Luanda - A bicefalia é um assunto que está em voga, sobretudo por duas razões. Primeiro, por não haver por cá tradição bicéfala. Em segundo lugar, porque a prática nos indica que poderá não haver sintonia entre o Presidente da República e o Presidente do partido político que governa, tantos e tão díspares são os interesses em jogo.

Fonte: JA

Temos ouvido comentários, dos mais aos menos interessantes, sobre esta questão que está na ordem do dia das conversas, nos locais de trabalho, nas escolas e universidades, nas paragens de autocarro e nos candongueiros. Os cidadãos dão conta de um clima não muito salutar e de nuvens a pairar no ar, anunciando enorme probabilidade de trovoada e relâmpagos, daqueles que não podem ser previstos pelo Inamet.

 

Há quem considere que, em democracia, a partir do momento em que alguém é eleito Presidente da República, deve renunciar à liderança partidária. Bem, para deixarmos a coisa clara, temos de esclarecer que isso nada tem a ver com democracia. Os princípios democráticos estão consagrados na Constituição, que nada estabelece a esse respeito. Portanto, este argumento não colhe. Está mesmo fora de hipótese, até porque quem o utiliza se esquece que a acção partidária é fundamental para olear a marcha do governo, sobretudo até quando esse partido político dispõe de maioria no parlamento.

 

Para contrariar esse argumento, nem precisamos também de recordar que estamos em África. Basta citar os exemplos da Alemanha, Espanha, França, Portugal e Reino Unido, onde todos reconhecemos haver democracias, mas o Chefe do Governo é o líder do seu partido político, até para garantir alguma sintonia entre os órgãos de poder legislativo e executivo.

 

No nosso caso concreto, a manter-se a actual situação de bicefalia, assistiremos muito em breve a um extremar de posições que apenas porá em xeque a execução do programa de governo sufragado nas urnas. Mais que isso, trará à tona muita coisa que se mantém escondida e que aí se deveria manter, a bem do processo de transição. Será mesmo isso que queremos?

 

Se pretendemos uma transição pacífica, então o meu conselho de académico que estuda o processo de democratização em Angola é que o Presidente do MPLA coloque de imediato o cargo à disposição e o Vice-Presidente do MPLA assuma a liderança do partido, tal como estabelecem os estatutos. Qualquer outra solução que se queira engendrar será pouco ou nada benéfica para esse partido político.

 

Engendrar uma outra solução bicéfala (tal como se conjectura) serviria apenas para agravar o problema, alargando-o a uma terceira pessoa que está hoje fora dele. E para a pessoa que aceitasse entrar neste jogo tricéfalo, seria o seu fim político.

 

Por outro lado, manter-se a actual situação significaria um rude golpe contra o MPLA – mais um, a juntar a vários outros, desferidos no espaço dos últimos dez anos. Portanto, seria uma acção que beneficiaria claramente outros partidos e outros actores políticos. Será isso que se pretende?

 

Só a anunciada solução, de acabar imediatamente com esta bicefalia nefasta, traria claro benefício ao MPLA. Posso afirmar que esta é também a vontade dos militantes desse partido político. E se um partido político se faz pela vontade dos seus militantes, então só podemos esperar que o Presidente do MPLA deixe rapidamente esse posto, de forma pacífica e sem haver necessidade de pressão.

 

De outro modo, teremos em Angola a repetição de processos ocorridos noutras paragens, que não foram nada benéficos para quem se pretendeu perpetuar no cargo. Depois de Moçambique, ainda recentemente aconteceu no Zimbabué e na África do Sul ter havido pressão para abandono dos mais apetecidos cargos (ao nível do Estado, ou do partido governante). Penso que ninguém quererá que isso ocorra também em Angola.

 

Não queremos também que, depois de se ter arrastado o país para a bancarrota, haja quem (pensando apenas nos seus interesses e fortunas pessoais) queira arrastar também o MPLA para o abismo, provocando cisões nunca antes vistas, impossíveis de ultrapassar. Em casos destes, a história dá conta até da quase impossibilidade de um renascer das cinzas.

 

Haja, pois, ponderação. E tenham-se em conta, antes de mais, os interesses de Angola e não interesses individuais ou de pequenos grupos.

 

Quero terminar, assegurando que a forma como vamos recordar o Presidente Eduardo dos Santos vai depender da forma como ele próprio (e não quaisquer outras pessoas que o circundam, sejam familiares próximos, sejam outras) vai gerir este dossier. Caso se retire imediatamente, sem causar transtorno ao seu “sucessor natural” e sem causar atritos desnecessários ao nível do partido ou da gestão do Estado, será recordado pelos feitos positivos e pela sucessão exemplar. Mas se agir de forma contrária, os feitos positivos vão certamente ser esquecidos e vão prevalecer os aspectos negativos dos últimos anos de gestão. A escolha será, pois, do próprio Presidente do MPLA.

 

«Se pretendemos uma transição pacífica, o meu conselho de académico que estuda o processo de democratização em Angola é que o Presidente do MPLA coloque de imediato o cargo à disposição e o Vice-Presidente do MPLA assuma a liderança do partido.»

 

«Caso se retire imediatamente, sem causar transtorno ao seu “sucessor natural” e sem causar atritos desnecessários ao nível do partido ou da gestão do Estado, será recordado pelos feitos positivos e pela sucessão exemplar.»

 

«Depois de Moçambique, ainda recentemente aconteceu no Zimbabué e na África do Sul ter havido pressão para abandono dos mais apetecidos cargos. Penso que ninguém quererá que isso ocorra também em Angola.»