Luanda - Em vários sentidos, Angola é um dos países mais destacados do continente africano. Extremamente rico, o Estado possui inúmeras potencialidades. Seu território denso1, privilegiado, opulento em minerais e propício para a agricultura. Sua costa marítima é extensa— das maiores e mais fartas do mundo— favorável para exploração de tudo o que os mares podem oferecer. Com uma fauna e flora abundante e diversificada, em Angola podem ser encontradas algumas espécies de plantas e animais únicos, que não encontram-se em mais nenhuma parte do mundo. A população é jovem, fértil e com muito potencial a ser criado e explorado.

Fonte: Club-k.net

A nível da política internacional, a actuação do Estado angolano como actor proactivo também o distingue da maioria dos seus congéneres africanos. Localizado numa região designada em geopolítica de Hertland do Sul, Angola é um dos países que mais propicia acções para a prevenção, mediação e pacificação dos conflitos em África. Seu mandato no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), a representatividade em muitas e importantes organizações intergovernamentais, a influência que exerce sobre vários estados, entre outros factores, granjeou, em muitas perspectivas, uma dimensão maior do poder, chegando mesmo a falar-se de Angola enquanto uma potência regional.


Mas será que podemos conceber Angola como uma de potência regional? Quais são os fundamentos que negam que seja ou não o estado uma potencia regional?


Neste trabalho, por meio de um exercício de conceitualização entenderemos até que ponto é Angola uma potência regional, mas antes é necessário fazer a contextualização do estado Angolano, fundamentalmente após a guerra civil.

O PODER COMO ELEMENTO CENTRAL DA CIÊNCIA POLÍTICA

No seu ensaio intitulado Necropolitcs, Achille Mbembe afirma que (2015, p.124) “a política, portanto, é definida duplamente: um projecto de autonomia e a realização de acordo em uma colectividade mediante comunicação e reconhecimento”.

A política é prática. Estabelece os projectos acima citados—de autonomia e a realização das aspirações da colectividade—todavia, a ciência política também é prática— pratica científica. Por meio do estudo sistemático concebe, descreve, explica e prevê os actos, factos e fenómenos que a política— actividade dos políticos proporciona.

O conceito de poder é um dos mais importantes no domínio da ciência política. Aliás, Adriano Moreira, o percursor do estudo desta disciplina em Portugal, adianta até que poder constitui “o objecto central da ciência política”. É um elemento privilegiado no meio das discussões académicas nesta área.

Mas afinal, o que é o poder?

Na sua obra, Teoria das Relações Internacionais, Thales Castro (2016, p.163) diferencia dois sentidos importantes para a abordagem do conceito de poder. O sentido restrito e o amplo. Ele explica: “No sentido amplo, o poder está inserido em quaisquer cenários e contextos onde há relação e interacção humana: na família, na empresa, na escola e mesmo nas relações pessoais”.

Norberto Bobbio (2004, p. 933) refere que, genericamente, “a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objectos ou a fenómenos naturais”.

No quadro dos agrupamentos sociais é "a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade, mesmo contra a resistência de outrem” (Max Weber. Apud Boudon, Raymond. 1990:192).

Estes conceitos, de alguma forma genéricos, ilustram o poder no seio das sociedades humanas, ou seja, como um elemento que estabelece uma relação onde A determina B.

Todas as intervenções acima mencionadas afiguram-se no sentido amplo, que por sinal, é a mais desenvolvida. No entanto, o sentido restrito não possui diferenças essenciais em termos de conceitos. O único ponto que altera é o objecto de análise. Se o amplo se refere as relações de poder nos vários agrupamentos humanos, no sentido restrito, como desenvolve Thales Castro (2016, p.164), o “poder no sentido restrito está ancorado nos vários cenários do estudo tradicional da ciência política contemporânea envolvendo os órgãos do Estado em todos os seus níveis, e também fora dele, com direito interesse e Conjugação”. Nesta linha, Hans Morghentau (2003, p.49) declara que a “política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objectivo imediatos”.

ABORDAGEM SOBRE AS POTÊNCIAS REGIONAIS

Uma potência regional é, antes de qualquer coisa, uma potência. As potências enquadram-se numa lógica de luta de poder desencadeada no sistema internacional, Diante disto, podemos afirmar que uma potência é aquele estado que, no cenário de luta e competição pelo poder, tem mais condições para triunfar sobre os outros. Ou seja, em termos de quota de poder, possui maior parcela que a maioria ou todos, seja na sua circunscrição ou fora dela.

O Dicionário de Filosofia (1978, p.225) estabelece duas abordagens essenciais sobre o conceito de potência. Eis a primeira: A potência é o poder que uma coisa tem de provocar uma mudança noutra coisa; a segunda: A potência é a potencialidade existente numa coisa de passar a outro estado.

 

Entretanto, as potências são constituídas com base em vários critérios. O internacionalista Martin Wight (2002, p.5) refere que os componentes primordiais que compõem as potências são: O tamanho da população, posição estratégica e extensão geográfica, recursos económicos e produção industrial. Por seu turno, englobando os itens de Wight e acrescentando outros, Thales Castro (2016, p.202), classifica cinco elementos componentes da sua fórmula do poder mundial: Poder político-diplomático, económico-financeiro, cultural, militar e geodemografico.

O QUE É UMA POTÊNCIA REGIONAL?

No que concerne ao nosso principal foco, que é analisar até que ponto Angola é ou não Angola uma potência regional, é importante fazermos a conceitualização sobre o que afinal vem a ser potência regional.

Para Eugénio Costa Almeida (2009, p.86), uma potência regional é “aquela que tem a capacidade de influenciar, de forma organizacional, política, ideológica, económica, militar e tecnológica, uma determinada região geográfica onde que se insere”.

Na mesma linha Aida Pegado (2014, p.57) concebe como “um país com potencialidades e crescimento sustentável a nível interno que lhe permitam deter influência, quer na região a que pertence, quer a nível global, e ser reconhecida como tal pelos seus homólogos da região onde se insere”.

Numa ligação das abordagens podemos enumerar que:

i. ii. iii.

As potências regionais possuem muitas potencialidades ou capacidades. Influenciam a sua região.

São reconhecidas como tal—como potência— pelos seus homólogos.

O terceiro aspecto— O reconhecimento pelos estados vizinhos—, apesar de muitas vezes nas análises ser ignorado, é extremamente importante. Kenneth N. Waltz (2002, p.181), um dos grandes teóricos das Relações Internacionais, afirma que “um pais torna- se uma superpotência se o tratarmos como tal. Criamos outros estados a nossa imagem”. Do mesmo ocorre com as potências regionais. Se um Estado com bastantes potencialidades para influenciar a sua região não for encarado como uma potência, nem portar-se como tal, nos termos da abordagem de Waltz, podemos dizer que não o será. Se ocorrer o contrário, ou seja, caso for tratada como potência, assim o será.

O próprio país tem de demonstrar vontade e expressar a disposição de se assumir como líder regional estabilizador, capaz de, pelo menos, conseguir manter a paz; tem de demonstrar capacidade e habilidade para assumir a liderança regional; tem de gozar de aceitação por parte dos seus vizinhos, enquanto líder responsável pela segurança regional (Maxi Shoeman. Apud PEGADO, Aida. 2014:.57).

 

ANGOLA COMO POTÊNCIA REGIONAL?

Formalmente, Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa (Constituição de Angola, 2010: Art.o 2.o)

 

Desde aquela fase—a primeira república de viés marxista e totalitário—o estado enfrentou graves problemas. Angola mergulhou numa profunda guerra civil que, de um lado colocou o governo-MPLA e, do outro, a UNITA, dividindo a sociedade.

 

O conflito armado angolano foi um dos mais longos de África, tendo terminado apenas em 2002, aquando da morte do líder e fundador da UNITA, Jonas Savimbi, que culminou com da assinatura do memorando de entendimento de Luena e a desmobilização das forças militares daquele partido.

 

Dai surgiram vários outros desafios: (i) A Construção e a manutenção da paz armada, (ii) a reconciliação nacional, (iiii) a reestruturação social, política e económica. Todos eles, excepto o primeiro, ainda estão por ser materializar. Podemos afirmar isto porque a ausência de guerra em Angola é efectiva.

Em 2008 o país realizou eleições legislativas, apesar dos receios, não houve retorno a guerra, nem a tendências bélicas. Em 2010, promulgou-se a constituição da república, estabelecendo-se as bases legislativas para a sistematização e o funcionamento do estado. Em 2012, as segundas eleições gerais e, em 2017, as terceiras. Todos os processos, apesar de tudo o que pode ser contestado ou não, reafirmam a crença de que, comparando com grande parte dos estados africanos, politicamente Angola é relativamente estável, tudo isso, como é evidente aumentou as bases do poder nacional, tendo assim, reconhecimento internacional. Angola actua activamente em várias instituições multilaterais.

O Estado está na chefia da Comissão do Golfo da Guiné, Na SADEC lidera a Comissão de Paz e Segurança e é um actor a ter em conta, presidiu a Conferencia Para Região dos Grandes Lagos, está na linha de frente em importantes missões de Paz da ONU, formou coalizões determinantes como a ZOPACAS, em termos de política de prestigio, paga uma das maiores quotas na União Africana e na SADEC, esteve no Conselho de Segurança da ONU (por 2 vezes, como membro não permanente), é dos que gasta mais no sector da defesa e segurança em África, possui um dos maiores índices de produto interno bruto e é, entretanto, um Estado estável, no sentido em que, apesar de todos os problemas sócias, políticos e económicos que enfraquecem o Estado angolano, a chance de haver guerra é praticamente nula. Embora possa ser discutível, é dos poucos Estados africanos classificados como “pais em vias de desenvolvimento”, enfim, o estado possui uma gama de potencialidades internas e externas que lhe possibilitam ter uma voz audível e, de certo modo, ser influenciador, ou seja, como entende a cientista política angolana, Aida Pegado (2014, P.200),“tem potencialidade para vir a ser uma potência regional”.

 

As duas abordagens mais exaustivas, até agora, sobre este tópico são a de Aida Pegado e a de Eugénio Costa Almeida, ambos cientistas políticos angolanos. Na verdade, são contributos brilhantes, que estimulam a comunidade no domínio da ciência política em Angola a trabalhar mais e desenvolver esta linha de pesquisa tão fértil no domínio académico e útil para a compreensão por parte dos políticos e definição das aspirações nacionais, todavia estes autores abordam bastante um aspecto que, a meu entender, é informável, que é a discussão sobre potência regional emergente e que, abaixo explicarei porque assim concebo.

 

O ponto a criticar sobre o conceito é essencialmente lógico. Como podemos falar de potência regional emergente? A emergência se refere, neste sentido, a um processo de ascensão. Isso quer dizer que uma potência regional emergente, nos termos em que tem sido concebida, é uma potência em ascensão na sua região. Assim, esta perspectiva não parece muito coerente, já que potência é um status, estado, padrão estabelecido. Ou seja, não é um processo. A emergência refere-se a um processo. Então não parece correcto falar um estado como uma potência regional emergente. Isto ignora a natureza lógica do conceito emergência.

 

Fora disto, e em jeito de conclusão deste texto, Angola, como defende Alves da Rocha (2009, p.4), “está em condições de começar a encarar como natural a sua posição-líder em África e organizar-se para se assumir como potência regional com uma enorme margem de progressão futura (economia não petrolífera, valorização dos recursos humanos, ciência, tecnologia e inovação, competitividade e produtividade, investimento directo estrangeiro) ”.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

Castro, Thales (2016). Teoria das Relações Internacionais. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão—FUNAG.

Costa Almeida, Eugénio (2009). A União Africana e a Emergência de Estados Directores no Continente Africano: O Caso de Angola, (Tese de Doutoramento). Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa-Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas— UTL-ISCSP.

Constituição da República de Angola

(Cord.) Mora, José (1978). Dicionário de Filosofia. Lisboa: Dom Quixote

(Cord.) Boudon, Raymound (1990). Dicionário de Sociologia. Lisboa: Dom Quixote

(Cord.) Bobbio, Norberto (2004). Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília

Da Rocha, Alves (2009). Chegou o Momento de Angola se Preparar para assumir um Papel de Potência Económica Regional em África. Luanda: Centro de Estudos e Investigação Científica-Universidade Católica de Angola.

Mbembe, Achille (2015). Necropolítica: Biopoder, Soberania, Estado de Excepção Política da Morte. Rio de Janeiro: Revistas da UFRJ.

Morghentau, Hans (2003). Política entre as Nações. São Paulo: Editora da Universidade de Brasília.

Pegado, Aida (2014). Angola como Potência Regional Emergente: Analise dos Factores Estratégicos (2002-2012), (Tese de Doutoramento). Lisboa: Universidade de Lisboa- Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Waltz, Kenneth (2002). Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva.

Whigth, Martin (2002). Política do Poder. São Paulo: Editora da Universidade de Brasília.