origem Moçambicana, que foi um grande amigo de Viriato da Cruz.



Tivemos acesso a essa carta que data dos princípios dos anos cinquenta ou sessenta, já não tenho bem presente, mas tenho em casa uma cópia dessa correspondência e ele só nos autorizou a publicar apenas uma das suas cartas de Pequim, infelizmente só uma, ele tem um tesouro, mais esta já foi uma longa carta dirigida a José Carlos Horta. Com este material, depois decidimos, eu e a Christine, fazer uma longa entrevista à Monique, para que ela descrevesse o contexto em que conheceu o Viriato da Cruz, como é que era a vida dele naquela altura, quais eram os problemas que tinha que enfrentar. Enfim, para tentar dar uma visão um pouco directa da experiência e que não fossem só as cartas. Temos a entrevista, temos as cartas e depois fiz com a Christine uma pequena introdução, ah!, e outra coisa, publicámos o conjunto dos cadernos políticos que Viriato tinha escrito.



Eu já sabia porque nas entrevistas que fiz aos escritores angolanos, o nome do Viriato aparecia regularmente, estou por exemplo, a pensar no escritor Mário António que entrevistei em 1988 e 1989, já não sei bem, e  ele dizia que, o Viriato da Cruz era o único e verdadeiro comunista em Angola, que tinha uma preparação, conhecia com profundidade o marxismo e, esse trabalho chamou-me a  atenção. O Viriato foi fundador, aliás com o Mário António, do Partido Comunista Angolano em 1955, o Mário António, dizia que a palavra comunista provocava tanto medo nas pessoas aqui, que decidiram abandonar o projecto, e porque não tinha sido propriamente um projecto puseram de lado este partido para depois passarem a organizar o MPLA. Portanto, os cadernos políticos que são muitas vezes extractos de Marx ou de Lenine, acompanhados de comentários, são uma leitura explicada do marxismo. Publicamos este material em francês, tal como foi escrito porque tinha sido escrito em francês, simplesmente para os que não sabem ler nem entender francês, traduzimos algumas páginas para português e, porque não tivemos muito tempo, não foi possível traduzir tudo, resultando num trabalho extremo. Digo-lhe à vontade aliás, gostei da referência feita aquando do lançamento do livro, o responsável da Chá de Caxinde, o senhor Jacques dos Santos, disse que este trabalho foi feito sem qualquer contrapartida financeira e, é bom que fique claro e não é para nos engrandecer, mas é bom que fique claro que fizemos com entusiasmo e com a consciência de termos feito uma obra útil para restabelecer a verdade, porque lendo-o, ele lembra a pureza dos seus ideais e a exigência em relação à verdade são qualidades morais que ele tinha e, pensando no que foi Angola, havia um grande contraste. Durante esta viagem eu perguntei-me: e se o Viriato visse Angola hoje? Esta é uma pergunta a que eu não quero responder, o que é bom também pensar nos sonhos de alguns, não é? Isso talvez ajude a entender o presente.




F8 - Mesmo sem ter tido a oportunidade de o conhecer pessoalmente, acabou, conhecendo-o digamos que virtualmente não é?




ML – Virtualmente! Sim posso dizer que foi virtualmente porque as cartas mostram a evolução, mas aí quem tem que falar disso é a Christine, foi ela quem descobriu o trabalho, repito, uma análise séria, vi o trabalho a evoluir, a progredir dentro do material. Portanto, foi interessante ter esta descoberta do Viriato da Cruz, com certeza, mas também da Christine e da Monique. Para mim foi muito interessante, tudo era maravilhoso, fazer uma obra útil, e sobretudo esse trabalho que foi sugerido por angolanos, não é? Porque o que muitas vezes acontece é que são feitos ou pedidos de fora, por portugueses ou franceses, ou de qualquer outra nacionalidade, mas este para mim foi o ideal, foi editado em Angola, corresponde um pouco ao que poderia desejar o Viriato se estivesse em vida.



F8 - De facto, é evidente que estas cartas só foram escritas quando ele esteve em Pequim, mas há um elemento muito mais forte, pelo menos para quem estuda e se interessa pela história que é o Manifesto de 1956, Teve acesso a este documento, gostaria de ter publicado?




ML – Ah, claro, mas não posso falar disso, só a Christine poderá falar disso. Aqui neste livro essa questão não aparece, ela teve forçosamente que tentar explicar as causas da sua morte em Pequim, não vou dizer que é absurdo, porque a morte é sempre um acontecimento absurdo, sobretudo com a idade dele, com 45 anos de idade, na época, o porquê que o levou a Pequim nos anos de 1960, depois da crise no MPLA? Portanto teve que referir-se a isso forçosamente, mas não era o tema principal, há também o Edmundo Rocha, que está a preparar um trabalho sobre o Viriato da Cruz, penso que vai sair nos próximos tempos, com várias intervenções sobre este trabalho. Penso que aí vai ser abordado profundamente, espero pelo menos que seja abordada a crise no MPLA e o manifesto tem que aparecer, pelo menos espero que assim venha acontecer, não é? Mas este não era o nosso tema principal, o título do livro é Cartas de Pequim, e portanto, não podíamos misturar tudo, não seria científico, mas, e porque o nosso trabalho não é propriamente científico, pelo menos tentamos nos aproximar do rigor.



F8 - Sentiu, pelo menos, do lado da Monique,  a pretensão de um dia voltar a dar sequência a este trabalho, pelo menos no que toca a alguns elementos que por alguma eventualidade não tenha vindo à superfície agora?



ML – A Monique!?... Não, porque ela deu tudo, ela deu todos os documentos que tinha, e disse tudo o que sabia e a correspondência foi publicada a cem por cento, não deixou nada de lado, agora quem tem é, como lhe disse há bocado, o José Carlos Horta, ele tem o conjunto de correspondências que é muito interessante, oxalá um dia aceite a ideia de vir a publicar, talvez e se calhar vendo este livro, e, sobretudo, com os comentários deste livro aceite a ideia de vir a publicar. Olhe, fiz tudo e não imagina o quanto tentei convencê-lo a nos ceder esta correspondência, mas por razões que eu ignoro ele prefere esperar.

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