Luanda - A Facilidade em dizer bem, é a mesma que nos depara em sociedades modernas, onde o homem não está constrangido por inibições. A Conversa com este general decorreu nesta quarta-feira, numa das suas propriedades em Catete. Manuel Paulo Mendes de Carvalho Pacavira (Pakas) abriu-se ao AGORA, refutando aqueles que o rotulam como dissidente do MPLA. Aliás, a esse respeito é peremptório:
 

*Júlio Gomes
Fonte: Jornal Agora

Partido no poder em crise

Em Março de 2011 escreveu uma carta aberta ao Presidente da República. O que pretendia com esse gesto?

 

Sou defensor da justiça social das camadas mais desfavorecidas por causa do roubo desenfreado dos governantes. Por isso fui escrevendo para alertar o Chefe do Executivo, no sentido de acautelar a situação, em função do que se estava a passar no norte de África, devido ás falência dos sistemas, visando a satisfação das necessidades da população.

 
O Presidente reagiu?

Nunca esperei que me fosse receber, Tenho quase 60 anos e durante mais de três décadas contribui para a construção deste País. Por isso apareço apenas como conselheiro inorgânico do PR.
 

O que é um conselheiro inorgânico?

Aquele que não está dentro do sistema, mas com deveres morais para a solução dos problemas da nação. Sou também um dos obreiros da independência de Angola. Não devo só criticar, mas ajudar com sugestões. Sou um ancião que quer ver o País a marchar de forma regular.
 

Quando aderiu ao MPLA?

Nos anos 70, por força das circunstâncias. Sendo filho de um homem destemido que se bateu contra os colonialistas Portugueses, não tive outra opção.
 
Porque decidiu abandonar o Partido?

Não abandonei o MPLA, até porque sou membro da Comissão Executiva do Comité do Icolo-e-Bengo. Acho que os que me acusam de ter desertado é saíram da linha política do Partido. Esses é que estão de fora. Portanto, não mudei. Mantenho-me de ‘pedra e cal’ e não sairei porque ainda tenho muitos problemas para resolver dentro do MPLA.
 

Não tem que o seu posicionamento lhe possa valer a expulsão?

As vezes ficamos complicados quando temos fome por falta de dinheiro, mas se não saí do MPLA, não temo ser sancionado. As pessoas estão a juntar-me a posição do meu irmão, o também General Miau que aderiu de forma independente à CASA-CE, pois ele não é militante do MPLA há 25 anos. Mas seja como for, nós estamos a lutar para democratizar o País.
 
Acha que não há democracia no MPLA? 

Querem impor-nos regras com as quais não pactuamos por não sermos lacaios.
 

Por causa do seu posicionamento e do seu irmão, fala-se de um mau ambiente familiar, comentando-se mesmo que o vosso pai, muito agastado, convocou uma reunião de emergência?

Não há nenhum mau estar familiar. Mesmo o meu pai quando iniciou a luta não o fez no MPLA. Foi tudo feito pela Pátria tal como nós agora. Não estamos preocupados com Partido, mas sim a Pátria. Além disso, cada um de nós é livre de escolher o seu caminho.

 
Mas não haverá nenhuma instabilidade familiar?

O meu pai é democrata e se existe um sobrinho seu que terá vazado esta informação à comunicação social, devia identificar-se porque nós não o conhecemos. O velho (numa referência ao pai) goza de boa saúde. A nossa família é una e indivisível. Por isso, havendo equívocos, esse meu primo, devia dizer quando é que houve essa reunião. Já temos idade bastante para dirigirmos os destinos das nossas vidas. Não somos peças de caprichos de ninguém. Somos filhos de um herói que desafiou os opressores portugueses, tenho sido condenado a 10 anos de prisão efectiva e dois de prisão domiciliar, em Luanda. Não somos apaixonados políticos, estamos preocupados com a Pátria e não com o dinheiro.
 

Se o seu tio Hoji-Ya-Henda estivesse vivo não acha que seria fulminado por uma crise de nervos?

Sentir-se-ia muito orgulhoso porque estamos a dar continuidade à obra que iniciou.
 
Um segmento da juventude tem-se manifestado contra a continuação do PR no leme do País, depois de 33 anos. Nos seus escritos “Os Conselhos do General”, nas redes sociais tem defendido estes jovens descontentes. Porquê?

É uma pena que a determinada altura o PR tenha dito que está desiludido com os filhos do Mendes de Carvalho quando ele é produto do meu Pai. Nós não gostamos da má gestão do PR, da política de quadros, promoções, nomeações e passagem à reforma. Quem tem três décadas no poder não acha que é muito e prejudica a ascensão da juventude? Como é que vamos revolucionar o País em termos de ideias se hoje as visões são outras?
 

Os jovens manifestantes não estarão equivocados?  

Não, de forma alguma. Eles quando vão à praça o fazem para reivindicar o custo das propinas nas escolas, ou a falta de oportunidades a que estão sujeitos. É muito mais fácil entendê-los. Mas ameaça-los e avançar com discursos como o do PR a traduzir que “quando nasceu já havia fome”, então o que foi fazer no Maquis? Estes jovens se estivessem bem, ficariam em casa descansados.
 

Quem é o principal destinatário dos seus escritos?

De uma forma geral encaminho-os a quem manda neste País, às instâncias governamentais e aos jovens. Praticamente sou activista político.
 

Diz-se que quando o PR tomou contacto com os seus escritos terá exclamado: “até os filhos do camarada Mendes de Carvalho estão contra mim”…

Não estamos contra ele, mas contra as suas atitudes. Deixou de governar de forma positiva os destinos do País. Está a fazer de todos os angolanos peças dos caprichos pessoais.
 

Como avalia o actual momento politico e económico do País?

Mau, muito mau. Com todos estes ladrões a solta acha que o País pode caminhar bem?

 
Mas as autoridades gabam-se do crescimento económico?

Tem de haver uma melhor distribuição da riqueza nacional. É que não foram só os generais que lutaram. Os soldados a quem prometemos uma vida melhor depois da guerra também merecem o seu quinhão. Apregoar que nem toda gente nasceu para ser rica é injusto. 
 
Nas vestes de empresário acha que o executivo tem feito o suficiente para o surgimento de uma classe sólida de homens empreendedores no País?
Boa parte das personalidades que conformam o executivo faz negócios, acabando por ser árbitros e ao mesmo tempo jogadores. Boa parte dos dirigentes negociantes comem tudo e nada deixam para os outros. Não estão interessados em apoiar o empresariado. São os maiores corruptos, e por isso não há nenhuma seriedade na gestão da coisa pública.
 

Tem sugestões para a saída desse ‘caos’?

É preciso potenciar os angolanos, dando-lhes oportunidades. Devem ter dinheiro e não apadrinhar estrangeiros e relegar os nativos para segundo plano. A continuar assim, acabaremos por ser serventes na nossa própria terra.
 

Sente-se excluído?

Absolutamente! Estou frustrado, mas sinto-me honrado.
 

Soubemos que por altura da visita do governador Bento Bento, ao Icolo-e-Bengo, que passou para a jurisdição de Luanda apontou casos flagrantes de altos responsáveis corruptos. Mantém o mesmo discurso?

Os maiores corruptos são mesmo os nossos camaradas do MPLA que governam o País.
 
Como vê o desenvolvimento de Icolo-e-Bengo?

Esta é uma região esquecida. Há uma tendência de ofuscar a história e as gentes desta região. Acha que o novo aeroporto internacional não deveria ficar no Bengo? Essa nova divisão administrativa empobreceu ainda mais a província e considero-a um mero negócio. Há muita injustiça e, por isso, havemos de resistir às últimas consequências!

 
Não estará a extremar de mais as suas posições?

Não fui um peão dentro do sistema. Sempre fui responsável de topo e, por isso, julgo ter uma palavra a dizer.
 

Que avaliação faz do governador de Luanda?

É uma excelente pessoa. Acho que em vez do PR ir a busca de Manuel Vicente para segunda posição da lista de deputados do MPLA, seria melhor Bento Bento que é uma figura idónea, capaz e carismática. Então uma pessoa que ganhou as eleições na praça de Luanda, a maior do País não deve ser tida em conta? Apesar de haver pessoas que o querem destruir dentro do Partido, considero-o um homem íntegro.
 

Na perspectiva de atacar a corrupção, as autoridades decidiram avançar com a chama ‘Tolerância Zero’. Esta iniciativa do Executivo nada lhe diz?

Ela diz porque os gatunos andam à solta. De resto, não se implementou mesmo nada.
 

Sentem-se bem com a actual Constituição da República?

Muito mal. Eu votei contra a proposta na conferência do Partido, na presença do meu amigo, o finado camarada Paulo Jorge, por entender que com o poder absoluto do PR fica tudo mais complicado. Não tenho inveja de ninguém, mas lutei para usufruir e não gerir tostões.
 
Um olhar ao nosso sistema de ensino?

É um fracasso. As crianças não aprendem bem e quem está no ensino médio ou no superior não sabe escrever. Não sabem tabuada nem noções básicas de aritmética que são as estradas para a matemática. Que País queremos construir, quando se sabe que a vida é um somatório de operações matemáticas? Estamos a matar o País com quadros medíocres. É por isso que depois têm de vir contratos bilionários Chineses que incluem a entrada desnecessária de muitos irmãos de olhos rasgados, uma séria ameaça à nossa soberania. Os Chineses deviam cá vir apenas para a formação de Angolanos e regressar. Ao contrário, esta comunidade de estrangeiros, por causa da nossa permissividade, há-de aumentar consideravelmente, prejudicando o nosso desenvolvimento.