Luanda - Nem tudo o que parece é. Não sou escritor, nunca escrevi nada para o público, nem sou muito dado à retórica. No entanto, sei algumas coisas, vejo e ouço outras tantas, sinto e penso e, por isso, decidi também exercer o meu direito de “liberdade de expressão”. Porém, deliberadamente misturarei aquilo que sei com aquilo que vejo e ouço e, o resultado, com aquilo que sinto e penso.

Fonte: Club-k.net

Meu nome é Anónimo, de sobrenome Ngola. Não é o que tenho no meu bilhete de identidade, por isso sou mesmo anónimo. E sou-o por uma questão de cautela, porque sinto que vivo numa sociedade em que a chamada “presunção de inocência”, na verdade é uma “presunção de culpa”, já que nela vigora o princípio segundo o qual “todos os cidadãos são culpados até prova em contrário”. É a pura, mas triste realidade que vivo nos dias de hoje; como muitos outros cidadãos, nesta conjuntura que vivemos, sou corrupto, ladrão, delinquente, mentiroso, aldrabão, vigarista e não sei quantos atributos mais, até prova em contrário, a qual, a prova, para dizer a verdade, nunca aparece.


Vivo numa sociedade onde vigora um sistema “legal” e um sistema “normal”. O sistema legal, que não funciona lá muito bem, está baseado na lei, mas o sistema normal, que funciona efectivamente, está baseado na prática corrente. Quem nunca teve de recorrer ao sistema normal? Daí que numa conjuntura como esta que vivo, tudo é corrupção. Tudo serve para ser rotulado de gatuno. De igual modo, hoje ladrão e corrupto querem dizer a mesma coisa. A situação é tal, que mesmo se você colher múcua, maboque ou ginguenga, se não estiver licenciado, pode ser indiciado por crime de corrupção ou roubo, que são a mesma coisa. Mas você dirá: a múcua, o maboque e a ginguenga são frutos silvestres, ninguém as planta, são da natureza! Não senhor, não. A terra onde estão as plantas que dão esses frutos são propriedade originária do Estado. Logo, é preciso estar-se licenciado para colher e vender. E, se insistes, podes ser também indiciado por burla e, ai de ti se tens alguém a auxiliar-te nessa colheita e venda; deixa-me ver a que te podem igualar. Já sei: “associação de malfeitores”. E, se ainda tentares tratar algum documento na Administração Municipal ou Direcção Provincial do Comércio, podes ser acusado de falsificação de documentos, tendo ainda que demonstrar que o documento é verdadeiro.


Esta é a nossa lei. Isso está mesmo complicado. Até a PGR já assumiu novas funções “Procurar Gatunos Residentes”. Assim, a PGR procura gatunos, o SIC procura gatunos, o Gabinete do PR procura gatunos, a TPA e a RNA também procuram gatunos, todos os jornais procuram gatunos, o povo procura gatunos, os próprios gatunos procuram os outros gatunos. Mas, se toda a gente procura os gatunos, onde estão os gatunos? Quem é então o gatuno? A definição diz “que ou aquele que rouba, ladrão, larápio” ou “que ou aquele que colhe lucros ilegitimamente, geralmente prejudicando alguém”. E lucro, o que quer dizer? “rendimento residual obtido por uma operação de compra e venda ou de produção depois de pagos os custos” ou “ganho; benefício, proveito”. Poderíamos continuar a discorrer sobre definições, mas o que importa aqui dizer é o que diz a sabedoria divina: “aquele que nunca cometeu pecado, seja o primeiro a atirar pedras…”. Quem nunca, falando de funcionários públicos, por exemplo, levou para seu uso pessoal, algumas folhas ou resmas de papel, esferográficas, tinteiros de impressora? Quem nunca imprimiu documentos de familiares ou estudos de viabilidade de empresas, nas impressoras do serviço? Quem nunca usou o telefone do serviço para ligar para familiares no exterior ou para tratar de outros assuntos pessoais? Esses gestos têm um nome: Roubo. Poderá dizer que são coisas pequenas, inofensivas. Mas ainda assim, continua a ser roubo. Mas parece que “gatuno” só é aquele que rouba milhões, ou coisas grandes. Mas, roubo é roubo. Pois, aquele que tira resmas de papel, também é capaz de tirar milhões. Basta que surja a oportunidade. E, mais uma vez, roubo é roubo, não importa a dimensão. Por isso, deixemos de comportar-nos como macacos. Porque aquilo que nos distingue de outros animais é a nossa capacidade de pensar e de raciocinar, é a nossa criatividade. Neste sentido, aquele que não pensa e não cria, antes apenas repete o que vê e ouve, é um perfeito macaco. Ser macaco não é ser fisicamente parecido com o macaco, como os “nguetas” afirmam todos os dias, o que acaba sustentando a discriminação racial, mas é aquele indivíduo que apenas usa o seu instinto de sobrevivência, não pensa, não raciocina, não usa a sua criatividade. Por isso, existem macacos brancos, pretos, azuis, amarelos, castanhos, etc.. Não queiramos ser macacos, mas analisemos, pelo menos aquilo que acontece à nossa volta. Macaco é um termo forte, não é? Mas ele só é forte porque os “nguetas” dizem que o “preto” é macaco, não é? Mas, como viu, não é este o sentido que dou aqui. Mas deixemos isso.


Estou preocupado, porque a nossa história é cheia de episódios e situações que se repetem mas que deles não se tem, pelos vistos, extraído quaisquer lições. De facto, passadas que são já algumas centenas de anos, quando os soberanos do Congo e do NDongo se deixaram baptizar; quando terceiros fomentaram discórdias entre eles, visando a sua divisão e consequente fragilização; quando os seus povos eram empobrecidos, explorados e escravizados, não se deram conta, na altura, ou deram-se conta quando já era tarde de mais, que tudo o que de facto haviam feito tinha sido abrir um caminho para o abismo da destruição, cujas consequências ainda estão tão presentes nas nossas vidas, dos que descendem desses soberanos. Enfim….


No entanto, quero falar de outras coisas mais importantes. Talvez mais importantes mesmo, ou talvez apenas diferentes, porque estas também afinal são importantes. Mas o que eu quero falar mesmo, é sobre a “alta finança”, onde Angola precisa estar para poder desenvolver-se. Deixem-me, antes de tudo, contextualizar o que quero dizer mais adiante.


Isto é o que eu penso, em função daquilo que sei: Americanos, Russos, Chineses e europeus, são especialistas em reverter a seu favor todas as circunstâncias que enfrentam, sejam elas boas ou más. E se não houver nenhuma circunstância para aproveitar, eles criam-na. Eles são assim. Quando não compreendem algo, estudam, investigam, até descobrir formas de reverter isso a seu favor. Porém nós, angolanos, somos bons a transformar circunstâncias boas em más e as más, ou então duvidosas, em situações ainda piores, sempre em nosso desfavor.
E, quando não entendemos algo, então, ao contrário dos outros, difamamos o que não entendemos, agindo como criaturas irracionais guiadas pelo instinto, e destruindo tudo à sua volta. Somos mesmo diferentes dos outros, especialmente os que referimos acima, ou seja, os americanos, os russos, os chineses e os europeus. Por isso são como são. Não é por serem brancos. O americano, no entanto, embora sendo mais novo que os outros, como país, é o mais forte deles todos. Nas circunstâncias que encontra ou produz no seu percurso, quase sempre é o que ganha mais. Vamos ver: na primeira guerra mundial, foram eles que emprestaram dinheiro aos europeus (aprisionando-os no mecanismo da dívida externa).

Com o “crash” de Wall Street, iniciou o processo de regulação do mercado financeiro internacional, visando recuperar a economia mundial que caíra numa profunda crise. Veio então a maldita/bendita segunda guerra mundial e aí, com o Plano Marshal, recuperaram a Europa, criando laços importantes, já que as contrapartidas eram importantes também: por um lado os europeus deveriam reforçar a oposição ao bloco soviético e a opção política comunista subjacente e, por outro lado, os recursos recebidos deveriam servir exclusivamente para adquirir bens e serviços norte-americanos, dando cumprimento à sua estratégia de pleno emprego. Note-se também que os americanos não usaram, para a reconstrução da Europa, o mecanismo criado com os Acordos de Bretton Wood, que eles mesmo tinham promovido e apadrinhado (a criação do Banco Mundial, que deveria contribuir para o financiamento da reconstrução dos países destruídos pela segunda guerra mundial e conceder empréstimos para apoiar o desenvolvimento de países atrasados). Porém eles não usaram os empréstimos “o jugo da dívida externa”, que é o utilizado pelo Banco Mundial para os países atrasados (hoje em desenvolvimento), mas utilizaram “doações” (a história diz que entre 1948 e 1951, dos mais de 13 mil milhões de dólares, em dinheiro da época, que foram destinados à Europa, 11 mil milhões de dólares foram em doações - mais de 80% do total -, para a reconstrução de dezassete países europeus da actual OCDE). Os cerca de 20% que deveriam ser reembolsados, eram do tipo “non recourse loans”, que significa (sem recurso a outros activos de quem pede emprestado, em caso de incapacidade deste em reembolsar o empréstimo). E, assim se reergueu o “velho continente”, compondo o “Ocidente”.


Vieram as independências africanas e a guerra fria. Em Agosto de 1971 decidiram acabar com a conversibilidade do dólar. A partir daí, com o seu dólar (papel), transformaram-se no único banqueiro do mundo, porquanto passou a ser a única moeda de referência nas transações mundiais. Também saem vitoriosos com a queda do muro de Berlim (o comunismo foi enforcado). Mas o “Ocidente” hoje já inclui também a Rússia e a China, pois estão novamente no convívio dos grandes, reivindicando uma parcela substancial do “bolo”. Veremos mais adiante.
Ah! Que poderemos dizer do fatídico/bendito 11 de Setembro de 2001? Serviu para mudar muitas coisas no mundo (também tivemos o nosso, quando desabou o edifício do SIC aí próximo da cidadela, mas que eu saiba, não serviu de muito). Mas isso é outra história. O que efectivamente se passou a partir dessa fatídica data, foi o aumento de poder na figura da regulamentação ou regulação financeira que acabou por abarcar todas as transacções financeiras mundiais, sujeitando-as a um rigoroso escrutínio de “branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”. Na verdade, foi estendida uma armadilha ao sistema financeiro mundial.


Naquela altura, vigorava, nas relações financeiras internacionais, uma espécie de “lessez faire” onde, não obstante existissem as regras definidas pelos reguladores internacionais, estas não eram tidas em conta com rigor e, a “prática” foi conduzindo as transacções financeiras internacionais. Mas, depois de Setembro de 2001, com o reforço das medidas sobre o “branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”, e a sua aplicação ao extremo, surge então e abruptamente, uma nova conjuntura, uma espécie de “ne faites plus” sobrepondo as normas à prática do “lessez faire” até aí em vigor. Muitas macas surgiram para os detentores de dinheiro porque, as formas como esses dinheiros eram obtidos, facilmente podiam cair no âmbito do “branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”. Mas o pior não é isso. O pior é que, quem decide o que é “branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”, são os americanos, os donos originais e últimos dos dólares que existem e circulam no mundo. Aí os “endinheirados” da nossa banda, distraíram-se, mesmo com os avisos que vinham de todos os lados e meteram-se em “atalhos” e estão a viver dias muito difíceis. A vida está complicada, não acha? Assim são os americanos, os famosos “camones” dos filmes de “coboiada”. Mas ou outros também são assim.


E como é que eles pensam? Eu digo-vos. Numa ocasião, um amigo confidenciou-me dizendo ter escutado dum chinês o seguinte: “…nós e os americanos damo-nos bem; eles não confiam em nós e nós não confiamos neles; a única questão que nos divide é o bolo; eles querem o bolo todo, mas nós dizemos que não pode ser assim…”. Nas relações entre si e com os demais no mundo, a palavra “transparência” foi retirada dos seus dicionários. Transparência é algo que deve ser exigido aos fracos e dominados. Os fortes usam para o mesmo sentido e fim, a palavra “pragmatismo”, que de igual modo foi retirada do dicionário dos fracos e dominados. Por transparência o dicionário define “qualidade do que transmite a verdade sem a adulterar; qualidade de quem não tem nada a esconder; carácter do que não é fraudulento e pode vir a público”. Verdade não é coisa para os fortes. Eles são a verdade. Por isso não precisa estar no seu dicionário, pois para eles, verdade é aquilo que eles dizem que é e ponto final. Por pragmatismo, o dicionário define o seguinte “tendência a privilegiar o que é prático, útil ou concreto; teoria segundo a qual a função da inteligência não é fazer-nos conhecer as coisas, mas permitir a nossa acção sobre elas; teoria que afirma que a verdade de uma ideia reside na sua utilidade, que é determinada pelo seu êxito prático”. Com tudo isto, nós, que fazemos parte do “bolo”, na ânsia de cumprirmos com os ditames da transparência, acabamos sempre na imprudência “falta de ponderação e cuidado; acto ou dito irreflectido com possíveis consequências desagradáveis ou perigosas; leviandade; precipitação”. Responda a esta questão: Se você mostra a todos aquilo que tem em casa, e se porventura alguém o assaltar, de quem é a culpa? Que é que acha? Este é o contexto no qual, penso, estamos a viver.


Por isso, devemos ter muita atenção quando assumimos “transparência”, “boas práticas”, “estudos comparados” e toda a panóplia de “palavrões” que a todo o momento ferem os nossos ouvidos e inteligências. Na verdade, isso nada mais é do que os mecanismos para nos dominarem, instrumentalizar-nos e, com isso, subjugar-nos. Provavelmente o leitor está já a chamar-me de “subversivo”. Respeito, é a sua opinião. Mas ainda assim continuo.


Agora que parece estarmos a viver uma nova fase de guerra fria, as coisas mudaram. Continuo a pensar em função do que sei. Como são pragmáticos, por iniciativa dos americanos, era preciso “controlar” o crescimento dos diferentes países do mundo atrasado, para que o “bolo” que deveria agora ser dividido por mais dois, não fosse mais pequeno. E esses países, em crescimento, são produtores de petróleo. Como há uma nova guerra fria entre os grandes (diz-se que os elefantes, quer estejam a brincar ou a lutar, acabam sempre pisoteando o capim e tudo o que estiver à sua volta), surgem zonas de influência para cada um deles, que na verdade, se constituíram em verdadeiros campos de batalha. Foi assim que foram “pisoteados” o Iraque, com a morte de Sadam Husseim, a Líbia, eliminando Kadafi, o Egipto, coitado do Mubarak, o Brasil, Dilma e Lula em maus lençóis, a Venezuela, enfrentando escassez de divisas para comprar comida, a Síria agora, já nem se fala. O cota Zuma, meteu-se nos BRICS. A Nigéria está a braços com questões religiosas e o Boko Haram. E nós aqui na banda? Não estamos atentos. Queremos ser transparentes. Pois, saibamos o seguinte: tanto a China, através do PLANAGEO, como os americanos, pelos seus satélites de diferentes aptidões, sabem que no subsolo de Angola existem triliões de dólares. O campo de batalha está criado, só faltando os motivos que levem ao pragmatismo que eles tão bem conhecem. Os americanos e europeus falam de “corrupção e má governação”, a fim de incitarem à criação de um ambiente social insustentável, reforçado com o “jugo da dívida externa” para limitar as margens de manobra. Com isso, na defesa dos seus interesses em Angola (exploração de petróleo) iniciam um movimento de guerra, diferente da guerra civil que já vivemos, mas igualmente destrutiva. Por seu turno, e pelos mesmos motivos, a China procurando também defender os seus interesses em Angola (comprador de petróleo) procurará contrariar os desígnios do outro. Quem paga? O capim, certamente. Não está fácil, não senhor.


Agora, prestemos atenção. Porque é que eles são pragmáticos, mas não são transparentes? É que esses países fortes, o novo “Ocidente” recusa-se a efectuar o mesmo exercício (o modelo de Plano Marshall) para com os países hoje devastados por guerras, seca, fome, pobreza e miséria, mantendo o “jugo da dívida externa”, que sabem perfeitamente não funcionar (porque os americanos, na segunda guerra mundial, só decidiram pelas doações depois de uma análise minuciosa dos cenários possíveis. De facto, eles fizeram contas e sabiam que se emprestassem o dinheiro necessário aos europeus, eles comprariam efectivamente os produtos americanos, mas para que esses pudessem reembolsar esses montantes, os americanos teriam que emprestar novamente o montante do capital e dos juros pois, de outra forma, entrar-se-ia numa espiral de endividamento, tal como aconteceu na primeira guerra mundial, o que prejudicaria os seus intentos) e colocam as relações com esses países “atrasados”, aos auspícios do Banco Mundial, que também sabem não funcionar. Rejeitam o modelo a diversos países, mas fizeram-no, com muitos bons resultados, com a Coreia do Sul e com Taiwan. De facto, os EUA atribuíram excepcionalmente (diz a história), entre 1954 e 1961, à Coreia do Sul, sob a forma de doações, uma soma superior ao conjunto dos empréstimos concedidos pelo Banco Mundial aos países independentes do Terceiro Mundo, incluindo a Índia, o Paquistão, o México, o Brasil e a Nigéria, ou seja um montante de mais de 2,5 mil milhões de dólares, contra os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial ao conjunto dos PED independentes, no mesmo período, avaliado em 2,3 mil milhões de dólares. Para completar o quadro dramático que estamos a explicar, no âmbito das políticas económicas, o Banco Mundial e os Estados Unidos toleravam, na Coreia do Sul e em Taiwan, o que recusavam à Argentina, ao Brasil ou ao México. Mas tinham razão. Eles não tinham que ser transparentes. Eles são mesmos pragmáticos.


Por isso, pense comigo: se as superpotências, aqui incluindo os EUA, a Rússia, a União Europeia e a China, têm consciência perfeita que o “jugo da dívida” é o perfeito instrumento para manter os países em desenvolvimento, ou atrasados, no estado em que se encontram, porque continuam então a usar esse mesmo mecanismo? Se a experiência do “Plano Marshall” revelou ser eficaz para a reconstrução da Europa devastada pela guerra mundial, não o seria também para os países devastados por guerras internas, fome e pobreza? Como podemos então entender a boa fé das grandes potências e das suas instituições multilaterais, com o tipo de cooperação bilateral e multilateral baseadas em “jugo da dívida”? Só é possível compreender que os empréstimos com juros constituem o instrumento preferencial para supostamente financiar o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo, pois parece que as grandes potências acreditam ser necessário manter no jugo do endividamento o maior número possível de países em desenvolvimento (PED), de modo a poderem extrair o máximo rendimento possível sob a forma de pagamento da dívida (essencialmente assente na exploração dos ainda abundantes recursos naturais existentes nesses países), bem como permitir ainda a “imposição” de políticas que estejam de acordo com os seus interesses e assegurar a lealdade dos PED às instituições internacionais. Não estamos nós, os angolanos, nesta situação? E como podemos sair dela? Se o rácio dívida/PIB continua a subir a cada ano que passa, será possível manter a esperança de dias melhores, neste ambiente de permanente incerteza?


Agostinho Neto tinha razão quando afirmou “A África é um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar o seu pedaço”. Nada mais certo. E o “debicar” é sustentado pelo “jugo da dívida”, que permite a apropriação de tudo o que se pode pois, embora os juristas digam “quem pode o mais pode o menos”, eu digo “quem pode o mais pode tudo”. Estamos mesmo mal, não estamos?


Há quem diga que “a melhor forma de prever o futuro é cria-lo”. Mas, nesta conjuntura tão hostil, como poderemos prever o nosso futuro, ou melhor, como criaremos o nosso futuro? Ora, o nosso país encontra-se endividado até ao pescoço, mas continuamos a tentar, pelo mesmo mecanismo, transformar a nossa economia, que já vimos, ou pelo menos eu vi, ser impossível. A economia mundial encontra-se na mesma situação em que se encontrava a economia a americana na época de Kennedy (uma grande queda na circulação da moeda e grandes necessidades financeiras do Estado. Para não emitir mais moeda pois havia um excesso de liquidez, Kennedy criou um sistema de garantias que permitia aos investidores a obtenção de altos rendimentos). Neste sentido, é igualmente necessário encontrar um novo mecanismo para fazer circular o excesso de moeda estagnado no sistema financeiro mundial. Mas tal não pode mais ser feito através de “mecanismo de endividamento” que apenas tem servido para manter cada vez mais subdesenvolvidos os países do chamado terceiro mundo (hoje designados em desenvolvimento) ao mesmo tempo que perdem recursos tanto materiais como humanos. Igualmente, não será com a melhoria no funcionamento da nossa “banca de retalho” que iremos iniciar o nosso tão almejado processo de “diversificação económica”. Precisamos de recursos avultados para tal e possuímos activos potenciais suficientes para tornar Angola numa “Terra Prometida, onde mana leite e mel”, a visão dada por DEUS para tirar o povo de Israel da escravidão do Egipto.


Também precisamos de uma visão e temos que cria-la (a sabedoria diz que quando não há visão o povo se corrompe…). Os americanos ofereceram ao seu povo a visão do “sonho americano”. Precisamos ser sábios para ter acesso aos mecanismos financeiros da “alta finança”, pois outros países assim o fizeram. Então! Como é que achamos que os Emiratos, Singapura, Malásia, e outros se ergueram e seguem crescendo e desenvolvendo-se? Entraram e circulam livremente nos corredores da “Alta Finança”.


A alta finança é onde operam os mecanismos dos chamados PPP (Private Placement Programs”, os quais foram criados aquando do Acordo de Bretton Woods, de cuja actividade resultam grande parte dos recursos do Banco Mundial (aqueles altos rendimentos com base no sistema de garantias de Kennedy). São operados em “Trade Platforms”, cujas transacções são asseguradas pelo “Top” dos bancos mundiais. Dou um exemplo: Suponha que a nossa Centralidade do Kilamba custasse cinco mil milhões de dólares. Como é um projecto social, governamental, é aprovado no âmbito da “linha de crédito da China” e resulta assim a assinatura de um contrato. Mas o Governo angolano tem que pagar o “down payment” da operação, cerca de quinhentos milhões de dólares. Estes quinhentos milhões de dólares são aplicados nessas “Trade Platforms”, suportadas pelos “Top” bancos chineses (dos 10 maiores bancos do mundo 4, dentre eles o maior, são chineses e 4 americanos) os quais, no espaço de cerca de dois anos darão como rendimentos os cerca de cinco mil milhões de dólares que serão aplicados nessa construção, para pagamento ao construtor. Se tudo ficasse assim, a sociedade angolana cresceria no tempo, porquanto melhores condições de vida melhoram a criatividade, a produtividade e a competitividade, o que levaria ao aumento dos rendimentos gerais da população pelo aumento da riqueza nacional e, consequentemente ao aumento do consumo. Aumentando o consumo, aumentam as importações e, pelo mecanismo dos preços e dos sistemas tarifários, essa factura seria paga ao longo do tempo. Nesse esquema, ninguém ficaria a dever a ninguém. O único gasto efectivo seriam os quinhentos milhões de dólares a título de “down payment”. Foi assim que funcionou o “Plano Marshall”. Mas as coisas não são assim. Pelo mecanismo de dívida, lá se vai o nosso petróleo para Beinjing e ficamos literalmente a “ver navios”. Se falamos de cooperação mutuamente vantajosa e de ajuda ao desenvolvimento, então jamais deveria haver lugar a reembolso dos cinco mil milhões de dólares. Contudo, os outros grandes fazem a mesma coisa connosco, de outra maneira: você sabe porventura quanto é que efectivamente se explora de petróleo, quanto é que efectivamente se exporta de petróleo? Qual é o valor certo do preço do petróleo? E dos diamantes? E das importações em geral? Mas a dívida só aumenta, não obstante os recursos serem literalmente “delapidados”. Penso que poderíamos iniciar, enquanto aprendemos, com algum tipo de operações, como “futuros cambiais” para atenuar a pressão sobre as reservas cambiais actualmente, “fundos de capitalização” para criar capacidade interna de financiamento a longo prazo, especificamente ligados ao sector produtivo exportador.


Imagino no que poderá estar a pensar agora: estamos assim por causa da maldita “corrupção”. Este é um tema complicado. Mas vamos falar disso um pouco mais à frente.


O que eu quero transmitir com este texto é que entendamos que a alta finança não se compadece, nem com amadorismo, nem com o tipo de corrupção que conhecemos. É verdade. Lá, na alta finança, também há corrupção, mas de diferente calibre, porquanto, também nela, funcionam apenas seres humanos comuns, com ambições, muitas vezes desmedidas, e com muito altas expectativas. Mas aí, eventuais desmandos de imaginação são refreados e os desejos irreflectidos têm que ser moderados, pois os processos e procedimentos têm que ser realizados correctamente, no tempo apropriado e de maneira reiterada. Os impulsos descontrolados que fundamentam a nossa corrupção (a que conhecemos e vivenciamos) não fazem nem podem fazer parte do esquema. São demasiado, posso mesmo dizer, “baixos”. Temos é que aprender depressa, pois disso depende o sucesso e a prosperidade de Angola. Temos que aprender a chegar lá. O caminho é árduo, complexo, com muitos obstáculos e perigoso. Alguns angolanos, nossos compatriotas, tentaram dar o passo certo, mas acabaram colocando-se em maus lençóis. Não sabiam, por certo, que aí as coisas funcionam como na espionagem: “facilmente alguém sai de herói a vilão, ou de bestial a besta”. Até os filmes mostram isso. Depende das circunstâncias e dos interesses (política). Se as coisas correm bem você é herói ou bestial. Mas, se as coisas dão para o torto, aí viras vilão ou besta. Uma vida muito complicada, a nossa. Bom! Vamos um pouco mais adiante. Creio que o mecanismo tem funcionado connosco, mas de forma adulterada.


Todos ou muitos de nós sabemos e conseguimos perceber que para termos uma economia forte, temos de ter um sistema financeiro forte. Mas, como temos um sistema financeiro fraco, é obvio que tenhamos uma economia fraca. Mas nós próprios e também os nossos Cotas, mesmo sabendo isso almejamos, com o nosso pequeno sistema financeiro de retalho, que não consegue financiar a totalidade de uma indústria de produção e transformação de mandioca, promover a tão desejada “diversificação da economia”. Dá para acreditar? Desde a época do já ancião SEF (Saneamento Económico e Financeiro) dos anos 80, que vimos perseguindo esse desiderato. Já cansa, não é? O problema é que continuamos a pensar e a acreditar ser possível desenvolver a nossa economia, com as nossas poupanças nacionais (essencialmente de funcionários públicos e de empresários para-públicos, pois o Pai Grande criou um grande exército deles) e com base nelas conceder empréstimos de curto e médio prazos para o desenvolvimento do sector produtivo; e como não produzimos quase nada internamente, queremos fazer depender o processo de diversificação das fracas disponibilidades cambiais do Banco Central e estando a economia sob o jugo do mecanismo da dívida externa. Isto é impossível, na minha opinião pois, como já aconteceu anteriormente é, como se diz, “correr atrás do vento”.

Embora pouco se diga a respeito, e não se encontre muita bibliografia a respeito, a operacionalização do Plano Marshall, esse plano contou com a participação activa dos PPP (Private Placement Programs), através dos quais os recursos, tantos financeiros, como materiais ou humanos eram canalizados, e que continuam em vigor nos nossos dias, transacionando activos criados com base num sistema de garantias emitidas a partir de um mecanismo estabelecido por J.F. Kennedy, conforme já referido acima. Diz-se que os altos rendimentos obtidos por essa via, eram então direccionados para programas de desenvolvimento, fins humanitários e reconstrução de economias menos favorecidas, via Banco Mundial, e operacionalizados através desses PPP, cuja acção é regulada essencialmente por instituições americanas. Estes programas eram e continuam a ser realizados através de “Traders” devidamente autorizados e normalmente trabalham com o “Top” dos Bancos Mundiais. Dá para perceber as coisas, não? Esta é a “alta finança”. Vamos aos números?


Vimos acima que quem decide o que é “terrorismo” e o que é o seu “financiamento”, e o que é “branqueamento de capitais”, não somos nós, de tal maneira que, ainda que estejamos a fazer um trabalho honesto, podemos ser indiciados por crimes dessa natureza, dependendo de quem nos acusar. E, podemos ter a certeza de que seremos acusados, mesmo inocentes. Por isso, muito cuidado, é o que encarecidamente recomendo.


Mas, por favor, não se matem iniciativas visando encontrar novas e criativas formas de financiar o processo de desenvolvimento. Não se aniquile o entusiasmo de pessoas que se envolvem na criação de condições óptimas de vida para os angolanos. Quando desconhecemos o funcionamento de algo, não condenemos, sem antes estudarmos aquilo que não entendemos. Posso compreender que haja um desejo exacerbado de encontrar algo que possa ser apresentado como “bandeira” na luta contra a corrupção, mas isso não pode, aliás, não deve, de forma nenhuma, matar iniciativas criativas e honestas, o que representa um crime superior à corrupção, pois inviabiliza o país no médio e longo prazo. Não me daria ao trabalho de escrever estas linhas se não vislumbrasse o perigo que corremos como esta forma de actuação. Não se pode deixar que isto se consuma dessa maneira. Reprovamos, nas actuais tentativas de integrar a “Alta finança”. Mas não podemos desistir. Temos que continuar, pois teremos que rapidamente sair da armadilha do “mecanismo de dívida” se quisermos uma Angola melhor.

(A.S. Machado)