Luanda - O procurador-geral adjunto da República, Beato Manuel Paulo, confirmou formalmente que o activista cívico José Gama está interditado de deixar o território nacional e, por isso, impedido de viajar na madrugada de 29 de Agosto, para Lisboa, como havia planeado.

Fonte: Maka Angola

A 23 de Agosto, Maka Angola revelou a existência de um mandado de interdição de saída do país contra José Gama e o analista independente Lucas Pedro, ambos conotados com a plataforma de notícias online Club-K, baseada no exterior de Angola.

Segundo o despacho assinado por Beato Manuel Paulo, a que o Maka Angola teve acesso hoje, “correm termos na DNIAP os Processos-Crime n° 47/13 e 74/13 em que o Sr. José Joaquim Pereira da Gama figura como arguido pelos crimes de injúrias contra autoridade pública, difamação e calúnia”. As autoridades públicas em questão são o procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, e o director nacional da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), comissário-chefe Pedro Alexandre, visados em artigos anónimos no Club-K.

O despacho justifica a decisão de impedir a saída do activista por este não ter comparecido a interrogatório, a 12 e 19 de Julho de 2013. José Gama foi notificado com menos de 24 horas de antecedência para responder na primeira data. Todavia, o procurador-geral adjunto reconheceu que o advogado de defesa requereu a alteração das datas das audiências.

Narrativa Cronológica

José Gama disse ao Maka Angola que chegou ao país, proveniente da África do Sul, onde reside há 16 anos, a 4 de Julho passado. “As autoridades [DNIAP] notificaram-me no aeroporto, quando cheguei, depois do meio-dia, para ir depor no mesmo dia. Tinha de comunicar ao advogado e só fui no dia seguinte. Não tinha planos para viajar”.

A 5 de Julho, José Gama e Lucas Pedro foram interrogados na Procuradoria-Geral por mais de quatro horas.

No dia 9 de Julho, a directora-nacional do DNIAP, a sub-procuradora-geral da República, Júlia Rosa de Lacerda Gonçalves, interrogou de novo os dois cidadãos.

A DNIAP constituiu José Gama e Lucas Pedro em arguidos por crimes de abuso de imprensa, difamação, calúnia e injúrias em dois processos criminais distintos, um movido pelo general João Maria de Sousa e outro pelo comissário-chefe Pedro Alexandre, diretor da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), por artigos publicados no Club-K.

A Gama foi aplicado o termo de identidade e residência. O activista estabeleceu, para o efeito, a África do Sul como seu país de residência. O referido termo anotou também os endereços residenciais e de serviço da mãe do arguido para notificação. Apesar de não ter informado os arguidos, no mesmo dia Júlia Rosa de Lacerda Gonçalves emitiu a instrução n°650/13-DNIAP-Proc. n° 47/13, interditando a saída do país de José Gama e Lucas Pedro .

Os arguidos receberam notificações, na tarde de 11 de Julho, para nova sessão de interrogatórios na DNIAP, no dia seguinte de manhã. Os advogados de defesa solicitaram marcação de nova data.

A 15 de Julho, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), notificou novamente José Gama, para comparecer para interrogatório a 19 de Julho. No mesmo dia, de forma cruzada, deu entrada na DNIAP, uma carta do escritório de advogados da Associação Mãos Livres, a informar sobre a deslocação de José Gama à África do Sul, a 16 de Julho, para acompanhar a mãe que requeria tratamento médico de emergência. O activista regressou a 20 de Julho e, desde então, não recebeu qualquer outra notificação.

“De forma muito estranha e duvidosa, o Sr. José Joaquim Pereira da Gama conseguiu sair do país no dia 16/07/13 quando vigorava a interdição”, escreveu Beato Manuel Paulo no despacho assinado a 27 de Agosto.

O adjunto do general João Maria de Sousa informou o arguido que foi aberto um processo de inquérito preliminar, registado sob o nº 14/2013 INQ., para apurar as circunstâncias que permitiram a saída de José Gama do país, a 16 de Julho.

“Ainda de forma estranha ficámos a saber que o Sr. José Joaquim Pereira da Gama já se encontra em Luanda, mas o SME não confirma no sistema o registo da sua entrada”, concluiu o magistrado.

Para Salvador Freire, presidente da associação Mãos Livres, “a atitude da PGR é lamentável. Estranhamos que o magistrado tenha afirmado que o Gama entrou e saiu de forma duvidosa. Estão estampados, no seu passaporte, os carimbos de entrada e saída de Angola, do SME. Sinceramente não compreendemos”.

“O termo de identidade e residência do José Gama não revela nenhuma interdição de saída do país. O crime de que é acusado admite liberdade e basta-lhe informar sobre o seu paradeiro para efeitos de notificação”, acrescentou.

O advogado notou também que o co-arguido Lucas Pedro não se ausentou do país ou manifestou tal interesse de imediato, mas foi interditado à mesma, a 9 de Julho passado. “Porquê?”, questionou o causídico.

Os Artigos

A base das acções judiciais contra José Gama e Lucas Pedro inclui um artigo publicado a 29 de Janeiro passado no Club-K, que alegava que o Procurador-Geral da República estabeleceu um pacto com o seu advogado português, Paulo Amaral Blanco, para usufruto pessoal de US $10 milhões de dólares, dos fundos recuperados em Portugal, no âmbito do caso do Banco Nacional de Angola (BNA).

Num segundo artigo, o Club-K reproduziu uma notícia do jornal português Expresso, sobre a investigação contra o general João Maria de Sousa, em Portugal, por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, sob processo administrativo 1764/11 Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Finalmente, a 5 de Março, o referido portal publicou um texto alegando que o procurador-geral da República de Angola adquiriu uma mansão em Lisboa.

Por sua vez, o director nacional da DNIC, comissário-chefe Pedro Alexandre, intentou outra acção contra o mesmo portal, por denúncia de um alegado caso de tortura cometido por efectivos da instituição que dirige.