Luanda - Arnaldo Lago de Carvalho, empresário no sector petrolífero e o primeiro director de negociações da história SONANGOL, disse em entrevista ao Novo Jornal, que está triste com toda a situação actual do País, desde a corrupção, passando pela forma destorcida como se encontra estruturada a economia. Fruto disso, defende que devem ser criados mecanismos de urgência para pôr ordem em Angola, sendo que o exemplo deve partir do Presidente da República, aplicando punições drásticas a quem viole regras. Em forma de remate, o nosso interlocutor afirmou que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) é completamente controlado, pois o que se passou nas últimas eleições gerais foi muito triste.

Fonte: Novo Jornal

Ao longo de anos, defendia a não construção de mais refinarias no País. O Governo, por sua vez, optou pela construção de novas. Mantém a opinião?

Este é um assunto que quase acho que já não vale a pena discutir. Efectivamente, tenho a minha opinião. Não conheço nenhum documento que mostre a economia dessas refinarias. Em minha opinião, são refinarias que vão ter de ser subsidiadas para poderem funcionar. Mas, o Governo decidiu-se a fazer, acho que já não há retorno. Se houvesse privados que tivessem decidido investir por conta própria e correr o risco, eu até consideraria normal. Penso que, do ponto de vista do Governo, não é vantajoso. Agora, o mundo está em tantas mudanças, tantas alterações, que hoje quase é difícil a gente prever o que vai acontecer nos próximos anos. Se vai haver falta de produtos, não tem havido falta de produtos no mercado. Sabemos que toda a zona da SADC precisa de combustíveis, embora, como sabem, a energia, particularmente de Angola, não dependa tanto de combustíveis, a maioria da energia já é renovável, o que é muito bom. Agora, eu não mudei de opinião, porque não tenho melhores informações do que antes.



O desmembramento da SONANGOL da função concessionária foi, na sua opinião, um passo essencial para a reforma do sector petrolífero nacional?

Está a fazer-me perguntas sobre coisas que estão decididas. Posso ter uma opinião diferente, mas foi decidido para se fazer de determinada maneira, por isso, hoje já não vou comentar isso, porque eu o teria feito de outra maneira.

De que maneira o Lago de Carvalho teria feito?

É muito simples. Teria deixado ficar a SONANGOL como concessionária e teria retirado de dentro da SONANGOL todas as empresas prestadoras de serviços, e com essa parte é que eu criava uma empresa nova. Simples.

A SONANGOL emitiu, no mercado de obrigações interno, títulos no valor de 75 mil milhões de kwanzas, para pagar dívidas a fornecedores em moeda nacional. Que apreciação tem dessa operação da petrolífera?

A reacção directa que tenho é que isso não resolve o problema da SONANGOL, mas é um bom exercício. Não há emissões de obrigações. Ninguém faz emissões de obrigações neste País. Penso que é um exercício útil, mas não resolve os problemas da SONANGOL.

O que resolve os problemas da SONANGOL?

O problema da SONANGOL novamente está na indisciplina e nas heranças que a SONANGOL recebeu. A SONANGOL recebeu uma situação muito complicada nesta passagem para esta nova governação de João Lourenço.

Em gestão, herdam-se passivos e activos, logo os actuais responsáveis da petrolífera tinham noção do que podiam encontrar. Não lhe parece?

Quando alguém é convidado para assumir um cargo como de responsável da SONANGOL, sabe que, desde 2017, várias pessoas estiveram à frente da empresa (...). Quando é convidado para ir para aquele lugar, em princípio pode impor algumas condições, sobretudo definir a equipa, mas, em princípio, o lugar é aceite com as condições que lá estão... se é possível depois se fazer uma comparação entre o que se estava e o que não estava, nunca se fez. A gente vê programas para isso e aquilo, e, realmente, não sabe qual é o resultado desses programas. Às vezes, os programas encerram, gastaram-se milhões e biliões de kwanzas, mas ninguém faz uma avaliação do resultado real. Faz-se outro programa a seguir.

Continua a conhecer bem a SONANGOL?

Conhecia a SONANGOL. A SONANGOL está hoje noutra dimensão. Sou da SONANGOL até 1990, já passam 30 anos, portanto, a SONANGOL está noutra dimensão completamente diferente.

Como olha, hoje, para o quadro macroeconómico do País?

Epá, e ainda o senhor jornalista diz que não faz perguntas difíceis (risos). O problema é que o País perdeu as grandes oportunidades que teve para conseguir criar uma economia alternativa ao petróleo. Tivemos produções muito próximo de dois milhões de barris por dia. Tivemos um preço do petróleo altíssimo, e só isso já era suficiente, mas não tivemos capacidade de transformar isso em investimento. Para além disso, fomos pedir financiamentos externos para fazer uma série de projectos, projectos esses que, acho que está comprovado, não deram os resultados que se esperavam. Quando, sobretudo na área económica, os investimentos têm de ser feitos numa perspectiva de que os resultados paguem o próprio financiamento, infelizmente nós não chegámos lá. Portanto, hoje estamos no final a assistir a essa má gestão da nossa disponibilidade e capacidade de fazer as coisas.

O que agora deve ser feito para se alterar o panorama que se vive?

Nem eu sei. Talvez ninguém consiga dizer. Agora, se o Governo ou o Estado não fizer esforços para ser ele a dar o exemplo de se gastar o dinheiro correctamente, não é possível ir a lado nenhum. O sector privado foi descapitalizado, [hoje] está a ser estrangulado entre os custos financeiros, e a carga fiscal [o sector privado] está cada vez com menos capacidade para fazer coisas. Portanto, se se descapitaliza o sector privado, é evidente que, no meio de tudo isso, houve muito roubo, e a palavra tem de ser posta como deve ser: muito do dinheiro que existiu no País foi roubado. Portanto, diminuiu-se a capacidade para se fazerem coisas. Hoje é necessário que a economia angolana se modifique, se altere. É tão simples quanto isso. Do Orçamento Geral do Estado que temos, se nós tirarmos o petróleo da equação, as receitas do Estado em impostos [não-petrolíferos] não são suficientes para pagar a máquina que o Estado criou, portanto essa é uma situação que precisa de ser corrigida de alguma maneira. O Estado tem de aprender a gastar menos, nós não podemos gastar tanto como, por exemplo, se gasta com o exército. Precisamos do exército, precisamos de segurança, sim senhor, mas também precisamos de professores, também precisamos de saúde, também precisamos de manutenção de infra-estruturas... de mais escolas, mais hospitais... não temos máquinas para ter tudo isso a funcionar, temos é que pôr as coisas no tamanho daquilo que somos capazes de absolver.

Disse que houve muito roubo. Hoje por hoje, já não há roubo como no passado?

No meu entender, o sistema está igual, nalgumas coisas até está mais descarado. Hoje, não há nenhum serviço público a que o cidadão recorra para pedir uma licença, mas não lhe peçam coisas...

Há quem entenda que, nalguns sectores da nossa sociedade, as operações se parecem mais com mafias... o que lhe parece?

A organização neste País é mafiosa. As pessoas não gostam de pôr os nomes nas coisas, mas é o nome que se dá quando, efectivamente, alguém para fazer alguma coisa tem de ir pagando protecção. E isto é a forma como o País está montado. Infelizmente é. E foi-se agravando, agravando, agravando, agravando. E se não se entra no jogo, é difícil.

No seu caso, enquanto empresário e pelo que disse, como tem sobrevivido?

Não me pergunte como... Efectivamente, as minhas empresas hoje estão reduzidas a... porque não tem como entrar no jogo. Eu não posso entrar no jogo, particularmente quando se trabalha para os petróleos, tem parceiros estrangeiros, tem de respeitar as formas de actuação, então não tem como. Portanto, a pessoa não consegue fazer. É um problema que vem de há muitos séculos, é um problema da forma como as pessoas acham que podem ganhar dinheiro. Qualquer pessoa que quer fazer alguma coisa lhe cai todo o mundo em cima, de todos os ministérios. Não é problema de licença ou disso ou daquilo, cai-lhe todo o mundo a pedir isso, a pedir aquilo. Às vezes, para a mesma coisa, a mesma entidade pede quatro papéis, depois inventam estudos que a pessoa tem de apresentar, mas, para apresentar os estudos, tem de usar uma empresa que é do pessoal do ministério. Isso acontece tranquila e descaradamente. Grande problema é que hoje é descarado. Como é que se classifica um sistema assim?

Algumas petrolíferas, digamos, têm certo peso para fazer as coisas. O resto de investidores estrangeiros só com ligações ao poder, senão não faz. As pessoas vão pensar que estou a queixar-me, pois não tenho esse apoio, mas não, eu sobrevivo e tenho sobrevivido bem até agora. Ninguém me tratou mal.

O quadro por si desenhado tem afastado investidores estrangeiros?

Claro! Não tenho dúvidas, absolutamente nenhuma. Uma administração pública, ao invés de ser um obstáculo aos investimentos e ao desenvolvimento, deve apoiar e não faz as coisas ao contrário. E as pessoas pensam que uma empresa com alguma dimensão, um investidor importante, quando entra no País, não recolhe essas informações, recolhe, ele sabe como é que o mercado funciona. Se for um investidor sério, não entra no jogo, se for um investidor de oportunidades, entra.