Luanda - A 20 de Maio de 2002, o presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, Manuel Vicente, associou-se à Grinaker LTA International Holdings, ao Banco Africano de Investimentos e à Mário Palhares no estabelecimento da Grinaker LTA Angola – Construção Civil e Obras Públicas. A cada sócio coube a quota de 25% do capital da sociedade.

 

Fonte: www.makaangola.com / Iniciativa Anti-Corrupção

"Gestor da Sonangol engana o Estado"

Poucos meses após à sua criação, a Grinaker LTA Angola – Construção Civil e Obras Públicas, em parceria com a construtora portuguesa Soares da Costa, ganhou o contrato para a construção da sede da Sonangol, em Luanda, no valor de 83.5 milhões de dólares. A obra teve início em Junho de 2003, tendo o edifício, de 21 andares, sido inaugurado no segundo semestre de 2008.


Do mesmo modo, a Grinaker LTA Angola, em parceria com a Soares da Costa, também mereceu, em 2006, a obra da sede da Sonangol Pesquisa e Produção, subsidiária do Grupo Sonangol. O edifício de 14 andares, teve um orçamento inicial de 56.6 milhões de dólares e encontra-se em fase de acabamentos.


Em termos legais, a participação de Manuel Vicente, como accionista da Grinaker LTA, configura actos passíveis de corrupção e de conflito de interesses. Para além dos cargos na Sonangol, Manuel Vicente, na altura, exercia o cargo de administrador do BAI, em representação da Sonangol, a accionista maioritária. No mesmo período, o cargo de presidente do Conselho de Administração do BAI estava confiado à Mário Palhares.


Reacção do Banco Africano de Investimentos


A 15 de Maio de 2010, o Semanário Angolense publicou um resumo da presente investigação após três semanas de tentativas, sem sucesso, em obter uma reacção formal por parte do principal visado, Manuel Vicente.


O Banco Africano de Investimentos (BAI) respondeu à referida matéria na edição 307, de 05 de Junho de 2010, do Semanário Angolense. Assim, o BAI considera que a matéria “contém passagens falsas ou inverídicas, lesivas dos interesses da nossa instituição.”


Mais esclarece o BAI “que a Grinaker é uma sociedade comercial de capitais inteiramente privados, que resulta da transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, no ano de 2002, efectuada por escritura notarial que evidencia a entrada no seu capital de uma sociedade estrangeira, a construtora sul-africana Grinaker LTA, em parceria com o Banco Africano de Investimentos. A primeira era detentora de 47% do capital e o segundo de 51%.”


O BAI afirma que tanto Manuel Vicente como Mário Palhares “subscreveram o capital social em 1% cada, e na condição de administradores indicados pelo BAI” e realça que “as acções representativas daquela participação no capital social estão sob custódia efectiva da instituição.”


A declaração do BAI reiteira que as obras da Sonangol adjudicadas à construtura Grinaker, associada em consórcio, resultaram da apresentação das melhores propostas em concurso público.


Os factos

Como evidência da sua boa-fé, o BAI defende Manuel Vicente e Mários Palhares aludindo à escritura notarial de constituição da empresa Grinaker LTA Angola sem, no entanto, apresentar quaisquer provas em contrário.


A presente investigação compulsou também o referido documento de constituição da empresa – “a escritura de 20 de Maio de 2002, lavrada de folhas 50 a folhas 62, verso, do livro de notas para escrituras diversas n° 198-A do 2° Cartório Notarial (…)”. Esta escritura determina a divisão de quota de 22,500.00 kwanzas cada a favor do BAI, da sul-africana Grinaker, de Manuel Vicente e Mário Palhares. Logo, confere a cada sócio percentagens iguais equivalentes a 25% do capital da empresa.


O documento notarial estabelece que, “em consequência dos actos que foram operados e por acordo dos sócios transformam, sem dissolução, esta sociedade por quotas, em sociedade anónima de responsabilidade limitada (…)”.


A resposta do banco revela a mesma ligeireza e improbidade com que a sua estrutura accionista mistura capitais públicos com capitais privados de dirigentes ao arrepio da legislação em vigor. Dois exemplos relevantes para o envolvimento da Sonangol nos actos ora expostos são aqui revelados. Primeiro, o representante da Sonangol Londres, José Carlos de Castro Paiva, enquanto gestor público e em representação da petrolífera nacional, é o presidente do Conselho de Administração do BAI.


Castro Paiva exerce ainda o duplo papel de testa-de-ferro e representante da Dabas Management, uma companhia estabelecida nas Bahamas, que é detentora de 5% do capital do banco. O segundo caso tem a ver com o actual administrador da Sonangol, Sebastião Pai Querido Martins, cuja empresa familiar Gianni Janice Darlings tem um porcento do capital do BAI.


Caberia à Sonangol e não ao BAI responder pela adjudicação dos contratos, uma vez que o BAI, em momento algum, representa a petrolífera nacional. O caso do BAI, no contexto da corrupção em Angola merece, no entanto, abordagem específica em tempo oportuno.


A legalidade dos actos

O fenómeno da corrupção em Angola tem revelado uma contradição extraordinária. A aprovação de novas leis para combater o mal tem correspondido, na prática, ao incremento da impunidade e dos actos lesivos ao património do Estado, ao bem-estar dos angolanos e à moral pública.


Assim, importa contextualizar as normas jurídicas e a inconformidade dos actos practicados por Manuel Vicente, enquanto gestor público. Até 10 de Junho de 2003, durante o período em que a direcção da Sonangol atribuiu o contrato ao consórcio formado pela Grinaker LTA Angola e a Soares da Costa, vigorou a Lei das Infracções contra a Economia (Lei 6/99). Essa Lei estabelecia (art. 48º), como acto de corrupção passiva:

“Aquele que, trabalhando em organismo do Estado, empresa pública, de capitais públicos ou mistos, por si ou por interposta pessoa, com a sua autorização ou ratificação, solicitar, aceitar ou receber dinheiro, bens, qualquer vantagem patrimonial ou benefício de outra natureza, para antecipar, demorar, praticar ou omitir acto contrário aos deveres do cargo que ocupa, será punido, de acordo com o valor dos bens ou benefícios obtidos, nos termos do artigo 421º do Código Penal em vigor”.


Já o art. 49º da mesma lei definia, como acto de corrupção activa, o seguinte:

“Aquele que der ou prometer ao trabalhador de organismo de Estado, empresa pública de capitais públicos ou mistos por si ou interposta pessoa, dinheiro, bens,qualquer vantagem patrimonial ou beneficio de outra natureza que não lhe sejam devidos para assegurar a prática, a omissão, a antecipação ou a demora de um acto será punido com as penas estabelecidas no artigo anterior”.

 
Assim, Manuel Vicente violou a lei por ter usado o cargo que ocupa para autorizar o contracto de construção do edifício da Sonangol, a favor de uma empresa de que é sócio qualificado, garantindo assim, para enriquecimento pessoal, a partilha dos lucros da empreitada. Por outro lado, enquanto administrador e vice-presidente do BAI, Manuel Vicente também incorreu em acto contrário à lei ao usar a sua posição de representante de capitais públicos, no banco, para fazer sociedade com esta instituição financeira, na Grinaker LTA Angola.


Por sua vez, os sócios estrangeiros, a Grinaker International Holdings e a Soares da Costa, incorreram em acto de corrupção activa, de um funcionário público, conforme o artigo supracitado.


Adiante, a Lei dos Crimes contra a Economia (Lei nº 13/03), em vigor desde 10 de Junho de 2003, revogou, parte da Lei nº 6/99, incluindo os arts. 48º a 49º, acima descritos. Essa lei definiu o empregado público como sendo “aquele que exerce funções não só em serviços públicos como em empresas públicas e sociedades de capitais públicos. A mesma lei remeteu para o Código Penal (arts. 318º a 323º) a definição e criminalização dos actos de suborno e de corrupção de servidores públicos.


A posição de Manuel Vicente, como presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, influenciou a sua tomada de decisão na atribuição do contrato a uma empresa na qual detém participação qualificada. O Código Penal (art. 322º) estabelece tal acto, de recebimento de promessa na partilha de lucros da empreitada, como acto de corrupção sujeito a uma pena maior de dois a oito anos de prisão.


Em conformidade com o Código Penal, por continuação do contrato na vigência da Lei dos Crimes contra a Economia, de 2003, os sócios estrangeiros, a Grinaker LTA International Holdings e a Soares da Costa incorreram no acto de corrupção activa (art. 321º) de um funcionário público, Manuel Vicente.


Como prática corrente, as empresas estrangeiras têm estabelecido sociedades com figuras poderosas do regime, como Manuel Vicente. Por via deste expediente, tais empresas não só acedem a contratos multimilionários e muitas vezes sobrefaturados como também beneficiam da impunidade de que estão investidos os principais membros do regime.


Tratados Internacionais

Já a entrega da obra do edifício sede da Sonangol Pesquisa & Produção, ao consórcio formado pela Grinaker LTA Angola e Soares da Costa, decorreu num quadro legal de incorporação do Protocolo da SADC contra a Corrupção no direito angolano. O Conselho de Ministros aprovou o referido tratado regional a 8 de Agosto de 2005, através da Resolução 38/05, conferindo ao ordenamento jurídico angolano uma definição mais abrangente e específica sobre os actos de corrupção.


Para o caso em análise, o Protocolo estabelece (art. 3º, 1, c) como prática de corrupção “qualquer acção ou omissão praticadas por um funcionário público no exercício das suas funções, com o fim de obter ilicitamente benefícios pessoais ou para terceiros”. O tráfico de influências também é definido como acto de corrupção de acordo com o art. 3º (1) ( f).


A Lei da Probidade Pública, ratificada a 25 de Março de 2010, como instrumento principal da política de tolerância zero contra a corrupção, reafirma as disposições legais abordadas no presente texto.


Conclusão

O saque do património do Estado e o enriquecimento ilícito são causas que têm conduzido ao agravamento da pobreza, do atraso no desenvolvimento humano da maioria absoluta dos angolanos, assim como tem fermentado o potencial de instabilidade sócio-económica e política do país. A corrupção institucional viola a dignidade dos angolanos.