Luanda - 1. O cientista político norueguês, Inge Amundsen, atirou uma grande “pedrada para o charco”, ao declarar, em Maputo, durante uma “Conferência Internacional sobre Boa-Governação e Prevenção no Sector Petrolífero” que, entre nós, a corrupção política prejudica o aproveitamento equilibrado dos benefícios do petróleo. Para Inge Amundsen, a corrupção política é a mãe de todos os nossos males.


Fonte: http://jpintodeandrade.blogspot.com/


2. Mesmo que, por vezes, se possam assinalar alguns avanços na luta contra a corrupção e a má-governação, em determinadas circunstâncias, porém, tais conquistas são contrariadas por acentuados recuos, contabilizando-se o resultado final ou num saldo nulo, ou mesmo até num saldo negativo.

 

3. Este não é, seguramente, o discurso que as entidades oficiais angolanos esperavam ouvir, sobretudo, porque se tratou de uma conferência internacional com uma grande exposição mediática. Contudo, eu tenho a convicção de que a afirmação feita por Inge Amundsen coincide com a percepção de grande parte da nossa população sobre o assunto, mesmo que não o proclame em hasta pública.

 

4. Inge Amundsen manifestou ainda a crença de que a corrupção política só pode ser eliminada mediante o esforço conjugado dos diversos sectores da nossa sociedade, pelo que, no curto prazo, não haverá como lhe pôr termo.

 

5. A expressão “corrupção política” é usada sempre que existe o uso indevido do poder político e financeiro por parte de governantes, funcionários públicos e mesmo agentes privados, com o objectivo de transferir rendimento público ou privado de maneira criminosa para o proveito de indivíduos, ou em benefício de grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum. A corrupção política é, pois, uma forma clara de desrespeito das normas legalmente estabelecidas. Ela torna-se ainda mais grave, quando se supõe que tais indivíduos devem conhecer a lei e até mesmo fazê-la respeitar.

 

6. Não há que confundir os agentes da corrupção política com o vulgar criminoso, como, por exemplo, aquele que mata, aquele que rouba ou aquele que furta. Por norma, os agentes da corrupção política utilizam métodos mais subtis: utilizam as posições que detêm no xadrez político para realizarem actos ilegais lesivos à sociedade como um todo, actos esses que são denominados tráfico de influência, suborno, nepotismo, etc.

7. Há também quem procure identificar a corrupção política apenas com a recepção de dinheiro de empresários para o financiamento de campanhas políticas, ali onde tais recebimentos são proibidos por lei. Mas isso não é totalmente verdade, dado que a corrupção política pode igualmente, por exemplo, aparecer sob a forma de favores concedidos para o acesso privilegiado a bens ou serviços públicos, ou ainda sob a forma de sobrefacturação de obras e serviços públicos por parte de empresas privadas, em troca do pagamento de “comissões” ao governante ou ao funcionário público.

8. A corrupção política provoca distorções económicas no sector público, como quando se direccionam investimentos para áreas não prioritárias, prejudicando-se o desenvolvimento de outras áreas. Tudo porque o agente público apenas está interessado em receber a sua “comissão”.

9. Geralmente, são as grandes obras públicas que propiciam a recepção de chorudas “comissões” – por exemplo, a construção de pontes, edifícios públicos, estradas, etc. São também as grandes encomendas do Estado. Não é, pois, por um mero acaso, que as grandes obras públicas e as grandes encomendas do Estado vêem sistematicamente os seus preços a ser elevados. Não é também por um mero acaso que a qualidade de muitas dessas obras e desses produtos têm sido muito contestados entre nós.

 

10. A percepção pública sobre a corrupção política no nosso país é hoje já muito maior, o que é fruto do aumento do nível de qualificação da nossa população. Ao cidadão iletrado, ou pouco preparado academicamente, pode escapar a subtileza de alguns actos de corrupção política. Mas, quando se trata de segmentos da população mais preparados, os actos de corrupção política surgem aos seus olhos como por demais evidentes.


11. É também cada vez mais perceptível, entre nós, o resultado da corrupção política. Veja-se, por exemplo, a forma como, de um dia para o outro, alguns indivíduos (ou mesmo famílias) se tornaram endinheirados, sem que o possam justificar. Não precisamos de nos socorrer de qualquer “lupa política” – tudo isso se percebe à vista desarmada…

 

12. A corrupção política vicia as regras do mercado, por exemplo, quando se concedem vantagens indevidas a este ou àquele agente económico. Tem sido normal e corriqueiro entre nós a afectação directa de certas empreitadas a determinadas empresas que se suspeita pagarem “comissões” aos decisores, ou mesmo terem-nos como co-proprietários.

 

13. Os nossos políticos corruptos estão bem identificados, mesmo que se queiram acobertar sob vários disfarces. Os nossos políticos corruptos surgiram como cogumelos, no quadro de uma estratégia política gizada “em laboratório”. Os seus objectivos são claros: deter o poder económico, e eternizarem-se no poder político. Perspectivam ainda transferir tais poderes para os seus descendentes. Depois, o tempo encarregar-se-á de lhes lavar a imagem... Não só lavar a sua imagem, mas, igualmente, perfumá-los e desodorizá-los… Não é, pois, por acaso que hoje quase não se faz grande negócio em Angola que não resulte de uma “aliança estratégica” com esses novos “empreendedores”. Hoje, eles são fartamente procurados por capitalistas estrangeiros para as mais lucrativas parcerias. Sem tais parcerias, teriam mais dificuldade em penetrar neste mercado, e até nem receberiam encomendas. Com esses parceiros corruptos, todas as portas ficam escancaradas. Decisores políticos, que são ao mesmo tempo os “empreendedores económicos”, e seus descendentes, são “noivas apetecidas” por aqueles que demandam o nosso mercado. Quem não está nesta “short list” não tem valor de mercado…

 

14. Começa já a generalizar-se a ideia segundo a qual o nível de corrupção política que nos atravessa hoje transformou a que existiu no Zaire, no tempo de Mobutu, numa brincadeira de crianças... Isso entristece-me, já porque, desde a independência, fomo-nos habituando a considerar o ex-Zaíre como o símbolo de tudo o que era mau... Infelizmente, somos nós agora os apresentados no exterior como o exemplo a não seguir. Somos uma má referência internacional, quando se fala em desgovernação ou em ausência de transparência. Estamos a pagar uma pesada factura.

 

15. Há, pois que reter uma das afirmações de Inge Amundsen. Ele disse que só conseguiremos sair vitoriosos na luta contra a corrupção política, se houver um esforço concertado de todos os segmentos da nossa sociedade. Tenho, porém, receio, que já tenhamos perdido muito tempo… Receio ainda que a corrupção política se tenha já infiltrado nos poros da nossa sociedade. A ser assim, corre-se o risco de ela se tornar uma regra, e até mesmo uma cultura…