Rio de Janeiro - Luanda Lopes, de 32 anos, é dona de um restaurante, no Butantã, zona Oeste da cidade de São Paulo. Ela contou ao Tala-X-Vision (TXV) que seu nome “não tem nada de especial em relação a cidade [de Luanda]”. Sua mãe “ouviu [o nome] quando estava grávida, achou bonito”, e decidiu atribuí-lo à filha. No final, ela declara: “eu amo meu nome”.

* N. Talapaxi S. (TXV)
Fonte: Club-k.net

No entanto, há algo de especial na atribuição desse nome na visão de outras mulheres. “Nasci em 1992 e nesse ano ocorreu um massacre em Angola (Luanda); e meu pai resolveu homenagear as pessoas que haviam morrido no confronto; ele disse que eu sou o renascimento dessas vidas. No começo não gostava do meu nome. Mas, com o tempo, passei a gostar e a honrar a força dele. Hoje recolho a força que ele me trás e me sinto lisonjeada com a história por trás dele” – é o que conta uma outra Luanda n’o blog dos nomes.

 

A entrevistadora Aidê Nascimento, de São Paulo, que trabalha com pesquisas de mercado, e se diz apaixonada pela sua história de afrodescendente, através das histórias contadas por sua avó, também traz uma razão especial. “Isso tudo me emocionava e me emociona até hoje. Ai me apaixonei por uma cidade chamada Luanda. Sempre tive muita vontade de ir pra lá, mas infelizmente não tive como. Porém, sempre pensei que, ‘se eu tiver uma filha, vai se chamar Luanda’. Eu não consegui ir até Luanda, mas cada vez que lembro ou falo o nome dela [a filha], eu acho que é um pedacinho de Luanda que está em mim”.


Na contramão da inspiração e do amor da mãe, a própria Luanda não nutre nenhuma paixão pelo seu nome. "Eu não tenho nenhum motivo concreto; simplesmente não gosto [desse nome]; mas minha mãe super se orgulha", afirma a paulista Luanda Caroline do Nascimento, de 24 anos, que prefere se apresentar com o segundo nome, omitindo o da capital angolana.

 

"Eu não conheço a história da cidade de Luanda e nunca me interessei em procurar saber, mas dizem que é um lugar que vivia em guerra, né - tanto que minha família faz até essa comparação: combina meu génio com o lugar. De resto é só isso mesmo" - admite Caroline.

 

Contudo e, ao contrário de tudo isso, há quem também se destaca por ir além da homenagem que o próprio nome já representa. É o caso de Luanda Cristhina Silva, da cidade de Piracicaba, interior do estado de São Paulo. A psicóloga de 40 anos traz o corpo marcado com várias tatuagens sobre Luanda e Angola, de maneira que não tem como passar despercebida por onde passa.

445 ANOS DE LUANDA

A capital de Angola, Luanda, faz 445 anos no dia 25 de janeiro. A história contada pelos portugueses reza que a cidade foi fundada em 1576 pelo explorador Paulo Dias de Novais, sob o nome de “São Paulo da Assunção de Loanda”, seguindo o nome que, 22 anos antes – em 1554, já tinha sido dado pelos jesuítas portugueses a uma localidade situada no outro lado do Oceano Atlântico, no Brasil; esse lugar é hoje a cidade de São Paulo. Por isso as duas metrópoles fazem aniversário no mesmo dia.

UM NOME ENCANTADOR


É no Brasil que Luanda apresenta maior expressão como antropônimo - nome próprio de pessoas – e no feminino. Em outros países, particularmente nos de língua portuguesa, não é usual; nem mesmo no país originário do nome.

 

De acordo com o blog dos nomes, Luanda começou a ser registrado no Brasil como nome próprio nos anos 50. Discretamente foi subindo e atingiu seu auge nos anos 80 e suas portadoras – mais de 4 mil mulheres em 2015 - estão mais concentradas no estado do Rio de Janeiro.

 

Classificado como nome geográfico, que representa a força e a história de um povo, Luanda é entendido como um nome “amoroso e ao mesmo impetuoso, altivo e nobre (...) charmoso e estiloso” – é o que escreveu Patricia Monteiro d' o blog dos nomes.

DECLARADA EM TATUAGENS

Em 1980, antes de Luanda Cristhina nascer, seu pai, seu avô e seu tio, seguiam para Maputo, capital de Moçambique, quando escalaram na capital de Angola e ficaram maravilhados com o pôr-do-sol.

 

Enquanto ativistas do movimento estudantil em Piracicaba, os três estavam envolvidos na resistência contra a ditadura militar então vigente no Brasil, e que obrigava muitos brasileiros a fugir do país. A África acolheu os três por dois anos.


Ao conhecer a capital angolana, Isidoro Cacau não teve dúvida: o nome da sua filha seria Luanda. Ao se aprofundar no conhecimento sobre a cultura local, acrescentou outro nome: Kianda. Então seria Luanda Kianda.

 

Kianda é uma figura da mitologia angolana dos povos falantes da lingua kimbundo. Acredita-se que seja uma divindade das águas do mar, correspondente ao imaginário europeu chamado sereia.

 

Para a mulher que carregava a filha no ventre - Ana Cristina Quichabeira - Luanda por si só já seria um nome “diferente”. Acrescentar “kianda” (um nome totalmente desconhecido) seria “diferente demais”. Por isso, a menina que nasceu no dia 28 de janeiro de 1980, enquanto ao pai estava longe de casa, foi registrada como Luanda Cristhina Silva.

 

No seu desenvolvimento, Luanda Cristhina teve muitas referências que ajudaram a construir um amor pela capital angolana. Músicas de Djavan (inclusive o nome da gravadora do cantor - Luanda Records) e de Emilio Santiago, contribuíram para essa construção.

 

Luanda Cristhina já tinha viajado para a Europa e os Estados Unidos, mas parece ter se sentido mais em casa quando, em 2005, finalmente conheceu a cidade da qual ganhou o nome.

 

Essa convivência veio também na esteira da casualidade que fez com que os caminhos do seu pai e de uma estudante angolana se cruzassem na cidade de Piracicaba. A estudante era Margarida de Almeida (Guida), uma importante e histórica figura do MPLA – o partido governante em Angola (há mais de 45 anos). Ela tornou-se amiga de Isidoro Cacau e sua família.


A intimidade de Luanda Cristhina com a cidade de Luanda atravessou os limites dos espaços frequentados por certa “classe média”. Ela conta que adentrou os becos do Sambizanga e foi às barrocas do Cazenga entre outros musseques. E aprendeu até um pouco da maneira típica de falar dos luandenses, cheia de calões.

 

Com tudo isso, Luanda aprendeu também que muito do que se fala na mídia Ocidental sobre a África em geral são estereótipos tendentes a inferiorizar os povos africanos.

 

O amor dela por Luanda e por Angola está marcado na pele, como poucas pessoas (mesmo os próprios luandenses). Entre as tatuagens que exibe estão: a cabeça da palanca negra (símbolo da Taag – linhas aéreas de Angola); a estatueta do Pensador – símbolo da cultura angolana; a inscrição “Muxima”; o mapa de Angola; e uma zungueira (que ela considera sua tatuagem preferida).

 

Mas Luanda Cristhina acha que ainda é pouco. Ela espera fazer outras tatuagens. Pelo menos três já estão nos planos: a Serra da Leba, a Igreja da Mamã Muxima e Welwitschia.

 

Depois das próximas tatuagens, uma “visita guiada” pela galeria em que já se transformou o corpo de Luanda Cristhina Silva, poderá representar a qualquer "visitante" o conhecimento de um pouco da cultura de Luanda e de Angola.