Luanda - Os cidadãos angolanos, vão continuar a ter muitos motivos para continuar a olhar com desconfiança sobre as decisões que são tomadas pelos  órgãos da justiça penal nos pontos de vista do bom senso,  da  racionalidade e até da equidistância da influência política, tendo em atenção conhecidos princípios universais.

 

* Alexandre Neto

Fonte: MISA-Angola

LEI 23/10

Como explicar ao mundo que se adiem julgamentos por duas, três, quatro vezes ou mais? Como explicar que na capital dum país, um procurador desconheça da existência dum diploma legal tão importante para a democracia? Como entender que o juiz Salomão Filipe se deixe subalternizar pelo representante do ministério público, quando sem pedir palavra, dispara impropérios verbais contra uma plateia rindo-se dos seus argumentos de falta de conhecimento da existência duma lei? Etc.

 

Enfim...Começou o Julgamento?

Afim de estar presente em audiência de julgamento, Domingos da Cruz, escritor,  jornalista e professor, foi notificado a comparecer no dia 30 de Agosto no Tribunal de Luanda. O réu compareceu antes da 9:30 horas, hora da notificação. É bom recordar que se não tivesse tido lugar esta audiência poderia considerar-se este o quarto adiamento.  Tudo indica que foi por pressão da defesa que ameaçou não voltar ao tribunal caso fosse adiado uma vez mais o julgamento, que o juiz decidiu  optar pelo “simulacro” de abertura.

 

Da Encenação do Juiz e do Procurador

A sessão estava marcada para as 9:30 horas.

 

Pouco depois da hora marcada, o juiz, em traje informal entra na  sala onde já se encontrava o réu e uma plateia de jovens, contando-se entre eles os familiares, amigos e simpatizantes da causa. O juiz dirige-lhes a palavra e pergunta,   “estão prontos?” ...E retorna ao gabinete.

 

A sessão viria a ter início, pouco depois das 10:30 horas, desta vez com ministério público, escrivã e mais... Dirigindo-se às partes, o juiz pergunta se havia  alguma consideração a fazer como ponto prévio! Da defesa entretanto, o juiz tinha recebido uma Contestação por escrito.

 

No essencial, o advogado Walter Tondela punha em causa a acusação e a pronúncia do “Crime de Instigação á desobediência colectiva” fundado no artigo 24 da lei Nº 7/78 de 26 de Maio.

 

“A lei a que se refere a acusação” lia-se na contestação, “foi revogada pela lei 23/10 de 03 de Dezembro, lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado. E neste diploma legal, nenhuma das suas disposições consta o crime de que  vem sendo acusado” estivemos a citar.

 

Quando chega a vez do representante do ministério público tomar a palavra, eis que a plateia quase não resiste ás gargalhadas.

Diz o “excelentíssimo”, cujo nome não conseguimos apurar (perdoem-me a imprecisão, eles blindam-se de tal modo que  evitam revelar os seus nomes, ante a  negativa notoriedade a que se sujeitam), “tenho sérias dúvidas da vigência da lei 7/78. O MP, precisará de fazer um estudo com base na lei 7/78 e da lei 23/10 para chegar a uma conclusão... Pede que se adie a audiência”.

DESPACHO DO JUÍZ

“Em contestação, o representante da defesa suscitou uma questão prévia com fundamento da revogação da lei 7/78, diploma utilizado pelo representante do MP para indiciar o réu nos autos. Contudo na contestação apresentada a defesa vem mostrar que o diploma em referencia está efectivamente revogado, fazendo alusão a lei 23/10 , sendo a que vigora para o crime imputado. Ouvido o ministério público, requereu o adiamento da audiência para que possa consultar e aferir o quanto foi evocado.” Juiz:

 

“Defere o requerimento do MP.

Sessão suspensa para sexta-feira dia 6 de Setembro, para continuação do julgamento, ou mero despacho”Em verdade, com base na lei, não há como condenar Domingos da Cruz.

 

Consciente da insustentabilidade legal desta queixa, o representante do ministério público devia desistir da queixa e fazer jus á instituição guardiã da legalidade.

 

O que se prevê que vai acontecer (se não for adiada a sessão) é que se fique por um despacho que feche o caso, mas para o mundo enviamos a  imagem duma ordem social onde o Executivo contende  a Constituição e está em permanente “guerra” com jornalistas e usando legislação do século XVIII, tipifica crimes de delito de opinião.