Luanda - Faltam dois dias para as eleições em Angola. Muitos cristãos não sabem o que fazer com seu voto. Também sou angolano e, portando, compreendo. Estamos com medo do futuro governo. Não temos garantias se nossas necessidades serão enfim resolvidas. A vida em Angola não está fácil. Os sonhos dos jovens não se realizam. Ainda dormimos em casas que parecem pocilgas de animais. Ainda não temos água potável, a que temos nos tanques está contaminada e nos mata aos poucos. Ainda não temos energia eletrica, o ruído dos geradores acabou com nosso sossego. Nossas crianças mendigas dos musseques esquecidos. Nossos miúdos diambulam nas ruas, miúdos, descalços, chupando gasolina e não sabem ler nem escrever.


Fonte: Club-k.net

Então, este é meu penúltimo texto antes das eleições. Escreverei outros no contexto pós-eleitoral. Porém, antes de continuar este texto, permita-me uma breve apresentação pessoal para que saibam que escrevo com propriedade os argumentos que apresentarei a seguir.

Sou teológo e professor de seminário teológico, formando bacharéis em Teologia nas disciplinas de Antropologia Cultural, Missiologia, Filosofia, História da Igreja e Panorama do Novo Testamento. Eu não sou militante da UNITA. Bom, apresentei-me!

Tenho a certeza de que este texto ajudará muitos leitores. Contudo, ficarei satisfeito se, ao final dele, eu tiver conseguido alcançar três modestos objetivos. Tais objetivos se resumem em responder a três perguntas. Essas são as perguntas mais poderosas e intrigantes para os cristãos angolanos, porque a maioria da população angolana é cristã. Setenta vírgula um por cento de cristãos de Angola tentam encontrar as respostas para essas três perguntas. E essas três perguntas controlam cada cristão angolano. Essas perguntas são tão poderosas que, na verdade, são a causa de tantos desastres religiosos no nosso país. Na verdade, os pastores, padres, bispos,diáconos, presbíteros em Angola estão à procura de respostas para essas perguntas. Essas três perguntas são tão poderosas, que influenciaram a vida da Igreja desde os tempos do imperador romano Constantino. O problema é que, enquanto você não encontrar respostas para elas, você jamais terá como exercer sua cidadania como angolano.

Bom, chega de blá-blá. Vamos à  primeira pergunta.


1. A IGREJA PODE SE ENVOLVER NA POLÍTICA?


Do ponto de vista da Bíblia, a resposta a esta pergunta é um sonoro NÃO. A Igreja deve ser apartidária. Ela não deve apoiar nenhum candidato político. Os líderes da Igreja que incitam seus membros a votarem nesse ou naquele candidato cometem o pecado deplorável. Tenho várias razões para sustentar minha posição.

a) Sempre que a Igreja se uniu com os políticos, houve tragédia. Exemplo disso foi a tempestuosa relação da Igreja com Constantino, que provocou a abominável paganização da Igreja. A junção entre religião e estado é também a razão da guerra religiosa no Médio Oriente. Nesse sentido, a Igreja, enquanto corpo de Cristo, pode ajudar o governo eleito no ensino, na pregação do Evangelho e na transformação de vida. Porém, jamais participar em campanhas de sensibilização dos cristãos para votarem num determinado candidato.

b) Outra tarefa da igreja é orar para que o povo escolha os melhores políticos para o benefícios dos angolanos. A igreja deve orar em busca da orientação do Senhor para o voto certo. Para que Deus ajude a escolher o candidato que se interessa pelo povo. A igreja deve também mostrar  aos seus membros a importância do voto. Ensiná-lo a não vender o voto. Dizer-lhe que não deve receber, chapéu, lapiseira, bicicleta ou qualquer coisa em troca do voto. Mostrar aos membros que o VOTO NÃO TEM PREÇO, TEM CONSEQUÊNCIAS. A Igreja de verdade não deve dar o púlpito para determinados candidatos fazerem nele sua campanhas. Todos sabemos que a política é suja, e o púlpito é santo. É lugar para pessoas consagradas pregarem a mensagem do Evangelho de Cristo. A posição da Igreja deve ser de total independência em relação aos políticos. Devem ser encarados como líderes políticos, jamais como líderes da Igreja do Senhor. Uma Igreja onde a política está infiltrada pode ser outra coisa, mas não é Igreja. Pastores, presbíteros, diáconos, padres, bispos, povo de Deus, não se deixem enganar por homens que, visando votos, prometem maravilhas!

c) É lamentável, mas, em Angola, muitas igrejas se corromperam, perdendo de vista os seus objetivos primeiros: servir a Deus e pregar o Evangelho a todas as criaturas! A ingenuidade de algumas Igrejas chegou ao ridículo, deixando-se levar pela política, envolvendo-se e comprometendo-se vergonhosamente. Sãos pastores e líderes de igrejas  que literalmente “vendem” o direito do cidadão por migalhas e chegam ao cúmulo do absurdo de levar, em muitos casos, homens ímpios aos seus púlpitos, para que exponham suas mentiras monstruosas e enganadoras, com fim apenas eleitoral.
Tais pastores serão culpados diante de Deus, não cuidando bem do rebanho que Deus lhes colocou nas mãos para cuidar. O líder de uma igreja que diz que ama Jesus deve cuidar das suas ovelhas.

“Quando eles acabaram de comer, Jesus perguntou a Simão Pedro: — Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros me amam? — Sim, o senhor sabe que eu o amo, Senhor! — respondeu ele. Então Jesus lhe disse: — Tome conta das minhas ovelhas” (João 21.15, NTLH).

Os pastores e líderes religiosos precisam se lembrar de que vão ter de prestar contas do trabalho que eles fizeram pelas suas ovelhas, do cuidado que cada um teve pelas suas ovelhas. Portanto, pastor, bispo, guia, seja qual for o título, cuide das suas atitudes, porque não haverá desculpas na hora de prestar contas a Deus.

 “Obedecei a vossos pastores e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossa alma, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (Hebreus 13.17).

Com isso em mente, os líderes devem saber que o que não pode acontecer é a igreja, ou parte dela, construir ideologias partidárias, tomando rumos específicos. Fazendo assim, ela desvirtua de seu sentido e de sua missão.

d) Por outro lado, eis um texto Bíblico que deveria fazer a Igreja repensar toda a sua atitude antes de apoiar certos candidatos políticos:

 “Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme” (Provérbios 29.2)

Esse texto, escrito por um rei, diz tudo. É notório que atualmente é “quase” impossível haver um justo no governo de Angola. Por isso, a igreja não tem esperança de que o povo poderá algum dia se alegrar. Porém, pior do que não haver justos na política é a Igreja apoiar ímpios que fazem o povo gemer. Ímpios que fazem o povo morrer de cólera pela falta de água tratada. Ímpios que fazem o povo morrer de malária, porque as casas onde as pessoas dormem em outros países serão habitação de animais domésticos. Fazem o povo gemer, porque ainda há angolanos morrendo de fome. Nenhum líder religioso sensato apoiaria uma ditadura que acaba com a vida de seus fiéis, a não ser que ganhe alguma recompensa por isso.

e) Finalmente, o apóstolo Paulo escreveu o que “...a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1Tim 3,15). Se a igreja é a coluna e o alicerce da verdade, ela não deve apoiar homens mentirosos. Homens cuja origem é desconhecida. Homens que não sabemos se são angolanos ou não.

E todos sabemos que, durante 33 anos, Angola foi governada por homens mentirosos, que são também prostitutos. Políticos que abusam de menores de idade, as chamadas catorzinhas. Políticos que governam na base de feitiço e pactos que fazem com o próprio Satanás. Como pode uma igreja, sendo a essência da verdade, misturar-se com políticos que subjugam o povo? Como podem os líderes católicos, tocoístas, o Conselho das Igrejas Cristãs de Angola (CICA) e outras organizações religiosas decidirem se sentar à mesa com os políticos que representam a corrupção, o roubo do dinheiro público etc? Os líderes dessas Igrejas não sabem que suas ovelhas vivem vidas míseras, como sungueiras que tentam remediar a desgraça? Qualquer cristão que crê em Jesus e que está em sã consciência não votaria em políticos que enriqueceram ilicitamente. Políticos que privatizaram o país. Políticos que fizeram da telefonia, TV, bancos, o dinheiro do petróleo e os diamantes propriedades suas e de seus filhos, em detrimento dos angolanos.

Eu sou da seguinte opinião, apoiada na Bíblia Sagrada, que é o manual de fé dos cristãos: a Igreja, como instituição, não deve entrar na política defendendo ou incriminando candidatos políticos. A Igreja, como instituição, não deve se envolver na política de nenhuma forma, pois, quando o faz, ela e os seus líderes se tornam tão sujos e corruptos quanto os políticos que apoiam. Mas, se uma pessoa cristã quer ser política, ele pode se tornar, desde que não traga sua politicagem para a Igreja. Assim, os que exercem mandatos políticos devem fazê-lo fora dos limites da Igreja.


2. POR QUE OS CRISTÃOS VOTAM?

Os cristãos não votam na qualidade de cristãos. Os cristãos não votam em nome da Igreja. Eles votam como cidadãos de um determinado país. Eles votam para exercerem sua cidadania. Eles votam para se enquadrarem nas leis que regem a nação e para cumpri-las, como um bom patriota (2 Samuel 10.12; Salmos 137.1; Isaías 66.10).
Pagamos os impostos e taxas de circulação para “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21), apesar de que o dinheiro que pagamos em nossas obrigações, os governos corruptos dividem com seus familiares e amigos.
Porém, mesmo assim, os cristãos votam nos políticos que asfaltam suas ruas. Eles votam em políticos que dirigem o povo e não o petróleo e os diamantes. Eles votam em políticos que cumprem com o que prometem. Eles votam em políticos que sabem que construir casas para os necessitados é sua tarefa. Fazer uma ponte é tarefa do governo. Construir casas é obrigação do governo. Fazer programas para acabar com as bualas e musseques pobres é obrigação do governo. Eles votam em governo que não parte a casa dos pobres. Eles votam em políticos que não fraudam eleições! Políticos que aceitam deixar o poder quando perdem a eleição!

Aliás, vocês sabem que o slogan “MPLA, Angola a crescer mais e a distribuir melhor”, Programa “Luz para Todos” e Programa “Água para todos”, o MPLA copiou do governo Lula e Dilma no Brasil? Ao votar, o cristão deve saber que, se um político não te deu nada durante 33 anos de poder, não vai ajudá-lo em 5 anos.


3. QUAL É O PAPEL DA IGREJA?

A verdadeira igreja não deve apoiar ditadores. Ditadores só fazem mal ao povo. Ditadores geram miséria. Ditadores partem as casas do pobres! Ditadores reprimem a própria Igreja. Fiquei com envergonha quando os religiosos angolanos, em nome de todos nós, proclamaram seu culto à personalidade diabólica de Eduardo dos Santos, o “Escolhido de Deus”. Deus pactua com a ditadura? Deus não está nesse negócio. São os líderes religiosos que ganham dinheiro e carros para fazerem tal escolha. Como que Deus pode escolher um homem, cujo coração é coberto por trevas tão negras quanto o coração do próprio Satã? Como pode se dar isso, se não há comunhão entre a luz (Deus) e as trevas? Ou os líderes religiosos angolanos são biblicamente analfabetos? Ainda não entendi como pastores podem proferir tal heresia satânica.

Em vez de ficar idolatrando um homem, como o déspota angolano, o papel da Igreja deveria ser o de

a) pregar o Evangelho a todas as pessoas;

b) exercer sua função “tribunícia” a favor das vítimas de injustiças;

c) anotar todas as promessas de campanha a fim de ser um aguilhão na consciência dos que mentiram para o povo;

d) servir de intermediária entre o Governo e as reivindicações das classes governadas;

e) Condenar todo tipo de uso abusivo do poder, como fez o profeta Jeremias. O profeta denunciou os políticos corruptos de sua época. O profeta Isaías é corretamente denominado pelos estudiosos de “profeta da justiça social”. Sua reivindicação pela justiça social, como resultado de uma política responsável e consciente, era a reivindicação do próprio Deus que o enviara a profetizar.

f) se opor a este capaz de mudar a história de um país, quando ela se ajoelha e se humilha, pedindo a Deus que restaure sua Nação, como promete o próprio Deus: “e se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra” (2 Crónicas 7.14). Se Angola for de Deus, viveremos com menos problemas, pois “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo que ele escolheu para sua herança” (Salmos 33.12);

g) defender os pobres, entre os quais há vários filhos de Deus. Os pobres são portadores de salvação e, por isso, o discurso da Igreja tem de sempre passar a favor dos pobres, como que um mandato da Igreja. A Igreja deve também denunciar as injustiças contra os desfavorecidos.

O exemplo da igreja brasileira

A Igreja brasileira é exemplo concreto de como a Igreja pode mudar os resultados das eleições e reescrever a história de um país. A Igreja evangélica, por si só, pode eleger o presidente do país. Os políticos brasileiros têm medo do poder de escolha da Igreja, que é consciente e sabe tirar o poder aos candidatos inadequados ao governo do país. Exemplo disso foi o que aconteceu nas últimas eleições que elegeram a presidente Dilma Rousseff. Durante a campanha eleitoral, presionada pelo povo cristão brasileiro, Dilma teve de mudar de opinião. Antes favorável ao aborto, passou dizer-se contra e afirmar que quer tratar o assunto como “questão de saúde pública”. O mesmo pode acontecer em Angola. Se o povo cristão exigir mudança de postura, o regime angolano vai ser obrigado a abandonar seu velho hábito de roubar o dinheiro do povo angolano, de manter a máquina da corrupção, de perseuir e assassinar adversários políticos etc.


DEUS AJUDE ANGOLA!


O autor

Ribeiro Tenguna é escritor, membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola e do Grupo Experimental da Academia de Letras. É Gestor de Empresas, Teólogo, Especialista em Resolução de Conflitos e Master in Business Administration.