Luanda - Já muito se disse e escreveu sobre o ataque da FLEC à selecção do Togo, e de certeza muito mais se dirá e escreverá. Pouco entretanto se fez e está-se a fazer, principalmente pelas autoridades de direito. O pouco que se está a fazer é uma catastrófica colecção de erros crassos.


Fonte: SA

 

Reação das Autoridades ao Ataque à Selecção do Togo

Em primeiro lugar, e em jeito de recado às nossas forças políticas da oposição e arredores, que ensurdecem o pacato cidadão com o seu coro de condenações à reacção “manu militaris” do regime: Ninguém ouviu uma condenação vossa, rápida, equilibrada talvez mas inequívoca, a um acto a todos os títulos hediondo. O que a FLEC fez enquadra-se de todas as maneiras à classsificação de um acto terrorista. Se tivesse acontecido nos EUA, Grã Bretanha ou Portugal, teríamos os nossos políticos do FCP e arredores a condená-lo veementemente, de preferência em entrevistas inflamadas nas rádios e televisões destes países. Para serem vistos... pelos ditos! Tendo acontecido aqui, no nosso próprio país e numa altura em que abrimos os braços para acolher os nossos irmãos de outros países convidados para uma festa de dimensão continental, nada disseram. Ou se o fizeram, foi tão baixinho que poucos ou quase ninguém ouviu. Para logo em seguida desatarem num berreiro por causa das detenções – erradas, como defenderei adiante – com as quais o regime reagiu ao acto. A isso, casos senhores políticos da oposição e arredores, chamo eu deste humilde Canto falta de patriotismo. Não surpreende por isso que os cidadãos de uma maneira geral olhem-nos com uma certa desconfiança que reflecte-se em pobres performances nas urnas.


Dito isso, convenha-se também que o Governo, até agora denotou uma confragedora e inaceitável falta de argúcia, visão e estratégia na maneira como está a gerir o dossier. Desconte-se o facto que houve uma distracção monumental da parte dos serviços de inteligência que não puderam ou não souberam detectar a intentona a tempo (é pouco crível que uma acção desta tivesse sido planeada tão sigilosamente que fosse à prova de uma trabalho eficiente dos órgãos de inteligência). Desconte-se ainda o facto que um grupo de tão alta visibilidade internacional viajasse por terra numa área suspeita com uma escolta mínima. Desconte-se também que a reacção ao ataque tivesse sido o habitual – e nunca eficaz – “blackout” à Comunicação Social nacional, permitindo que os órgãos noticiosos estrangeiros noticiassem o facto primeiro, sem a versão do Governo que quando o fez foi da forma atabalhoada a que nos habituou. Desconte-se isso tudo.

 

A verdade das coisas quando analisadas friamente é que a FLEC deu um tremendo tiro no próprio pé, e facultou a alavanca necessária para desmantelar a sua rectaguarda no exterior, mormente em Portugal e França. E é aí para onde se devem dirigir as baterias governamentais, e não contra activistas pacíficos que até foram os primeiros a condenar o ataque.

 

Em função deste acto terrorista e da acção judicial que a PGR deverá ter feito contra os dirigentes da FLEC – acredito que tê-lo-á já feito, senão está atrasada – acrescido ao competente pedido de extradição às autoridades dos países onde se acolhem, os governos desses países terão extraordinárias dificuldades em negar esse pedido, que aliás pode e deve ser reforçado com todos os mecanismos de pressão que o Governo tem à sua disposição. Mais ou menos como o caso Falcone ao contrário.

 

Quanto aos dois Congos: O que aconteceu com a expulsão dos angolanos a residirem legalmente nesses países foi um acto inamistoso. O que aconteceu agora com o ataque da FLEC que se refugiou no Congo Brazzaville foi pior que isso: um acto hostil, daqueles passíveis de merecerem uma resposta mais vigorosa que a diplomática, ainda que pontual, a não ser que as autoridades desse país dêm sinais inequívocos de cooperação com o Governo angolano no sentido de se debelar o mal pela raiz – seja lá o que isso possa implicar da sua parte.

 

Essa é que deve ser a ênfase da acção do Governo, aquela mais passível de manter e expandir o sentimento favorável da comunidade internacional que surgiu depois do ataque à caravana desportiva do Togo. Essa simpatia geral será um dos elementos mais importantes a usar para um possível desmantelamento das acções armadas da FLEC em Cabinda que – concordam todos os verdadeiros patriotas sejam eles de Cabinda ou do resto do país – não ajudam na resolução do problema que deverá ser ultrapassado através do diálogo com todas as partes relevantes do enclave, com base em parâmetros que garantam a indivisibilidade do país por um lado e as aspirações legítimas dos povos de Cabinda por outro. Estes dois elementos, hoje antagónicos não são incompatíveis. Nem o devem ser para o bem da Nação, sendo esse o desafio que hoje por hoje se impõe a todas as franjas sociais envolvidas.

 

Se o acto terrorista da FLEC justifica as medidas excepcionais de segurança para proteger o CAN de qualquer outro ataque – no que discordo mais uma vez com o “nosso” FCP quando fala de estado de sítio – ele entretanto não justifica de forma alguma a detenção quase ilegal e o tratamento atentatório aos seus direitos de figuras cívicas que, pacíficamente lutam por um maior reconhecimento do que acreditam ser as aspirações dos povos de Cabinda. Estas detenções, para além de ilegais e atentatória a várias convenções internacionais assinadas por Angola, são contraprudecentes políticamente. Trazem uma má imagem para o país e – erro crasso – permite o desvio das atenções do acto bárbaro praticado pela FLEC para uma pseuda(?) repressão em massa dos cabindenses. Por cima disso, os actuais detidos foram dos primeiros a condenar o ataque. Essas detenções são passíveis de criar “mártires” e mobilizar cabindas contra angolanos, o que é a última coisa que qualquer patriota quereria. A imprensa portuguesa e outras que mal mencionaram o CAN e as suas coisas boas, não se cansam de encher-se agora com os abusos aos Direitos Humanos que até já mereceram uma Mesa Redonda do Parlamento Europeu com o Padre Casimiro Congo como principal orador. Foi isso que conseguiram os “iluminados” que desencadearam a onda de detenções em Cabinda. É que, não devemos perder de vista que o problema de Cabinda terá inexorávemente que ser resolvido, e não será à ponta do fuzil que isso acontecerá.


Caberia aqui um pequeno testemunho pessoal: Conheço os Padres Raúl Tati e Casimiro Congo há pelo menos vinte anos. O Pe. Tati mais que o Pe. Congo, este com quem mais de uma vez “atracámo-nos” em calorosas discussões, partilhando pontos de vista sobre o “nosso” problema de Cabinda. Sei que eles sofrem muito com o cenário com que muitas vezes se deparam – vezes demais, desnecessárias vezes demais – a que não têm como fugir na sua condição de sacerdotes, logo receptáculos e depositários das frustrações de muita gente. Isso fez e faz com que eles sintam-se na obrigação cristã e cidadã de contribuir para a melhoria da situação, o que às vezes os leva, na minha opinião, a excessos de linguagem e comportamento. Fa-los bastas vezes transpôr a linha diáfana mas existente, que divide a acção pastoral ainda que profética, o activismo cívico e a política activa enquanto luta pela conquista do Poder derrubando quem lá está. O Padre Congo mais que o Padre Tati sofre disso.

 

Porém, sou capaz de pôr a minha mão no fogo por eles numa coisa. Jamais caucionariam a violência como forma dessa contribuição. É verdade que o Padre Congo foi vítima infeliz (mais dele próprio que de outrém) de uma cena de violência asquerosíssima contra um Bispo paramentado para a Missa, o que endureceu sobremaneira a posição da Santa Sé em relação ao “cisma de Cabinda”. Vítima dos seus excesso verbais aos quais acresce-se o peso considerável do seu múnus sacerdotal, o Padre Congo – o Padre Tati muito menos – jamais caucionariam um acto hediondo como o ataque terrorista da FLEC à caravana desportiva togolesa. Daqui deste “Canto” dar-lhes-ei este recado fraterno: Que tenham cuidado para não se deixarem usar pelos políticos sejam eles de que quadrante fôr...

 

Aos estrategas do Governo um outro recado: ainda que fosse culpado, o padre deveria ser tratado com a consideração que o seu (ainda) estatuto requer. Toda a gente só ganha com isso. O que está acontecer só mostra o quanto está-se a trocar os pés pelas mãos...

 

À Igreja Católica: não fica bem que ela não intervenha usando a sua enorme influência para proteger o Padre Tati do indigno tratamento que sofre. Se o problema fôr do receio que fuja, obtenha ela própria a sua palavra que não o fará e facilite uma prisão domiciliar mais digna – desde tempos imemoriais, incluindo no tempo colonial os padres não eram presos nas cadeias comuns – acto esse certamente mais coadunante com o exercício da misericórdia que tão incansávelmente prega. Recados “Do Meu Canto” que só valem por isso mesmo: recados...