Luanda – Cumpre estabelecer uma destrinça entre o Estado de Emergência e a Calamidade Pública. Dissemos que enquanto O Estado de Emergência fosse um estatuto, estado em si, "stadium" de "status", já a Calamidade é uma situação, uma condição. E a lei vem, nominalmente, a esclarecer. Ou seja, a Lei n.º 14/20, de 22 de Maio, a de Alteração à Lei de Bases de Protecção Civil, traz uma definição legal de Calamidade Pública de modo a nos conferir melhor entendimento, sendo certo de que surge a tempo de regular a situação de contingência que o país vive em função da Pandemia que graça o mundo. 

Aspectos esclarecedores da Lei de Bases de Protecção Civil
Fonte: Club-k.net
Pois então, a lei diz que a Calamidade é uma situação de facto, um acontecimento ou uma série de acontecimentos graves com efeitos prolongados no tempo e no espaço, susceptíveis de provocar elevados prejuízos materiais e vítimas humanas, afectando intensamente a saúde pública, as condições de vida dos cidadãos, os seus bens, o tecido sócio-económico e a biodiversidade.

Ora, só pela definição, aí se enquadra a actual situação de crise, entendida como risco, imposta pela Covid-19. (n. 1, ali. c) do Artigo 2.º da Lei em análise).

E se os efeitos são prolongados no tempo, importante seria aferir a questão do procedimento já que relativamente a isso se torne sempre indispensável adoptar-se medidas que colidem com os direitos, liberdades e garantias fundamentais para acautelar o pior, todavia, com que a normalidade constitucional seja refreada por algum período de tempo enquanto se pretenda salvaguardar o bem mais importante, ou seja, a vida (artigo 59.º da CRA).

Considera-se, por maioria da razão, que a principal causa da anormalidade, no entanto, a aplicar-se, já a parir de 26 de Maio de 2020, com medidas mais brandas, sem exclusão porém de responsabilidade, é a questão de Calamidade ou catástrofe por razões sanitárias a julgar pela virulência que desemboca em Covid-19, de acordo com o que se possa depreender com o enunciado no número 2 do mesmo artigo que diz: considera-se que existe uma situação de catástrofe ou Calamidade Pública natural, ambiental, sanitária ou tecnológica quando face à ocorrência ou ao perigo de ocorrência de algum dos acontecimentos referidos no número anterior - a Lei fala no plural, nos nos números anteriores - é reconhecida e declarada a necessidade de se adoptarem medidas para se evitar a sua propagação, de modo a repor a normalidade", diríamos nós, normalidade constitucional.

Assim sendo, a normalidade seria atingir ao desconfinamento que obedeceria a fases sucessivas com base nas chamadas medidas genéricas destrinçadas tendo como pressuposto as linhas a serem elencadas mais adiante.

Mas então que medidas estão em jogo?
Ora, o número 1 do Artigo 4.º desta Lei de Bases de Protecção Civil, salvaguardando, óbvio, o disposto na Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde, no Regulamento Sanitário Nacional e demais legislação, ocorrendo ou havendo perigo de ocorrência de acidente grave ou com declaração da situação de Catástrofe ou Calamidade Pública, fala em medidas que incidem no funcionamento dos Órgãos da Administração Directa ou Indirecta do Estado; incidem, nomeadamente, no exercício da actividade comercial, industrial e acesso a bens e serviços; que incidem no funcionamento dos mercados; que incidem nas actividades que envolvem a participação massiva de cidadãos enquanto existir o risco de contágio ou de insegurança dos cidadãos; que incidem na protecção de cidadãos em situação de vulnerabilidade; no funcionamento dos transportes colectivos; no funcionamento de cresces infantários, instituições de ensino, lares da terceira idade e lares de acolhimento; no funcionamento do tráfego rodoviário, aéreo, marítimo, fluvial e ferroviário; na prestação de serviços de saúde; na realização de espectáculos, actividades desportivas, culturais e de lazer; no funcionamento de locais de culto enquanto existir risco de contágio ou de insegurança dos cidadãos; na mobilização de voluntários; na defesa e controlo sanitário das fronteiras; na prestação compulsiva de cuidados individuais de saúde, com ou sem internamento no interesse da saúde pública; na definição de cordões sanitários.

Tratam-se de medidas (linhas) de natureza administrativa que de acordo com a nova lei, será sempre o Presidente da República na qualidade de Titular do Poder Executivo a declarar tais medidas, até porque a ele compete definir a política de protecção civil, seu desenvolvimento e permanente actualização (Artigo 5.º n.º 2), claro, dentro dos marcos da Constituição já que a própria lei, no Artigo 4.º, n. 7, diz que as medidas tomadas pelo Presidente da República enquanto Titular do Poder Executivo, não podem, em caso algum colocar em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como o artigo 58.º da Constituição da República de Angola.

A conformação constitucional acautelada pelo legislador ou condensada na presente lei ordinária confere assim a faculdade, sempre que necessária, ao PR, enquanto Titular do Poder Executivo, de declarar o Estado de Calamidade por este operar em sede de medidas administrativas que a lei confere.

Portanto, "a declaração da situação de Catástrofe ou de Calamidade Pública é feita por acto do Titular do Poder Executivo, devendo desta constar a especificação da sua natureza, medidas e âmbito territorial (Artigo 11.º n.º 3). É um acto administrativo que no caso de não respeitar os pressupostos para o efeito poderá ser impugnado. Sendo antecipadamente declarado pelo Presidente da República, não obstará, no caso de se verificar irregularidades, a uma fiscalização póstuma sendo em sede da fiscalização sucessiva da constitucionalidade.

Portanto, a situação de catástrofe é definida pelo Presidente da República, ouvido o Comissão Nacional de Protecção Civil. Artigo 18.º, n.º 4). Quer dizer, a Comissão Nacional de Protecção Civil tem algo a dizer em termos de parecer.

Em termos de regulamentação na prática, estão já estabelecidas, em função do contexto, as bases de funcionamento das referidas medidas.

*Jurista e Jornalista