Luanda - O presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente, é sócio qualificado da empresa de construção que erigiu o edifício sede do grupo e que está a erguer a sede da Sonangol Pesquisa e Produção.


Fonte: Semanario Angolense

Sujeito a uma pena maior de dois a oito anos de prisão

Isso mesmo acaba de ser denunciado pelo investigador Rafael Marques que, na sua mais recente pesquisa, atribui a Manuel Vicente uma participação de 25 por cento no capital da Grinaker LTA Angola – Construção Civil e Obras Públicas, onde detêm participações dessa mesma magnitude o Banco Africano de Investimento (BAI) e o antigo PCA desta última instituição, Mário Palhares.


Segundo Rafael Marques, com o BAI, Mário Palhares e a Grinaker LTA International Holdings, Manuel Vicente formou, em 20 de Maio de 2002, a Grinaker LTA Angola, uma companhia que pouco depois recebeu um contrato para, em associação a construtora portuguesa Soares da Costa, erigir a sede da holding do Grupo Sonangol.


«A 20 de Maio de 2002, o presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, Manuel Vicente, associou-se à LTA International ao Banco Africano de Investimentos e a Mário Palhares no estabelecimento da Grinaker LTA Angola – Construção Civil e Obras Públicas», escreve Rafael Marques ao publicar a denúncia.


«Poucos meses após à sua criação», prossegue, «a Grinaker LTA Angola – Construção Civil e Obras Públicas, em parceria com a construtora portuguesa Soares da Costa, ganhou o contrato para a construção da sede da Sonangol, em Luanda».


O valor total dessa obra, um edifício de 21 andares construído entre Junho de 2003 e o segundo semestre de 2008, ficou cifrado em 83.542.320,00 dólares, tendo os lucros decorrentes revertido a favor da sociedade parcialmente detida pelo PCA da Sonangol.


Rafael Marques denuncia também o facto flagrante de a Grinaker LTA Angola, em parceria com a Soares da Costa, ter recebido, em 2006, a obra da sede da Sonangol Pesquisa e Produção, subsidiária do Grupo Sonangol.


A empreitada, um edifício de 14 andares teve um orçamento inicial de 56.618.466,00 dólares e encontra-se agora em fase de acabamento. A soma total dos fundos da Sonangol utilizados em proveito do PCA da Sonangol nos negócios conformados por essas duas obras atinge algo com 140 milhões de dólares, uma trama em que Manuel Vicente dá com uma mão e recebe com outra.


Efectivamente, Rafael Marques tece considerações de ordem legal que atribuem a esses negócios o facto que configurarem «actos passíveis de corrupção e de conflito de interesses».  É que, para além dos cargos na Sonangol, Manuel Vicente, na altura, exercia o cargo de administrador do BAI, em representação da Sonangol, a accionista maioritária do banco.  No mesmo período, o cargo de presidente do Conselho de Administração do BAI estava confiado a Mário Palhares.


A esse propósito Rafael Marques produz uma contextualização das normas jurídicas e a inconformidade dos actos praticados por Manuel Vicente enquanto gestor público, notando que até 10 de Junho de 2003, durante o período em que a direcção da Sonangol atribuiu o contrato ao consórcio formado pela Grinaker LTA Angola e a Soares da Costa, vigorava a Lei das Infracções contra a Economia (Lei 6/99).


Essa Lei imputava, no seu artigo 48º, actos de corrupção passiva àquele que, «trabalhando em organismo do Estado, empresa pública, de capitais públicos ou mistos, por si ou por interposta pessoa, com a sua autorização ou ratificação, solicitar, aceitar ou receber dinheiro, bens, qualquer vantagem patrimonial ou benefício de outra natureza, para antecipar, demorar, praticar ou omitir acto contrário aos deveres do cargo que ocupa».


Num crime como esse, a lei previa a aplicação de sanções inscritas no código penal, em que se estabelece que aqueles que forem achados culpados sejam punidos «de acordo com o valor dos bens ou benefícios obtidos, nos termos do artigo 421º do Código Penal em vigor». O artigo 49º dessa mesma lei definia, como acto de corrupção activa o seguinte a promessa «ao trabalhador de organismo de Estado, empresa pública de capitais públicos ou mistos por si ou interposta pessoa, de dinheiro, bens, qualquer vantagem patrimonial ou benefício de outra natureza que não lhe sejam devidos para assegurar a prática, a omissão, a antecipação ou a demora de um acto». Nesse caso as punições previstas eram as estabelecidas no artigo anterior.


Segundo considera Rafael Marques, Manuel Vicente violou a lei por ter usado o cargo que ocupa para autorizar o contracto de construção do edifício da Sonangol, a favor de uma empresa de que é sócio qualificado, garantindo assim, para enriquecimento pessoal, a partilha dos lucros da empreitada.


Por outro lado, enquanto administrador e vice-presidente do BAI, Manuel Vicente também incorreu em acto contrário à lei ao usar a sua posição de representante de capitais públicos, no banco, para fazer sociedade com esta instituição financeira, na Grinaker LTA Angola.


Por sua vez, os sócios estrangeiros, a Grinaker Internacional Holdings e a Soares da Costa, incorreram em acto de corrupção activa, de um funcionário público, conforme o artigo supracitado. Segundo denuncia o investigador, «tem sido prática corrente, das empresas estrangeiras estabelecerem sociedades com figuras poderosas do regime, como Manuel Vicente» para por via desse expediente, tais não só acederem a contratos multimilionários e muitas vezes super facturados como também «para beneficiarem da impunidade» de que estão investidas os principais figuras do regime.


Desde 10 de Junho de 2003, a Lei dos Crimes Contra a Economia (10/03) revogou a lei de que se fala com anterioridade neste texto, incluindo os artigos 48º e 49º. Essa lei definiu o empregado público como sendo «aquele que exerce funções não só em serviços públicos como em empresas públicas e sociedades de capitais públicos», remetendo para o Código Penal (artigos 318º a 323º) a definição e criminalização dos actos de suborno e de corrupção de servidores públicos.


Por conseguinte, considera Rafael  Marques, a posição de Manuel Vicente, como presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, influenciou a tomada de decisão de atribuição do contrato a uma empresa em que tinha interesses. O Código Penal, no seu artigo 322º, estabelece o acto de recebimento de promessa na partilha de lucros da empreitada, como acto de corrupção sujeito a uma pena maior de dois a oito anos de prisão.


Em conformidade com o Código Penal, por continuação do contrato na vigência da Lei dos Crimes contra a Economia, de 2003, os sócios estrangeiros, a Grinaker LTA International Holdings e a Soares da Costa incorreram no acto de corrupção activa (art. 321º) de um funcionário público, Manuel Vicente, tal como declara o investigador.


Rafael Marques inscreve nessa investigação uma conclusão sarcástica, ao afirmar que «o fenómeno da corrupção em Angola tem revelado uma contradição extraordinária: a aprovação de novas leis para combater o mal tem correspondido, na prática, ao incremento da impunidade e dos actos lesivos ao património do Estado, ao bem-estar dos angolanos e à moral pública».


Tráfico de influência


A entrega da obra do edifício sede da Sonangol Pesquisa & Produção ao consórcio formado pela Grinaker LTA Angola e Soares da Costa decorreu num quadro legal de incorporação do Protocolo da SADC contra a Corrupção no direito angolano, considera Rafael Marques.


O Conselho de Ministros aprovou esse tratado regional a 8 de Agosto de 2005, através da Resolução 38/05, conferindo ao ordenamento jurídico angolano uma definição mais abrangente e específica sobre os actos de corrupção.


Para o caso em análise, o Protocolo estabelece (art. 3º, 1, c) como prática de corrupção «qualquer acção ou omissão praticada por um funcionário público no exercício das suas funções, com o fim de obter ilicitamente benefícios pessoais ou para terceiros». O tráfico de influências também é definido como acto de corrupção.


Mas, diz Rafael Marques, a Lei sobre a Probidade Administrativa, ratificada a 30 de Março de 2010, como instrumento principal da política de tolerância zero contra a corrupção, garante maior robustez e harmonia jurídica às questões legais abordadas suscitadas neste caso.