Luanda - Recentemente, no dia 05 de junho de 2023, na véspera da visita oficial do Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa, à Angola, o Senhor Rafael Marques foi entrevistado pela comunicação social sobre a visita do estadista português.

Fonte: Club-k.net

Nesta entrevista, publicado do Clube K. Net, como de costume, Rafael Marques foi bastante crítico sobre o empenho do Presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço e sobre a postura menos transparente e menos digna de algumas entidades portuguesas, no que dizem respeito à corrupção e à fuga de capitais angolanos para Portugal, que ele caracterizou como sendo: «um produto de saque em Angola, domiciliado em Portugal, sirva apenas para beneficio deste país».


Em geral, Rafael Marques foi muito feliz na sua entrevista. Gosto da sua frontalidade e coragem de abordar as questões muito complexas e delicadas. Nesta entrevista, ele foi muito profundo na sua abordagem. Contudo, há afirmações que ele teceu com as quais eu discordo literalmente. Todavia, antes de tudo, gostaria de afirmar que, seria injusto por minha pessoa se não reconhecesse a luta titânica que tem sido levada acabo por Rafael Marques, como jornalista de investigação, como activista cívico e como político – em sombra. Por causa do seu engajamento e da sua dinâmica, ele tem sido alvo constante de perseguição do regime, e por muitas vezes foi detido e julgado.


Eu acho que, na democracia plural devemos reconhecer o pluralismo, no qual reina a diversidade política, ideológica e de credo, assumindo ideias diversas e adversas sem ocultar a identidade político-partidária. Por isso, eu gosto de pessoas (como Padre Pio Wacussanga, Mais/v José Severino, Marcolino Moco, William Tonet e Paulo Ganga) que dizem o que vai nas suas almas, do que daqueles que dizem o que está incutido nas suas mentes. O facto é de que, vivemos num mundo hipócrita, no qual, diz aquilo que não é real, mas sim, aquilo que soa bem nos ouvidos das pessoas. Existe medo nas pessoas de encarar o real, e ficando, deste modo, com mentes distorcidas, fora do mundo real.


Para voltar ao assuno, como disse atrás, há três aspectos que discordo absolutamente com o Senhor Rafael Marques, que vou citar.


Primeiro aspecto: «O MPLA entrou numa fase acelerada de autodestruição, pelas mãos do seu próprio chefe. É a ironia dos Movimentos de Libertação em Angola, os achados partidos históricos. Acabam por ser politicamente destruídos mais pela conduta egocêntrica dos seus presidentes do que pelos seus adversários».


Segundo aspecto: «João Lourenço acabou com a corrupção democrática, que era o principal pilar de estabilidade do MPLA. O MPLA só funciona com a corrupção alargada. João Lourenço acabou com isso e no seu lugar deixou criar a corrupção de circuito fechado à sua volta».


Terceiro aspecto: «A UNITA, na sua estrutura actual, é um partido obsoleto». Fim de citações.


Em relação ao primeiro ponto. Será que, o Senhor Rafael Marques não reconhece que foram os três Movimentos de Libertação (FNLA/MPLA/UNITA) que combateram o Colonialismo Português, e que assinaram os Acordos de Alvor, como instrumento politico e jurídico, que resultou na cessação da soberania portuguesa sobre Angola e conduziu Angola a um Estado independente e soberano? Esses três Partidos, acima referidos, não são históricos? São o que, então? Será que, um patriota angolano, como Rafael Marques, pode duvidar disso?


Neste mesmo ponto, será verdade que todos os Líderes históricos dos três Movimentos de Libertação de Angola (Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi) foram «egocêntricos» e a sua destruição deveu mais a sua conduta do que pelos seus adversários? Ali, o Rafael Marques foi muito infeliz, tentar tapar o sol com a peneira. A verdade é que, os factos da história são implacáveis e nunca poderão ser escamoteados.


Quanto ao segundo ponto, tudo que foi dito nesta referência está correcto. O que não concordo é de dizer que, a corrupção alargada acabou. Pelo contrário, a corrupção, quer alargada quer restrita, mante-se intacta, em todos os sectores e a todos os níveis do Estado. Até, pelos vistos, ela assumiu um carácter muito subtil e sofisticado, com a cobertura dos Órgãos do Estado.


Além disso, fiquei sem compreender bem o que quer dizer com a «corrupção democrática». Dá-me entender que, a corrupção em Angola emergiu através do plebiscito, do referendo ou da iniciativa popular, que tivesse dado a caução ao Partido MPLA para adoptar a corrupção como sistema político de governação. Será isso que o Senhor Rafael Marques pretendia dizer com a «corrupção democrática»? Confesso, sou lego nesta matéria, talvez ele próprio, Rafael Marques, pudesse explicar melhor esta doutrina.


No que diz respeito ao terceiro ponto, em que, ele alegou que, «a UNITA, na sua estrutura actual, é um partido obsoleto». Por mim, percebi que, isso situa-se na doutrina sectária. Vejamos que, alguns sectores intelectuais angolanos têm dificuldades enormes de acreditar nas transformações profundas que ocorrem actualmente no país. Aliás, ele próprio, Rafael Marques, afirmou que, «o MPLA entrou numa fase acelerada de autodestruição política, pelas mãos do seu próprio chefe».


No fundo, o problema do MPLA não é sectorial, mas sim, sistémico, que decorre da sua ideologia, que nunca correspondeu justamente à realidade socioeconómica do país, na sua diversidade étnica, racial, linguística, cultural, religiosa e territorial. Por isso, o problema do MPLA não reside apenas no João Lourenço, mas sim, no seu sistema ideológico, assente no partido-estado, que acumula e concentra todos os poderes públicos numa só pessoa. Erguendo assim uma ditadura. O Doutor Marcolino Moco tem levantado insistentemente o dilema da «Constituição atípica de 2010», que concentra todos os poderes do Estado nas mãos de uma só pessoa, sem ter os mecanismos de freios, capazes de garantirem a funcionalidade efectiva e eficaz do sistema da separação dos poderes executivos, legislativos e judiciários.


Na verdade, este fenómeno do MPLA era bem patente desde há muito tempo. Apenas era uma questão de tempo. Pois, cedo ou tarde sabia-se que o povo havia de ganhar a consciência disso. É isso que está a acontecer agora em todo o país. O vulcão adormecido entrou em actividade. Logo, seria uma falta de honestidade intelectual não reconhecer este fenómeno da «impopularidade generalizada» do MPLA e do «crescimento exponencial» da UNITA.


Neste respeito, a UNITA, não apenas esteja a alastrar consigo as multidões de gentes, mas sobretudo, a atrair a juventude em massa. Acima de tudo, ela está a congregar no seu seio diversas correntes da sociedade civil e de patriotas de todos os estratos sociais e de todas as paisagens politicas, inclusive das famílias históricas do MPLA.


A título de exemplo, nas eleições gerais do ano passado, de agosto de 2022, a UNITA conquistou Luanda, o maior circulo eleitoral do país, onde está concentrado mais de um terço da população de Angola, vindo de todas províncias, de todos os municípios, de todas as comunas e de todas as aldeias do nosso país. Então, um Partido gigantesco, desta dimensão, pode ser tido como obsoleto? Em que base reside esta postura?


Em suma, como afirmei atrás, a entrevista do Rafael Marques é substancial, e reconheço o desempenho dele nesta luta constante que busca a liberdade, a boa governação, a cidadania, a justiça, a igualdade e o Estado Social, Democrático e de Direito.


Por outro lado, sou da mesma opinião do Rafael Marques de que, algumas empresas angolanas, como Omatapalo e Carinho, devem ser submetidas a uma investigação séria e profunda. Só que, este trabalho deve ser feito por nós próprios, angolanos. Portugal nunca vai fazer isso, por que ele é o beneficiário principal de todos os dinheiros ilícitos que entram e passa pelo Portugal.


Acredito que, todos nós recordados do surgimento brusco de empresas que se multiplicaram ao ritmo de cogumelo, como do Banco Bic, Unitel, Kero, Pumangol, etc. Só mais tarde, já no final do Consulado do malogrado José Eduardo dos Santos, quando tudo veio à superfície sobre a origem dos dinheiros avultados, saqueados dos Cofres do Estado, com que um punhado de indivíduos, do circulo interno do poder, enriqueceram-se ilicitamente, tendo-se acumulados capitais avultados e activos enormes, espalhados pelo país e fora do país. Ironicamente, essas empresas, acima referidas, agora têm novos donos, do grupo actual no poder e da mesma família partidária. Infelizmente, neste caso específico, ninguém está a dizer nada.


Além disso, neste momento, sobretudo em Luanda, estamos a assistir ao mesmo cenário do passado, das empresas que estão a nascer do nada e a multiplicar-se num abrir e fechar de olhos, espalhando-se por todos cantos da Cidade de Luanda. Os exemplos mais concretos disso, são do Arreou, Freshmart, Kibabo, AngoMart, etc. Interroga-se, quais são os «donos reais» dessas empresas? Neste âmbito, gostaria que os jornalistas de investigação, como Rafael Marques, pudessem descortinar este mistério.

Luanda, 08 de Junho de 20