Luanda - Ponto prévio V: Perante a pandemia Covid 19, cada um deve fazer a sua parte, pelo que é reservado aos, investigadores, estudiosos, enfim, proporcionarem neste período do estado de emergência, entre outras, artigos acadêmicos capazes de transformarem a quarentena versus fica em casa versus isolamento social, não momentos de tédio e de inércia mas, momentos de aumento de conhecimento do domínio científico-social na sua transversalidade, com enfoque sempre que possível (para nós angolanos), sobre a realidade histórico-social da nossa pátria – Angola, (a verdadeira história de Angola ainda está para ser contada), razão pela qual me propus a partilhar esta nova temática.

Fonte: Club-k.net

Através do Despacho Presidencial n.o 73/19 de 16 de Maio, publicado em Diário da República, o Presidente da República, João Lourenço, criou a Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002, enquadrado nos esforços para a consolidação do Estado Democrático e de Direito, tendo como finalidade, curar as feridas psicológicas das famílias e se regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos, através do perdão e da reconciliação nacional, um imperativo político e cívico do Estado, actual, para prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos.


Augura-se com a elaboração do referido Plano de Acção para homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, estarem lançadas as bases para o enterrar das mágoas profundas e generalizadas de um período conturbado da nossa história, por via entre outros da construção de MONUMENTO (esperemos de nível nacional, mas também réplicas de nível provincial, para que as romarias não se transformem em mais uma factor de congestionamento da débil mobilidade de Luanda) onde, anualmente nos pudéssemos rever e penitenciarmo-nos (cada um pelo grau de intervenção ou omissão), de tudo o que aconteceu de mal entre nós e que levou a morte dos nossos irmãos angolanos, no decurso do conflito registado na história de Angola.


Levantou-se logo a seguir o debate académico sobre o período; (i) a partir de 1482 com a chegada dos colonizadores, (ii) a partir de 1575, com o início da ocupação territorial/urbana das localidades angolanas, (iii) a partir de 1961 com o início da luta armada de libertação nacional, ou (iv) a partir de 1975 com a independência nacional e o agudizar dos desentendimentos políticos entre os subescritores dos ACORDOS DE ALVOR – MPLA, UNITA e FNLA, (ao meio de interferências externas no quadro da guerra fria), até ao 4 de Abril de 2002, com o alcance da paz definitiva. Foi no decurso desse período (1482-2002) que os angolanos de todas as classes e raças, de todos os cantos do país, mais derramaram o seu sangue, cujas consequências ainda perduram até aos dias de hoje.


Obviamente já não temos membros directos das gerações ligadas aos períodos de 1482 e 1575, pelo que ganha corpo a corrente de estabelecimento dessa homenagem a partir de 1961. Outra corrente pretende que tal homenagem seja a partir do período de 1975, mantendo a Comissão interministerial tudo em aberto enquanto decorre a CONSULTA PÚBLICA (agora também condicionado pela COVID).


Todavia continua marcante presenciar uma corrente de concidadãos, ávidos de clarificarem os contornos do 27 de Maio, numa perspectiva eventualmente acima não apenas do valor e espírito de reconciliação do Plano de Acção para homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, como também PARTICULARIZAR este acontecimento, entre os vários momentos de triste memória para nós angolanos, que ocorreram no decurso dos tempos em muitos cantos do território angolano.
Talvez porque até ao momento se cruzam (então vítimas e algozes) no dia a dia das cidades, no partido ou no governo, num ambiente de surdos e de mudos, em que o sentimento das vítimas directas e ou próximas, clama por um pedido de desculpa que não aparece. Talvez porque até ao momento se sintam excluídos do MPLA, agora partido, ao qual deram o seu contributo e vêm agora os louros refletidos nos carrões, nas vivendas, nas sociedades empresarias, de quem menos fés e esteve (pensam eles), naquele fatídico dia, a apontar, ou a sacrificar os seus então companheiros de luta.


UMA ABORDAGEM ACADÉMICA ASSENTE NA ANÁLISE CRÍTICA DESCRITIVA

Passados 43 anos deste acontecimento de triste memória, em que muitos dos intervenientes directos e cidadãos vivenciadores em várias partes do país, agora convivem com uma nova geração de familiares nascidos depois dessa data (filhos, genros, sobrinhos, netos, quiçá bisnetos...), QUE INTERESSE HÁ

EM SABERMOS QUEM E COMO ASSASSINOU O NOSSO ENTE QUERIDO, numa perspectiva “quase similar” ao que aconteceu no processo político sul africano?
Cada povo tem a sua maneira de ser e de estar, pelo que optar pelo modelo sul africano – COMISSÃO DA VERDADE, na realidade angolana, em hipótese académica, levar-nos –ia ao reacender do fantasma da guerra, das perseguições e ou da exposição em hasta pública dos intervenientes e de familiares mais próximos, que contrastar-se-ia com os vários instrumentos de reconciliação nacional, desde a POLÍTICA DE CLEMÊNCIA as várias AMINISTIAS, que permitiram, apesar da desproporcionalidade do desfecho militar, concordarmos todos de que NÃO HOUVE VENCIDOS NEM VENCEDORES, do que pode ser entendido como o MODELO ANGOLANO DE RECONCILIAÇÃO POLÍTICA, ímpar e único no mundo.


Em hipótese académica, repito, em hipótese académica, os contornos do 27 de Maio de 1977 (sem prejuízo da sua dimensão e número de vítimas), se encaixa nos “desentendimentos na relação interna da organização política”, no caso o MPLA, de que outros partidos políticos sucedâneos dos Movimentos de Libertação, também não se livraram, como a queima na fogueira e ou a dizimação das famílias de topo militante, no caso a UNITA, ou o pouco divulgado ambiente tenebroso na base de Kinkuso (se for essa a designação) no caso da FNLA, pelo que É POUCO AVISADO PARTICULARIZAR os acontecimentos do 27 de Maio, da forma como se pretende, porque os mesmos acontecimentos, tal como vimos atrás, não foram os únicos.


Pergunte-se aos sobreviventes dos passivos negativos da UNITA, resultantes das “querelas internas” como é cruzar com os seus ex companheiros de causa e de luta, identificados como algozes dos respectivos ente queridos, mas agora em plena convivência, nas cidades, nos condomínios, nas instituições públicas, nos espaços de lazer, nos casamentos, nos óbitos e outros locais, em razão de um bem maior – A PAZ EM ANGOLA?


Pergunte-se aos sobreviventes dos passivos negativos da FNLA, resultantes das querelas internas como é cruzar com os seus ex companheiros de causa e de luta, identificados como algozes dos respectivos ente queridos, mas agora, em plena convivência, nas cidades, nos condomínios, nas instituições públicas, nos espaços de lazer, nos casamentos, nos óbitos e outros locais, em razão de um bem maior – A PAZ EM ANGOLA?


Pergunte-se aos sobreviventes das zonas de guerra dos confrontos pós eleitorais, (Luanda, Huambo, Bié, Zaire, Bengo ... enfim), como é cruzar com os algozes dos respectivos ente queridos, mas agora, em plena convivência, nas cidades, nos condomínios, nas instituições públicas, nos espaços de lazer, nos casamentos, nos óbitos e outros locais, em razão de um bem maior – A PAZ EM ANGOLA?


Pergunte-se aos sobreviventes (para não citar mais), das emboscadas aos veículos, aos comboios e aos sobreviventes das ocupações e reocupações pelas forças do Governo, outras vezes pelas forças da UNITA, dos municípios, comunas e povoações, como é cruzar com os algozes dos respectivos ente queridos, mas agora, em plena convivência, nas cidades, nos condomínios, nas instituições públicas, nos espaços de lazer, nos casamentos, nos óbitos e outros locais, em razão de um bem maior – A PAZ EM ANGOLA?


ENTÃO PORQUÊ QUERER PARTICULARIZAR OS ACONTECIMENTOS DO 27 DE MAIO?


Convenhamos considerar que, as vítimas resultantes dos “desentendimentos na relação interna das organizações políticas - MPLA,UNITA e FNLA”, ocorreram em pleno cenário de confrontos militares, num primeiro momento contra as forças coloniais portuguesas e, posteriormente, entre o Governo saído da proclamação da Independência dirigido pelo MPLA, contra forças militares da UNITA, pelo meio eivado de apoios, político-ideológico, material, financeiro e até mesmo pessoal-militar de aliados externos (cubanos, sul africanos, zairenses...), em pleno conflito internacional de supremacia geo- política ou também designado GUERRA FRIA, com milhares de vítimas em quase todo o território nacional, de que todos nós, familiares directos e indirectos, de que todos nós cidadãos angolanos, queremos homenagear, SEM QUE POLITICAMENTE SEJA UTILIZADO O PRINCÍPIO DA DIFERENCIAÇÃO (vitimas de 1.a classe, de 2-a, de 3.a...).


Neste contexto a criação pelo Titular do Poder Executivo da Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos numa perspectiva uniforme, independentemente das, circunstâncias, local ou período em que pereceram, se encaixa no MODELO ANGOLANO DE RECONCLIAÇÃO POLÍTICA, pelo que reitero que, cabe ao Estado angolano a obrigação moral e politica de reconhecer e homenagear todos os angolanos perecidos nos diversos conflitos ocorridos observando o principio Constitucional de igualdade dos cidadãos.


Assim e, à guisa de conclusão, em alinhamento com o espírito de apaziguamento dos espíritos por parte do Estado angolano, é hora dos PARTIDOS POLÍTICOS (MPLA, UNITA e FNLA), sucedâneos dos Movimentos de Libertação, se reencontrarem com as respectivas histórias numa perspectiva de perdão sobre os excessos de militantes contra militantes irmãos, cujas feridas perduram até aos dias de hoje. Este reencontro com as respectivas histórias, sucessivamente adiado pelas novas lideranças dos partidos acima referidos, tem sido o rastilho da mágoa permanente de muitos militantes e familiares, que em alguns casos, apenas querem a reposição moral, do papel desempenhados pelos seus, em primeira instância no engrandecimento do Movimento de Libertação Nacional, agora Partido Político.
Tudo o resto deve ser remetido aos investigadores e ou historiadores, para que tão logo o Estado despolete a reescrever da história de Angola, haja matéria bastante para o desmistificar os lados cinzentos, constantes nos actuais manuais da história de Angola.


Eduardo Lisboa – Mestre em Governação e Gestão Pública