Luanda - De um comediante angolano em Portugal a um dos nomes da comédia nacional. Gilmário Vemba conquistou o país nos palcos, na televisão e na rádio. No seu regresso ao “Humor À Primeira Vista”, revisita o momento em que foi sequestrado e de que forma o transformou em comédia e realça também a necessidade de alternância política em Angola, onde chega a “temer pela integridade física” devido às suas posições políticas.

Fonte: Expresso

Queres ser o comediante da língua portuguesa?

Eu quero ser o comediante da língua portuguesa. Está aí o título (risos). Gilmário Vemba, o comediante da língua portuguesa. Quero ser! Eu quero ter um conteúdo que seja perceptível e engraçado para todos os falantes da língua portuguesa. Este é o objetivo.

Em janeiro de 2022, quando estavas em Angola, foste assaltado, sequestrado, ainda por cima com as tuas filhas. Acredito que seja uma situação claramente traumática. Mas com a distância já pensas humoristicamente sobre aquilo?

Já, já experimentei e tudo. Já fiz bits sobre isso e comecei a experimentar com as minhas filhas, as duas que estavam comigo.

 

E elas riram-se?

Elas riram-se. Mesmo no meio daquela desgraça toda, os assaltantes conseguem ser parvos. De repente ele está com a arma na tua cabeça e diz: "Ehh cota, eu te admiro muito! Aquela tua cena do Ti Martins, do 'traz pão quente'. Ei! Mas fecha o capucho, não me podes ver." E uma das coisas muito engraçadas que aconteceu foi um dos assaltantes pedir-me o número de uma amiga, que é cantora angolana. Ele de repente diz: "Oi, desculpa lá, tens o número da Neide Sofia? Eu sou muito fã. Me dá só o número dela! Eu não tenho o número dela. Você tem sim o número dela! Eu se mexer no teu telefone vou encontrar o número. Me dá só o número dela. Eu sou muito fã da Neide Sofia." E hoje lembro-me disso e percebo que é muito engraçado. E eles não conseguiam decidir o sítio certo para parar. "Paraste aqui porquê? Aqui tem muita gente! Queria levantar já o dinheiro! Aqui não!" E eu estou encapuzado, claro que naquela altura com muito medo, mas foi engraçado.

 

Mas quão rapidamente começas a interpretar a história do ponto de vista humorístico?

Nessa situação passou muito tempo, foi preciso mais tempo. Passou mais de um ano até começar a pensar nisto de forma humorística, porque sempre que a imagem me vinha à cabeça nunca era algo confortável. Vinha sempre com a sensação de que quase tinha perdido os meus filhos aí, quase perdi os meus filhos num assalto. Então era muito difícil para mim estar a pensar de forma humorística naquele cenário. Imaginava o Lázaro, que era um puto de cinco anos, a correr, a receberem-lhe o telefone e a ameaçarem-no. Eles queriam desbloquear um telefone que não tinha código. Era o telefone de uma das minhas filhas, e ela insistentemente dizia que não tinha código, nem ID, nada disso. E eles achavam que tinha e pediam para desbloquear o telefone. E a miúda coitada a dizer que não tinha, que só usava para jogar. Sempre que voltava a essa memória era algo muito pesado, foi preciso passar mais tempo para conseguir narrar com alguma piada.

 

Dizias, ainda sobre esta experiência, que acreditas que aconteceu por teres mostrado a tua posição política. Isto ainda antes das últimas eleições gerais em Angola, em 2022. As eleições foram só uns meses depois, mas já estávamos num período de pré-campanha.

Continuo a ter essa suspeita, porque foi também uma das coisas sobre as quais os assaltantes falaram enquanto me levavam.

 

No podcast "Debaixo da Língua", do Rui Maria Pêgo, dizias que podes falar de tudo em palco, depois não sabes se vais sobreviver. Isso é uma realidade ou é uma graça?

É uma realidade que utilizamos como graça, mas é acertado. Mas para além dos bloqueios do ponto de vista económico para o teu desenvolvimento enquanto artista, ou empresário, sejas o que fores, chegas àquele ponto em que temes mesmo pela tua integridade física. Isto é uma realidade. É tão uma realidade que há pessoas do meu partido que quando tu começas a falar te dão o toque. "Mano, epá, é melhor teres cuidado com isso. Não te metas aí" E como disse há pouco, não é uma cena que faça em palco, não politizo os meus espetáculos.