Luanda - Constituição e estatutos do MPLA determinam que João Lourenço estará inevitalmente afastado da liderança do país e do partido, depois de 2027. Estatutos fixam que o actual líder dos ‘camaradas’ não pode avançar com alterações num congresso extraordinário para apresentar-se como candidato à liderança do partido dentro de dois anos.

Fonte: Valor Económico

A possibilidade de João Lourenço promover uma alteração nos estatutos num congresso extraordinário que lhe permita concorrer à presidência do partido em 2026 é vetada pelo artigo 75º dos actuais estatutos do MPLA, saídos do congresso ordinário de 2021.

Na sua alínea b), o artigo 75º dos estatutos do MPLA atribuem ao congresso ordinário a competência de “rever, modificar e aprovar os Estatutos e o Programa do Partido”, negando a qualquer outro fórum o privilégio de fazer alterações ao principal documento que rege a vida interna dos ‘camaradas’.

Ao congresso extraordinário, por exemplo, são conferidas apenas atribuições para eleger um novo líder, "em caso de impedimento ou renúncia" do presidente em exercício, além de deliberar sobre outros pontos da agenda de trabalho, nos termos do artigo 78". "Esta situação impõe uma leitura sistemática dos estatutos e da Lei. Apesar de o artigo 78° ter uma norma que estabelece, de forma genérica, a deliberação sobre outros pontos da agenda, é definitivo que o congresso extraordinário não pode alterar os estatutos do partido, uma vez que esta competência está expressamente atribuída ao congresso ordinário, nos termos do artigo 75".", sublinha um reputado jurista angolano.

As novas leituras aos estatutos do MPLA surgem numa altura em que se cogita a realização de uma sessão do comité central do MPLA que, entre outros pontos, poderá colocar em cima da mesa a hipótese de um congresso extraordinário na primeira metade de 2025. Diversos analistas angolanos já têm apontado, entretanto, a revisão dos estatutos como a única razão provável que levaria João Lourenço a convocar um congresso extraordinário, com o propósito de forçar a chamada bicefalia, em caso de vitória do MPLA, nas eleições gerais de 2027, mantendo-se à frente do partido depois de largar a chefia do Estado, por impossição constitucional.


Como que em jeito de resposta, em Fevereiro passado, o então secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, desvalorizou o facto de João Lourenço estar impedido de concorrer à liderança do partido em 2026, face à norma do artigo 120 dos actuais estatutos que impõe o presidente do partido como o candidato à Presidência da República. Na mesma oportunidade em que negou a existência de um debate interno sobre a alegada intenção de João Lourenço em forçar alterações constitucionais para um terceiro mandato, Rui Falcão declarou que o impedimento que se coloca actualmente ao lider do MPLA de concorrer ao congresso de 2026 poderia ser ultrapassado através da revisão dos estatutos num congresso extraordinário. Possibilidade que, como se conclui agora, é vetada pelo artigo 75º dos estatutos de 2021, elaborados sob ordens directas de João Lourenço.

O debate, no país, sobre as limitações estatutárias impostas a João Lourenço começaram em Setembro do ano passado, depois de o Valor Económico ter revelado que o actual presidente do MPLA estava impedido de concorrer à presidência do partido no próximo congresso ordinário. Na altura, o jornal apontava que "a impossibilidade de alteração da Constituição conjugada com a norma estatutária que impõe o presidente do partido como o candidato a Presidente da República colocava João Lourenço em situação de inelegibilidade na reunião magna dos camaradas que antecede a disputa eleitoral de 2027".

Vários analistas consultados por este jornal, entre os quais juristas, admitem agora o inevitável cenário de João Lourenço ficar afastado da liderança do partido e do país, contra a sua vontade. "O Presidente João Lourenço não abriu o jogo até agora. Desconfia-se que queira mudar a Constituição, mas este cenário é hoje quase impossível. A alternativa seria ficar no partido, como tentativa da sua própria salvaguarda como fez José Eduardo dos Santos. Entretanto, perante esta norma que o impede de alterar os estatutos num congresso extraordinário, ele fica completamente impossibilitado de se apresentar no congresso ordinário de 2026 como candidato", comenta um jurista, convidado a analisar os artigos 75" e 78º dos estatutos do MPLA.