O maior escritor angolano recebeu este ano pela primeira vez um prémio outorgado pela sua pátria. Luandino Vieira foi um dos agraciados com a edição 2008 do Prémio Nacional de Cultura e Artes, promovido desde 2001 pelo ministério da Cultura. O reconhecimento só tem um defeito: é tardio. Mas, como diz o adágio popular, mais vale tarde do que nunca.
A obra de Luandino é tão rica, complexa e multifacetada, que não pode ser analisada apenas sob uma perspectiva. Neste instante, pretendo realçar unicamente um aspecto: a elevadíssima sublimação artística a que Luandino submeteu as suas experiências de vida, os seus ideais e os seus compromissos pessoais e colectivos.
A sua obra prova que não existe qualquer contradição entre arte e política, no sentido radical e nobre da palavra “política”, ou seja, acção destinada a organizar a vida social de acordo com valores, princípios e objectivos discutidos e definidos pela própria comunidade e não uma mera estratégia de poder pelo poder.
Nesse sentido, a lição de Luandino é dupla: por um lado, mostra aos ingénuos e bem intencionados que não basta ter ideias generosas para se ser escritor; e, por outro lado, desmascara aqueles que, por puro preconceito, vilipendiam toda a arte política, em especial quando produzida por autores de diferente opção ideológica ou eventualmente partidária.
O exemplo pessoal de Luandino também tem de ser justamente exaltado, numa época que o sucesso a qualquer custo (e quanto mais rápido, melhor) se tornou a obsessão da maioria dos seres humanos, inclusive os intelectuais.
Contrastando, por exemplo, com os escritores que passam a vida atrás de festivais, conferências e galardões – confundindo literatura com marketing -, Luandino prefere viver quase recluso (ainda bem, para nós, seus amigos, que a reclusão não é completa). Em 2006, recusou mesmo o Prémio Camões de Literatura, o Cervantes da língua portuguesa (os portugueses talvez não gostem muito da comparação, mas, como angolano, não tenho nada a ver com essa maka).
Não resisto, neste ponto, a partilhar com os habituais leitores desta coluna uma especulação rigorosamente pessoal: na minha opinião, Luandino recusou o Prémio Camões, há dois anos, precisamente porque a sua pátria ainda não lhe havia outorgado qualquer distinção literária (e não só), que há muito ele merecia. Felizmente, essa falha acaba de ser resolvida pelo júri do Prémio Nacional de Cultura e Artes.
Aliás, o referido júri fez este ano um trabalho especialmente judicioso. O foco esteve concentrado no conjunto das obras ou no mérito global dos candidatos, o que, dada a natureza do prémio, considero acertadíssimo.
Além de Luandino, os jurados fizeram igualmente justiça com outros premiados, como o grupo teatral Elinga, o artista plástico Van e o falecido realizador Carlos Henriques. A escolha de Paulo Flores (uma cantor cada vez mais maduro e criativo, amado por jovens e velhos), do investigador Carlos Lopes e do grupo de dança Kamatemba, do Huambo, parece-me, do mesmo modo, indiscutível.
Quando anunciaram os vencedores deste ano do Prémio Nacional de Cultura e Artes, os dois vice-ministros da Cultura, os escritores Cornélio Caley e Luís Kandjimbo (primeiro os mais-velhos), exortaram a uma maior valorização do mesmo. Acredito que toda a sociedade concorda e apoia a referida exortação.
Os prémios, em qualquer actividade, são ao mesmo tempo uma modalidade de reconhecimento de quem estiver envolvido nelas e um meio de contribuir para o desenvolvimento dessas actividades. Num cenário onde impera o novo-riquismo e em que as mundanices e frivolidades é que “estão a dar”, premiar os fazedores de cultura é particularmente reconfortante.
Não entendo, por isso, o “fogo de artificio” feito pela imprensa devido ao facto de, este ano, o júri do Prémio Nacional de Cultura e Artes ter premiado todas as categorias, como se isso fosse uma obrigação. Não é. A obrigação de qualquer júri é premiar realmente os melhores, procurando, se possível, distinguir a excelência. Como, parece-me, o fez este ano.
Na verdade, exigir que os júris atribuam prémios, digamos assim, a qualquer preço, é um sintoma da mediocridade que pretende impor-se na nossa sociedade. É imperioso impedi-lo.
Ah, ainda a propósito de prémios: a inveja é uma m…
P.S. – No próximo mês de Novembro estarei de férias. Conto voltar ao convívio dos leitores em Dezembro.
* João Melo, jornalista e escritor angolano, é diretor da Revista África21 e assina coluna no Jornal de Angola
Fonte: África21