Luanda -  Recentemente tiveram lugar as eleições gerais na Zâmbia que resultaram na Victoria retumbante do Michael Sata, líder da Frente Patriótica. Esta Victoria marcou o fim da governação do Movimento para a Democracia Multipartidária (MMD), fundado pelo Sindicalista, o malogrado Alfred Chilumba, cujo consulado durou 20 anos consecutivos.


Fonte: baolinangua.blogspot.com


A Zâmbia alcançou a independência no dia 24 de Outubro de 1964, proclamada pelo Presidente Dr. Kenneth David Kaunda, líder do Partido Nacional Unido para Independência (UNIP). Após a proclamação da independência, Dr. Kaunda instalou o “Centro de Libertação,” em Lusaka, que albergou as Representações dos Movimentos de Libertação da África do Sul, de Angola, de Mozambique, da Namíbia e do Zimbabwe com fim de encetar o combate diplomático e militar contra a Colonização Europeia e o Apartheid na África do Sul.

 

Nesta altura, a Zâmbia transformou-se num verdadeiro baluarte da descolonização da África Austral e o seu Presidente colocou-se na dianteira da Revolução descolonizadora como ícone de inspiração pan-africanista. Dando este protagonismo este País ficou em baixo da pressão das potências coloniais na região, nomeadamente: Portugal, Grã-Bretanha e Bélgica, proprietários do Caminho-de-ferro de Benguela (CFB). As transacções comerciais e o escoamento do Cobre da Zâmbia e do Zaire (fontes principais de receitas) dependiam essencialmente do Porto do Lobito.


Apesar disso, o Presidente Kaunda não cedeu às pressões externas. Pelo contrário, decidiu construir uma linha férrea (Tanzam-Railway) do Copper Belt ao Porto Indico de Dar-es-Salam, Tanzânia. Adoptou medidas severas de austeridades; preservou a paz interna; não aceitou intrometer-se nos conflitos da região; afastou-se da corrupção e do enriquecimento ilícito; estabeleceu uma autoridade de mão-de-ferro. O seu espírito revolucionário lhe conferiu o prestígio e a honra, dentro e fora do país, como homem digno que soube dar a mão aos seus irmãos sem meter-se no fogo e sem comprometer a dignidade do seu Povo.

 

No advento das mudanças democráticas que se sopravam na região, Presidente Kaunda aceitou, com o coração aberto, o desafio de organizar (1991) as eleições gerais multipartidárias que foram vencidas pelo Partido emergente, MMD, que pôs fim ao seu longevo Consulado. Dr. Kenneth Kaunda, estadista de renome, emergia assim como o grande Herói Nacional que soube respeitar a Vontade expressa do seu Povo. Sem rodeios, conduziu uma transição do poder, de forma ordeira e pacífica, que se transformou numa cultura política do país. Durante o seu prolongado mandato cultivou no Povo Zambiano o espírito forte da unidade nacional, de altruísmo, do patriotismo, do pan-africanismo, da coexistência pacífica, e da preservação da paz – fundados nos valores cristãos.


Acho que, é por estes factores que o Presidente Michael Sata ficou inspirado para lhe indigitar a missão diplomática de confidenciar-se com o Presidente Angolano. Um Ancião deste Calibre não viria à Luanda apenas para negociar o aproveitamento do Caminho-de-ferro de Benguela, muito menos de apreciar as Casas dispendiosas de Kilamba, que só cabem aos Ricos. Para todos efeitos, Angola precisa das transacções comerciais da República Democrática do Congo e da Zâmbia para que o CFB seja mais rentável. O Presidente Sata afirmava no seu Discurso de Victoria, o seguinte:


“ Vamos reforçar os laços de cooperação económica com a China; todos os contractos económicos celebrados com este país serão revistos; notamos que as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores Zambianos, nas Empresas Chinesas, são equivalentes à escravatura.”

 

Este estado de coisas prevalece igualmente em Angola no qual os trabalhadores Angolanos vendem a mão-de-obra barata igual à Era da Revolução Industrial na Grã-Bretanha. Salários baixos; condições de trabalhos precários; sem seguros sociais; sem salários mínimos definidos por lei; sem contractos de trabalho; expostos aos despendimentos arbitrários, compulsivos e em massa; sem qualquer protecção por parte do Estado Angolano, cujos Governantes são Sócios maioritários na maior parte das empresas estrangeiras que operam no País.

 

Portanto, a missão diplomática do Enviado Especial do Presidente Sata à Cidade Alta, deve revestir-se de qualquer segredo de Estado. Contudo, de forma implícita, deixa-nos duas lições importantes:


a) Acabar com a cultura de perseguição de estadistas pós-poder.


b) Governar bem para que o fim do consulado de um Chefe de Estado seja o início da prestação de bons serviços à nação, como bom cidadão. 


Ali reside a essência do “Contraste do Poder e da Vida Humana”. Nas Democracias Ocidentais, a consolidação do Estado e a eficácia do poder político consiste essencialmente no “princípio da continuidade” dos actos governativos. Evitar que haja rupturas bruscas no encadeamento sucessivo da administração do Estado – de um governo para outro.

 

Isso só se torna viável se houver a transição do poder de modo harmonioso e ordeiro em que os antigos Chefes de Estado sejam valorizados, sintam seguros e livres, sejam protegidos pelo Estado, tenham estatutos especiais e possam participar activamente na vida privada e pública e sejam conferidos responsabilidades de transmitir o seu legado ao Estado e estejam disponíveis para cumprir as tarefas sensíveis de determinados dossiers que eram do domínio dos consulados anteriores. Aliás, na qualidade de Anciãos, os antigos Presidentes são efectivamente Conselheiros mais conchegados e confidentes do Presidente actual, que regularmente o aconselham em fóruns próprios sobre os assuntos complexos do Estado.  
Pois, nas transições sucessivas de governos nenhum acto do Estado, passado ou presente, deve ser descurado ou posto de parte. Cada Actor ou Agente do Estado é um valor acrescido que deve ser cuidado e altamente valorizado com vista a melhorar o empenho das instituições do Estado. Quanto mais eficaz for aplicado o princípio da continuidade, mais estabilidade sociopolítica que se alcança, mais conhecimentos que se acumula e se rentabiliza e maior amplitude que se torna a administração do Estado.

 

A inobservância do princípio da continuidade resulta-se geralmente no seguinte: No surgimento de regimes autoritários e totalitários que se eternizam no poder; na corrupção institucionalizada; na extracção dos recursos financeiros ao estrangeiro; na arbitrariedade; na fragilidade de instituições públicas; na ineficácia da lei e da administração da justiça, o que naturalmente leva à injustiça social, ao enriquecimento ilícito, à pobreza extrema e à miséria. Numa dada altura, provocam descontentamentos generalizados que se transformam numa Revolução. Por isso, a crise que se desenrola no Norte da África e no Mundo Árabe, com fortes reflexos na África Negra, em parte, é o resultado deste fenómeno.

 

Por outro lado, a “Boa Governação” é o verso da moeda, uma condição sine qua non, que viabiliza o processo da continuidade. Perante um Regime corrupto e tirânico que termina numa derrocada como do caso do Coronel Muamar Kadhafi, da Líbia, fica difícil sustentar o princípio da continuidade. Visto que, os aspectos positivos da governação prolongada ficam desequilibrados pelos factores negativos que levam o país a mergulhar-se na tragédia.
Por exemplo, Muamar Kadhafi empenhou-se muito na união e na integração regional do Continente Africano. Alocou imensos investimentos nas infra-estruturas dos Países Africanos, com cerca de 20% do Orçamento da União Africana sob o encargo da Líbia. São aspectos positivos que devemos reconhecer, dando o facto de que muitos Países Africanos, produtores do petróleo, não o fazem. No caso especifico de Angola, preferimos investir, em peso, em Portugal para salvar os portugueses cuja economia está falida, em detrimento dos nossos irmãos Africanos que carecem de investimentos massivos para combater a fome, a pobreza e a miséria.

 

Só que, em termos de direitos, liberdades e garantias fundamentais, a política do Muamar Kadhafi sacrificou os cidadãos líbios. Ele exerceu uma ditadura feroz, que se chamou, “Estado das Massas,” em que os princípios de sufrágio universal e do multipartidarismo ficaram suprimidos. Durante 42 anos o Povo líbio não podia eleger democrática e directamente o Chefe de Estado.

 

Na minha maneira de ver, Angola vive a situação semelhante em que a eleição do Chefe de Estado é feita indirectamente, de forma implícita, através das candidaturas às eleições legislativas. Os deputados, por sua vez, são igualmente eleitos indirectamente através da eleição dos Partidos políticos que apresentam as listas dos seus candidatos. Não há nenhuma responsabilização (perante os eleitores) directa quer do Presidente da República quer dos deputados.


A responsabilização dos partidos políticos também é incerta e ineficaz. Visto que, os partidos que delegam os mandatos ao Presidente da República e aos deputados não têm competências político-jurídicas de retirá-los, em determinadas circunstâncias. Nem os eleitores têm instrumentos jurídico-legais da responsabilização individual dos mandatários dos partidos políticos no Parlamento e na esfera da governação. No fim de contas, neste sistema eleitoral, não se elege ninguém, não se responsabiliza ninguém e não presta contas a ninguém.


O sistema atípico, vigente em Angola, funciona nestes moldes. As tarefas essenciais da administração eleitoral estão a cargo do Mpla/Executivo. O Conselho Nacional Eleitoral sujeita-se ao Mpla/Executivo com o espaço muito restrito de actuação, sem estruturas adequadas, sem recursos nenhuns e sem autonomia financeira. Os partidos da oposição não têm igualmente acesso aos equipamentos e aos mecanismos do escrutínio, controlado pelo Mpla/Executivo. Acima disso, não têm espaço de intervenção adequado na organização do processo eleitoral; não têm meios e nem possuem mecanismos eficazes de fiscalização do processo eleitoral.


No fim de todo este processo, o Presidente da República que é eleito nos moldes supracitados, é que nomeia o Presidente do Parlamento, o qual também não teve um mandato directo dos eleitores. No meio de tudo isso, o mais caricato é facto de que, todos os Poderes do Estado estão concentrados nele. Ele manda e desmanda ao seu belo prazer e governa sozinho com um Corpo de Executores que não têm competências deliberativas. Então, como se caracteriza o sistema político deste género?


Numa situação desta, onde estará então a” liberdade de voto” consagrada no nº 3 do Artigo 21º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948?