Lisboa - Jacob Zuma, Presidente da África do Sul, declarou a sua estima por Julius Malema, o líder da juventude do Congresso Nacional Africano (ANC), sublinhando que "no fundo ele é boa pessoa" e que "o partido deverá dar-lhe mais valor para que ele se torne "um bom e dinâmico líder".


Fonte: DN.PT


Este reparo, no dia em que Malema foi declarado culpado da prática de "linguagem odiosa", susceptível de instigar a população negra contra a minoria branca da África do Sul, é assustador. O tribunal superior de Joanesburgo considerou que a canção preferida de Malema, Dubula Ibhunu (Matem o boer - fazendeiro branco), faz lembrar os trágicos momentos na história de outros povos, em que linguagem de ódio desencadeou genocídios.

 

Ainda no domingo, Malema declarou, durante mais um comício, aquilo que classificou de "estado de guerra contra os exploradores brancos que roubaram as terras e os recursos aos nossos países africanos".


Os reparos de Zuma certamente terão um impacto no desfecho do processo disciplinar contra Malema, a decorrer perante a Comissão Disciplinar do ANC. Tal como num processo anterior, Malema é acusado de indisciplina e de desrespeito aos líderes do partido. Da outra vez, fez um apelo público ao derrube violento do Governo do Botswana, por ser um Governo que age ao serviço "do imperialismo americano".

 

As demais insistências de Malema, de que todas as terras agrícolas bem como os sectores mineiros e financeiros devem ser totalmente nacionalizados, de que o Presidente Robert Mugabe, do Zimbabwe, é seu ídolo e que a África do Sul deveria seguir os modelos de Cuba e da Venezuela, poderiam ser ignoradas, não fosse o facto de um crescente número de poderosas figuras do ANC, incluindo a veterana Winnie Mandela, os possíveis candidatos presidenciais, Tokyo Sexwale e Mathews Phosa, e agora o próprio Zuma, louvarem Malema como "líder nato" e "futuro Mandela".

 

Malema, nascido pobre em 1981, nunca conheceu o seu pai, teve em vez de uma mãe uma avó. Simboliza o fracasso trágico do sistema educacional e da segregação da população africana herdada do tempo do apartheid. Orienta-se pelos ressentimentos contra todos os que o fazem sentir-se mal e é motivado por emoções de medo e raiva. "Numa recente conferência de imprensa, respondendo a um jornalista estrangeiro, que o irritou com perguntas sobre a moralidade dos seus "negócios", Malema explodiu: "Você não tem cara, seu maldito macaco."

 


Malema tem um instinto agudo para tudo o que constitui e reforça o seu poder populista. Sabe que os colectivos humanos, para se sentirem fortes, precisam de visões simples de um inimigo. Sabe que 40% da população da África do Sul, que sobrevive muito mal no sector informal, quer alguém a quem atirar culpas. Consegue mobilizar de um dia para o outro milhares de jovens que facilmente se identificam com ele.


De forma trágica, Malema simboliza não só as consequências da política irresponsável do apartheid, mas também o fracasso da política do ANC desde 1994 em construir uma nação sul-africana na qual cada pessoa possa, pelo menos, sonhar com uma vida justa. O sonho da "Nação Arco-íris" de Nelson Mandela, nos anos 90, tornou-se um pesadelo, em que Malema surge como o carrasco que anda de Range Rover branco, tem uma colecção de relógios de pulso Patek Philippe e Panerai, e só bebe whisky 20 anos. Os jovens de uma geração perdida vêem em Malema a pessoa que poderá ajustar contas por eles. Só que esse ajuste de contas custará à África do Sul o seu grande prestígio internacional.

 

ANDRÉ THOMASHAUSEN, PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO NA UNIVERSIDADE DA ÁFRICA DO SUL (UNISA)