Luanda - Durante a reunião do Comité Central do MPLA que decorreu em Novembro de 2009, em Luanda, o Presidente José Eduardo dos Santos resumiu os desafios actuais do partido em três questões fundamentais, a fiscalização do governo, a irresponsabilidade dos governantes e o combate à corrupção, com a instauração de uma política de tolerância zero.


Fonte: http://makaangola.com/

 Património do Estado a favor do MPLA

Nesta investigação, abordo a transferência de património do Estado para a iniciativa privada do MPLA, através da GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras, e os efeitos dessa ocupação mercantilista.


Para uma maior compreensão da opinião pública, sobre os discursos públicos da liderança do país e a realidade das suas acções, contextualizo a prática empresarial do MPLA. Analiso, antes e de forma breve, as três principais questões levantadas pelo Presidente da República e do MPLA, no seu discurso de abertura da reunião do Comité Central do seu partido, a 29 de Novembro de 2009. No referido discurso Dos Santos falou da falta de fiscalização dos actos do governo, da irresponsabilidade e má-fé de dirigentes, e anunciou a política de tolerância zero contra a corrupção.


Fiscalização, irresponsabilidade e tolerância zero

 

Primeiro, José Eduardo dos Santos, acusou o seu partido de inépcia “na fiscalização dos actos de gestão do Governo, quer através da Assembleia Nacional, quer pela via do Tribunal de Contas”.


Essa afirmação é contraditória.


O presidente do MPLA é o chefe do governo há 30 anos. O poder do presidente, tanto no governo como no seu partido, é omnipotente. Assim, a responsabilidade primária pelo desempenho do MPLA, na Assembleia Nacional, recai sobre José Eduardo dos Santos.


A nova constituição, aprovada a 21 de Janeiro de 2010, limita ainda mais a possibilidade de fiscalização dos actos de governo pelo figurino de eleição do presidente da República. Ao invés da eleição por sufrágio universal directo ou da eleição indirecta, pelo parlamento, a nova constituição determina que o cabeça de lista do partido vencedor das eleições legislativas seja indicado Presidente da República (Artigo 109).

 

Esse modelo, inventado pelo MPLA, não permite a separação de poderes nem a prestação transparente de contas por parte do chefe do governo, mas a concentração excessiva de poderes na figura do Presidente da República ou do presidente do partido. Na eventualidade dos dois cargos não serem ocupados pela mesma pessoa, os poderes estarão concentrados nas mãos do presidente do partido, mesmo que este não seja deputado. Em última instância, é o presidente do partido quem determina a escolha do cabeça de lista e dos candidatos a deputados da sua formação. O MPLA detém a maioria absoluta na Assembleia Nacional, com 191 dos 220 deputados.


Em relação ao Tribunal de Contas, a opinião pública ignorou uma admissão grave do presidente. Ele afirmou, no discurso de 29 de Novembro de 2009, que o MPLA não tem cumprido com o seu papel de fiscalização através do Tribunal de Contas.1 A Lei Constitucional garante a separação de poderes entre o legislativo, executivo e o judicial e, desse modo, a independência dos tribunais. Não cabe ao MPLA fiscalizar a gestão do executivo através do Tribunal de Contas. Se o MPLA age através do tribunal é no sentido contrário, a de neutralizar a sua capacidade de acção ou a de esvaziar a sua independência.


Exemplo disso é o facto do Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, ter ignorado, em 2005, a condenação do então embaixador de Angola na África do Sul, Isaac dos Anjos, por desvio de fundos na gestão do Fundo de Pensões. O condenado foi promovido a governador da Huíla com maiores responsabilidades na gestão de fundos e de património do Estado.


Segundo, no mesmo discurso, o presidente denunciou o aproveitamento da inércia do MPLA “por pessoas irresponsáveis e por gente de má fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de actos de gestão ilícitos e mesmo danosos ou fraudulentos”.


As pessoas por si acusadas são membros da sua administração. Esse tipo de discurso presidencial é recorrente sempre que José Eduardo dos Santos sente necessidade de reafirmar a sua liderança, quando o descontentamento público se multiplica na sociedade.
Dos Santos acusa os seus subordinados de forma indiscriminada e apresenta-se como inocente. Em 2007, na reunião extraordinária do Comité Central do MPLA, o presidente denunciou a promiscuidade praticada por membros do governo e responsáveis da administração pública no uso da função pública para a realização de actividades empresariais privadas.


Em 2001, o presidente assegurou que a democracia possibilitaria ao cidadão maior participação no combate à corrupção e à ineficiência do governo. Na abertura do IV Congresso do MPLA, em 1998, Dos Santos declarou que “a corrupção é um problema preocupante que deve ser atalhado com medidas de carácter político, jurídico e de polícia sob pena de perdermos o seu controlo”.


Numa reunião do Comité Central do MPLA, a 16 de Fevereiro de 1996, o presidente manifestou-se contra “o capitalismo selvagem que de há três anos a esta parte se tem estado a instaurar no país (…)”. Dos Santos afirmou que tal prática, no seio da elite dominante, afastava o MPLA dos seus objectivos fundamentais: “ a distribuição equitativa da riqueza e do rendimento nacional, a solidariedade e a justiça social”.


Durante a crise económica de 1996, numa mensagem à Nação, o presidente prometeu transparência na acção do governo e medidas de prevenção contra a corrupção e o tráfico de influências, ao nível do governo e da administração do Estado. No referido discurso, o chefe de Estado e do Governo garantiu que iria “pôr definitivamente cobro à elevada criminalidade, ao roubo organizado e à dilapidação do património do Estado”.


No entanto, a corrupção continua a determinar a acção do governo, sem que o presidente e chefe do Governo tome medidas sérias e adequadas para estancar o saque do património do Estado. A responsabilidade primária por actos de natureza criminal, cometida por dirigentes, deve ser assacada, em primeira instância, ao chefe do Governo, a quem cabe a responsabilidade exclusiva de nomear e demitir os membros do governo, assim como orientar, supervisionar e disciplinar os seus actos.


Terceiro, o líder do MPLA e chefe do Governo reiteirou, em Dezembro passado, o seu compromisso com a imposição de uma política de tolerância zero contra a corrupção. Até ao momento, passados dois meses, o presidente, ou o seu governo, não apresentou qualquer plano ou programa de combate à corrupção. Ficou-se apenas pela retórica.


Todavia, a ideia deve ser interpretada como um convite à nação para a denúncia pública dos actos de corrupção no seio do governo e da administração pública, do saque do património do Estado e do enriquecimento injustificável da elite dominante.

A denúncia deve ser um passo fundamental para a reflexão nacional sobre a necessidade de mudança de mentalidades, sobretudo, e de reformas legais, político-administrativa, sócio-económicas e ética da sociedade angolana. Assim aconselhava a Comissão Multidisciplinar de Estudo do Fenómeno da Corrupção na Sociedade Angolana, coordenada pelo saudoso Lázaro Dias, então ministro da Justiça, e criada por despacho presidencial n° 22/90 de 15 de Setembro.
www.makaangola.com 7


O comércio do MPLA


A 21 Setembro de 1992, uma semana antes das primeiras eleições gerais multipartidárias, na história de Angola, ilustres figuras do MPLA deram corpo à criação formal e legalizada do conglomerado de negócios do partido no poder, a GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras. Para o acto subscreveram, em nome do MPLA, os seguintes dirigentes:


 Francisco Magalhães Paiva, então ministro do Interior, actualmente deputado e, desde então, membro do Bureau Político do MPLA;


 José Mateus Adelino Peixoto, então chefe da Casa Civil do Presidente da República, actual secretário-geral dos Serviços de Apoio ao Presidente da República e membro do Comité Central do MPLA;

 António de Campos Van-Dúnem, então assessor jurídico do Presidente da República;

 Augusto Lopes Teixeira, na altura membro do Bureau Político e presidente do Conselho de Administração da Angola-Telecom, Empresa Pública;

 Carlos Alberto Ferreira Pinto, é deputado e membro do Bureau Político do MPLA;

 Fundação Sagrada Esperança, braço social e comercial do partido.


A actual carteira de negócios da GEFI S.A inclui a sua participação em 64 empresas que operam no domínio da hotelaria, indústria, banca, pescas, comunicação social, construção, imobiliária, etc. Dada a extensão dos seus negócios, o presente texto apresenta apenas um resumo das suas actividades, com base na disponibilidade de documentos oficiais.


A investigação realça, em particular, o modo como o governo tem alienado, de forma obscura, património do Estado a favor da GEFI para benefício financeiro e patrimonial do MPLA.


Aviação


Em Abril passado, as autoridades angolanas concederam permissão à companhia aérea Fly540 Angola para iniciar as suas operações no país. De acordo com declarações públicas da multinacional Lonrho, sócia-gestora da empresa, os voos da Fly540, com dois aviões do tipo ATR72, cobrirão inicialmente seis das 18 províncias do país Cabinda, Luanda, Zaire (Soyo), Benguela, Huambo e Malanje.


O capital maioritário da Fly540 é detido pela GEFI S.A (51%), por via da sua empresa de aviação a Planar, enquanto o investidor externo, a Lonrho, fica com 49% da sociedade e com direito a 60% dos lucros, de acordo com o comunicado de imprensa da Lonrho de 9 de Outubro de 2007. A Planar contribui, para o consórcio, com os seus activos que incluem licença de serviço aéreo, um hangar de 1,000 m², alienado pelo Estado no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, e escritórios.