Luanda - A activista cívica Laura Macedo é uma das vozes mais críticas do modelo adoptado nas duas propostas aprovadas na generalidade pelo Parlamento, que prevê o repatriamento de capitais para as contas dos mesmos que os transferiram para o exterior. Em entrevista ao NJ, a activista atira-se ainda contra a forma como o MPLA lida com as questões de cidadania.

Fonte: NJ

O grupo de cidadãos e cidadãs, do qual faz parte a senhora, reclama por um repatriamento de capitais justo numa fase em que duas iniciativas já estão aprovadas na generalidade no Parlamento e ambas têm como tronco comum o do repatriamento destas somas para as contas dos seus titulares, vou chamar-lhes assim. A vossa causa não é, à partida, um nado- morto?

Se o governo e os senhores deputados tiverem em consideração que foram e serão sempre os cidadãos na qualidade de eleitores que os catapultam para os lugares em que se encontram, não devem ignorar-nos. Se nos ignoram só posso presumir que as eleições são fraudulentas.Vamos lá considerar que esse processo há muito que deixou de estar sob alçada de um âmbito mais alargado de discussão em que os actores sociais pudessem ser chamados. Ou seja, a sua aprovação neste momento está a depender de uma decisão essencialmente política. Sei que tiveram audiência com a UNITA e com a CASA- CE.

 

E do MPLA, que respostas obtiveram, ou pelo menos conseguiram aferir qual o seu posicionamento a respeito desse dossier?

Fomos recebidos pela CASA-CE e pela UNITA onde conseguimos expor as nossas preocupações quanto a proposta de lei do governo e numa conversa informal conseguimos passar a mensagem expressa no alerta sobre o repatriamento voluntário de capitais por via de uma amnistia, subscrito inicialmente por 13 cidadãos. Quanto ao MPLA, lamento a posição em que se colocou o presidente da sua bancada parlamentar, o senhor Salomão Xirimbimbi, quando, ao telefone, solicitei um encontro. Informou-me que se o grupo de cidadãos no qual me incluía quisesse participar, a única forma possível era elaborarmos um projecto nosso e que o tentássemos vender a um dos partidos no Parlamento. Este tipo de posição, altiva e arrogante, em que o deputado do MPLA se coloca não é aceitável. Confrontado com um SMS a reiterar o nosso pedido, respondeu dizendo que enviássemos uma carta a solicitar a audiência, o que prontamente foi feito no dia seguinte no edifício onde funcionam os escritórios do Grupo Parlamentar do MPLA.


Repito: Não se pode virar as costas ao cidadão quando este quer participar da vida do país. Numa sociedade que se quer democrática, o cidadão não deve nunca ser ignorado pelos eleitos, a não ser que o seu voto já esteja contabilizado antes mesmo de se iniciar a votação. O MPLA só reagiu, e de forma incoerente na pessoa do deputado João Pinto, com a falácia que lhe é peculiar, quando o Jornal de Angola publicou a nossa nota de imprensa dando conta deste facto. Atirou a culpa ao mau funcionamento das comunicações entre a Movicel e Unitel. Aí lembrei-me que o ex-ministro da Saúde, nas suas declarações aquando do julgamento do rombo nas finanças para o combate à malária, apontou o [programa] Excel como ludibriador do sistema.


Diante desta situação não faltará algum realismo de vossa parte em admitir que desencadear esse debate público acaba por ser extemporâneo, na medida em que
o próprio partido no poder tem o posicionamento que tem?

Nada é extemporâneo quando estão em causa uma série de factores como a falta de saúde, a falta de educação e instrução sérias e com qualidade; a falta de qualidade de vida. Vemos como base de análise as contas feitas pelo Centro de Estudos da Universidade Católica de Angola, que nos apontam para valores como 230 mil milhões de dólares desviados do erário público.

 

Quanto é mesmo o OGE aprovado para este ano?!

Mesmo que tenhamos de pagar as custas dos processos, juros e afins aos países onde os nossos larápios esconderam os dinheiros roubados, e estes embolsassem 50% dos valores, restar-nos- iam cerca de 107 mil milhões de dólares. Se a proposta de lei do governo for aprovada e vigorar, o governo vai à mesma ter de pagar todos os gastos e ainda vai ter de entregar o dinheiro a quem tanto mal fez aos angolanos a troco de um mísero imposto. Quem garante que esse dinheiro não volte a sair com a compra de um tractor para a suposta fazenda onde não trabalham a terra e têm maquinaria por estrear obsoleta, comprada 300% inflacionada? Com as empresas que esta gente tem pelo mundo fora e um computador, no conforto dos seus lares, um tractor de 20 chega a Angola por 200, tendo assim exportado legalmente 180. Quando digo alto e bom som “não à legalização da larapiocracia”, pretendo apelar aos cidadãos, na qualidade de deputados ou não, que prestem bem atenção ao que estão a caucionar ao permitir que o MPLA, mais uma vez nos engane, nos maltrate e nos humilhe.

É um dado adquirido que a sociedade civil foi posta de parte, pelo menos a nível do debate político. Não havendo garantias de que na especialidade sejam ouvidos e, se forem ouvidos, prevalecerá a vontade política sobre a vontade da legitimidade popular de que estão revestidos os deputados.

 

Que lições pensa que se vai tirar da acção do Parlamento?

Acabo de tomar conhecimento que o MPLA reprovou a proposta de ouvir a sociedade civil. Fiquei triste! Triste porque reparo que o MPLA continua com uma postura arrogante e desmedida, continua a menosprezar o cidadão, continua com o rei na barriga, quando já aplacou e se prepara para rastejar. Todos sabemos, até pela riqueza que ostentam, quem tem nos bolsos o dinheiro que é de todos nós. Sabemos quem nos roubou e continua a roubar, porque, infelizmente, enquanto se mantiverem seladas as declarações de bens, a cada sinal de contas mal feitas não podemos permitir-nos a apontar o dedo aos governantes. O que vemos é que, do cimo do seu salto alto, o MPLA não precisa do cidadão e como tal proponho aqui e agora que nos entreguem a CNE para gerirmos as próximas eleições e terminarmos, de uma vez por todas, com cabalas e arranjos que só nos prejudicam.


João Lourenço envia para o Parlamento o projecto de lei que entra, na verdade, na Assembleia Nacional com carácter de urgência e passado uma semana perde essa condição. Isso demonstrará, de algum modo, que, no fim das contas, nem o próprio Parlamento estará seguro de si mesmo?


No MPLA ninguém se sente seguro, todos olham com desconfiança para os vizinhos de cadeira, os sorrisos e os cumprimentos são forçados e cínicos. Uma parte do MPLA não tem urgência na aprovação desta lei porque continua à procura de um lugar seguro para esconder os frutos do roubo que ainda não estão confiscados. Outros ainda devem estar à espera que algum barão de negócios ilícitos no mundo precise de lavar algum e lhe ofereça uma percentagem, aproveitando-se desta proposta de lei.


João Lourenço não é um outsider na política nacional... sempre esteve ligado ao círculo do poder. Ao pretender inverter uma tendência que a anterior governação nunca se mostrou muito disponível a fazer, apesar de ter decretado tolerância zero à corrupção, com que armas deverá municiar-se para vencer esta batalha que decidiu começar?


Não vejo que esteja a inverter tendências anteriores. O que noto é uma necessidade de agradar um grupo de pessoas que lhe podem ajudar a conquistar o poder, que lhe podem dar suporte dentro do partido e do governo. Constato isso com as recentes nomeações para administradores não executivos de empresas públicas. Nessas nomeações verificamos que algumas das pessoas estão doentes e sem mais capacidade de sequer aconselhar. Vimos pessoas que nunca trabalharam, eternos estudantes, a serem-lhes atribuídos cargos nessas empresas, como é o caso do primogénito do Presidente Agostinho Neto. Quem de nós sabe por onde andou este senhor, quem o conhece, onde trabalhou? A única coisa que sabemos é que é o filho mais velho de Agostinho Neto. Será que isso o torna expert em companhias de avião, em finanças, em mecânica?


Será que faz falta numa companhia quase falida como a TAAG? Acho que não! Mário Jorge viveu sempre aqui e ali, portanto gosta de viajar e talvez por isso é que lhe tenha sido atribuído esse tacho. Outra pergunta que não se cala dentro de mim é: o que estará o Presidente da Republica a pagar mais uma vez com o nosso dinheiro? Enquanto João Lourenço continuar de braço dado e a proteger Manuel Vicente não é garante da luta contra a corrupção.


No seu entendimento, ao optar por esse “modelo” de repatriamento, João Lourenço perde uma boa oportunidade para mostrar aos angolanos que é diferente dos seus correligionários com alegadas culpas no cartório?


Quando verificamos que a proposta de lei pretende transformar os ladrões do erário público em patrões — que quem usurpou o dinheiro destinado à saúde para todos, à escola para todos, às estradas para todos... é que vai continuar a beneficiar de bem-estar e boa vida, subordinando toda uma população que até agora foi completamente abandonada, e aparecendo como o salvador da Pátria —, dá-me um nó na garganta que só gritando alivia. Quem elaborou a proposta parece que se está a querer proteger; está a querer usar as instituições públicas para reaver os dinheiros ilegais que exportou e que estão congelados em bancos estrangeiros. Temos todos juntos de dizer um não, um basta a este tipo de políticas.


«Angola não pode ser uma lavandaria de ilegalidades»

Estes casos todos de alegados actos de corrupção, desde transferências ilícitas aos casos de supostos crimes de peculato, com somas que vão aos mil milhões, são bem o exemplo da gravidade da situação em que nos encontramos?


Sobre isto temos de pensar também em quanto dinheiro saiu em jactos privados. Aviões que entram e saem sem qualquer tipo de controlo ou vigilância das autoridades aeroportuárias. Quantos biliões terão usado esta via? Se até agora se conseguiu aferir que cerca de 230 mil milhões saíram, quantos mais terão voado? Quem não se lembra da mala de dinheiro encontrada num avião da TAAG, de quem era esse dinheiro? Quanto mais passou sem que se tivesse dado conta? A corrupção foi praticamente institucionalizada a todos os níveis, mas pelo que oiço os discursos do Presidente da Republica pecam pelo excesso de populismo, pecam porque continua a menosprezar os cidadãos, achando que são ignorantes e que vão vibrar quando ele faz comparações entre ricos e pobres, pondo-os na mesma tarimba com relação à justiça no seu reinado. Vemos bem que não é assim, quando a mesma justiça que ele pretende que seja justa investiga, prende e julga pessoas de cargos de chefia intermédios e seus superiores hierárquicos riem-se na TV nas nossas caras e culpam programas informáticos pelo seu desleixo e açambarcamento da coisa pública. Quando um ex-ministro da Saúde faz questão de vir a público dar esta justificação para a sua falta de controlo nos dinheiros do programa de combate à malária — tendo o topete de nos informar que tapou o buraco causado pelo rombo com dinheiros de outros sectores; quando o mesmo senhor cometeu no seu mandato o descalabro de deixar apodrecer ambulâncias porque estavam à espera de planificação; e, esse mesmo senhor continua a andar de cabeça erguida sem que nada lhe aconteça, não é incomodado com nenhum processo de investigação —, tenho de constatar que um subordinado só tem este tipo de atitude quando tem as costas protegidas pelo seu superior. Isto não é bom sinal.

A luta contra a corrupção foi uma das bandeiras que João Lourenço levantou na fase da campanha eleitoral e hoje temos uma iniciativa que, na opinião de muita gente, parece querer legitimar ou branquear o dinheiro público transferido ilicitamente para o exterior. Nunca lhe ocorrer pensar que se trata de um mero chavão político, esse repatriamento?

Se João Lourenço quiser realmente acabar com a corrupção, peculato e afins, deve demostrar apresentando a todos os angolanos a sua declaração de bens. Abri-la e publicá-la em Diário da Republica para que todos possamos ler e fazer contas, sem receios ou constrangimentos. Não sei se é erro de quem lhe escreve os discursos ou se é a arrogância que não lhe permite perceber que nós crescemos e que, com as promessas que fez durante a campanha eleitoral, muita gente deixou de balbuciar e resmungar, passando a falar e a questionar. Quando em zonas rurais ouvimos de iletrados o desprezo pelas ofertas, pelas palavras proferidas, ficamos a saber que já não enganam ninguém, que o que as pessoas têm é medo do que lhes pode acontecer se os enfrentarem. Talvez por isso volta e meia vêm falar-nos, como quem não quer nada, do 27 de Maio em tom de ameaça [de que] “ninguém mais quer massacres”. Como é possível que o partido que nasceu do movimento que massacrou, sem nunca ter dado uma satisfação às famílias, nos põe as coisas de uma maneira como se nós é que fôssemos fazer-lhes mal e eles coitadinhos terão de retaliar? Porque será que têm tanto receio que a população não organizada e não enquadrada saia à rua nem que seja para pedir que lhes oiçam? A proposta de lei apresentada à Assembleia Nacional por si só é um atentado à Soberania da nossa Pátria. Pretender-se legitimar as fortunas conseguidas à custa de sofrimento e mortes de concidadãos deve ser considerado um crime contra a Segurança de Estado. Angola não pode ser uma lavandaria de ilegalidades. Temos todos de dizer Não.


O Zimbabwe estipulou um prazo de três meses e inclusivamente tinha uma ideia de quanto tinha a repatriar, e agora mesmo anunciou ter conseguido repatriar 521 milhões dos 1,4 mil milhões que previa resgatar. Angola parte para este processo às cegas, não se sabendo ao certo quanto vai repatriar...Não há aqui tanta fruta para tão pouco pomar?

Ouvindo as declarações do Presidente da República fiquei com a impressão de que ele sabe quanto anda à solta por esse mundo e é nosso. Quando João Lourenço propõe seis meses para que o dinheiro seja trazido voluntariamente e diz que, a partir dessa data, vai accionar mecanismos para o repatriamento coercivo — que o Estado tem esses mecanismos — não quero acreditar que falou de coro, que ainda está à espera que os larápios se cheguem à frente e só depois vai começar a mandar catar e ver quem tem e quanto tem. Ele para se meter nesta empreitada tem de saber quanto foi desviado, quanto existe e onde está. Se assim não for, ainda fico muito mais desiludida.


A ideia da publicação dos nomes, mesmo antes do prazo previsto no projecto de lei, seria uma forma de forçar a que muitos dos nomes que efectuaram a transferência desses valores?


A publicação de nomes teria de ser antecedida de um processo criminal, é o que pretendo que aconteça. Que a lei esqueça o voluntariado e que se aplique desde já o repatriamento coercivo por via dos mecanismos que o Presidente da República já assumiu que tem. Aí teremos a PGR e tribunais a trabalhar, as pessoas serão investigadas, processadas e julgadas para que se possa solicitar ajuda e colaboração dos países onde estão os bancos guardadores do dinheiro em nome dos larápios, para o devido repatriamento. Se formos ter como exemplo a recente declaração da PGR sobre as burlas perpetradas e em vista que são actualidade em todas as conversas, os nomes dos implicados seriam tornados públicos, seus bens no País congelados, seus imóveis arrestados e talvez alguns se coagissem e se oferecessem para voluntariamente o devolverem. Mas sou mesmo apologista da devolução, não de transformar ladrões em patrões como a proposta de lei do governo pretende. Se eu estivesse no lugar de João Lourenço teria adoptado um método idêntico ao da Arábia Saudita: uma sala com computadores e todos implicados obrigados a transferirem para a conta do Tesouro Nacional. Todavia, tenho consciência que a nossa Constituição consagra o Estado de direito. Quem não cedesse seria detido imediatamente. Acho que qualquer semana nas instalações da Comarca de Luanda e ao lado dos pequenos criminosos que lá se encontram resolveria o assunto num par de horas.