Luanda - Discurso de encerramento da I conferência sobre a institucionalização do poder local – 29 e 30 de agosto de 2013

REPÚBLICA DE ANGOLA
ASSEMBLEIA NACIONAL
GRUPO PARLAMENTAR DA UNITA
GABINETE DO PRESIDENTE

CONFERÊNCIA SOBRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PODER LOCAL – 29 E 30 DE AGOSTO DE 2013


Excelência Senhor Vice-Presidente da UNITA e 3º Vice-Presidente da Assembleia Nacional;
Ilustres Deputados, Representantes do Povo de Angola;
Digno Presidente da Câmara Municipal de Ribeira Grande de Santo Antão de Cabo Verde;
Caros Convidados;
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Permitam-me, em primeiro lugar, que exprima, em nome do Grupo Parlamentar da UNITA que humildemente dirijo, a minha profunda gratidão por terem respondido ao nosso convite para, durante dois dias, estarmos aqui nesta Sala 2 da Assembleia Nacional com a finalidade de reflectirmos em conjunto os caminhos a percorrer rumo à institucionalização do poder local, rumo à concretização da democracia no nosso país. A importância do assunto é notória na representação nacional que temos nesta Sala e neste evento.

O meu agradecimento muito especial vai para Sua Excelência Orlando Delgado, Autarca de Ribeira Grande de Santo Antão, que voou de Cabo Verde para Angola para nos honrar com a sua presença e brindar com a sua experiência sobre o poder local. Deixe-me agradecer, em nome do meu Partido, o convite que publicamente formulou para visitarmos Cabo Verde, e dizer que será com o maior dos prazeres que o faremos.

Um agradecimento particular é dirigido ao nosso brilhante painel de prelectores que, ontem e hoje, mostraram que sabem o que dizem e que dizem o que sabem.

A UNITA, através do seu Grupo Parlamentar, dá, assim, o passo em frente, necessário, urgente e premente, tendente a cobrir o vazio existente, em termos legislativos, o que cria a ponte para essa almejada e prioritária institucionalização do poder local em Angola. A importância do que aqui viemos fazer é bem patente até no facto de se terem juntado, nesta sala, angolanos da UNITA, do MPLA e de outras formações políticas, com ou sem representação parlamentar; angolanos provenientes de todas as províncias do país; angolanos que professam as mais variadas cores religiosas; angolanos ligados a diferentes organizações da Sociedade Civil; angolanos estudantes nas diferentes universidades do país; enfim, angolanos que querem e exigem que o país não apenas tenha um rumo, mas que tenha o rumo certo.

Trata-se aqui de um acto com implicações profundas na vida de cada angolano. Num país normal, com “rumo”, estariam todos os angolanos a acompanhar o que aqui se passou durante estes dois dias, através da televisão e da rádio de todos nós. Refiro-me, como é óbvio, à Televisão Pública de Angola e à Rádio Nacional de Angola, esses órgãos que vivem do dinheiro e do esforço de todos nós. Mas não. O desafio que lançámos a esses órgãos para que levassem estes debates aos angolanos, em directo, sem cortes, sem selecções, nem sequer foi respondido. Mas quero assegurar a todos os presentes que, se o mesmo acto fosse da autoria do partido no poder, o directo teria sido assegurado. O mesmo teria acontecido se se tratasse de um concurso qualquer de “misses”, de uma gala organizada por um fundo qualquer, enfim, coisas sem muita importância por dizerem respeito apenas a alguns sectores da nossa sociedade. Isso tem que mudar.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Como é sabido, a consagração, na Constituição da República de Angola, dos princípios políticos que sustentam o Poder Local, nomeadamente o princípio democrático, o princípio da descentralização político-administrativa e o princípio da autonomia local, foi um combate travado e vencido pela UNITA. Ficava, assim, claramente estabelecida a separação vertical de poderes entre o Presidente da República e os entes municipais. A Constituição proibia, assim, a interferência do Executivo nas Autarquias, no Poder Local, não podendo o Titular do Poder Executivo e seus auxiliares terem a pretensão de conduzir o processo de institucionalização das autarquias, pois isso seria uma flagrante e violenta usurpação de competências.

Importa sublinhar que, nos termos do Artigo 236º da Constituição da República de Angola, o princípio da autonomia local constitui-se num limite material do poder de revisão constitucional, o que pressupõe a impossibilidade, por parte de quem possa eventualmente ter essa pretensão, de mexer no princípio da autonomia local.


A UNITA toma, assim, a iniciativa de levar aos angolanos o Anteprojecto de Lei Orgânica sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do Poder Local – o primeiro de vários instrumentos que compõem o pacote legislativo referente ao Poder Local – no intuito de obter as contribuições dos cidadãos, quer a nível de partidos políticos, da sociedade civil, das igrejas, quer a nível do cidadão, de forma singular, que enriqueçam o diploma, tornando-o o mais próximo possível do consenso geral. Fico particularmente feliz com a reacção positiva dos angolanos, verificada no decorrer desta Conferência Nacional, pelo que nutro a maior das expectativas no tocante aos contributos que vamos certamente receber nas próximas 3 a 4 semanas. Conforme foi anunciado ontem, todos os interessados poderão consultar o nosso anteprojecto no sítio da UNITA, ou seja, em www.unitaangola.org


O País pertence a todos. E como “o que é de todos a todos tem de dizer respeito”, lanço um vibrante apelo à participação dos cidadãos, de modo a termos uma lei que traduza a vontade suprema da concretização da democracia em Angola; uma lei que trace os caminhos, que dite os parâmetros, que estabeleça as balizas para a institucionalização de um poder local real, sólido, funcional e inviolável, que traga o solucionar dos problemas mais prementes das nossas populações.

Se o slogan segundo o qual “o mais importante é resolver os problemas do povo” é dito e sentido, e não apenas um conjunto de palavras ditas na mais pura das demagogias, então apelo aos meus irmãos do MPLA que unamos esforços nesta empreitada que pode, esta sim, trazer a solução real dos problemas das nossas já muito sofridas populações.

O Senhor Presidente da Câmara de Ribeira Grande de Santo Antão dizia, esta manhã e muito bem, que o estabelecimento do poder local “é o caminho para o desenvolvimento de todas as comunidades” – fim de citação. E eu acrescentaria ser esse o melhor dos caminhos para que se anulem as assimetrias regionais que muitos reclamam ser um mal, mas apenas poucos demostram, de facto, vontade de combater. Nós somos esses poucos.

Caros participantes a esta Conferência;
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Em função das especificidades de Cabinda, a UNITA pretende conferir àquele território um estatuto político-administrativo à medida dessas especificidades, pelo que propõe que o enclave seja uma autarquia supramunicipal, conforme prevê a Constituição. Outras ideias e opiniões surgirão, certamente. Iremos analisá-las e tê-las em conta. A mesma medida está a ser proposta para Luanda, dadas as suas características especiais, metropolitanas. Como é óbvio, o draft que submetemos aos cidadãos é mesmo e apenas um draft. Com as contribuições que vamos receber o Projecto a ser remetido proximamente para discussão e votação na Assembleia Nacional terá certamente outra cara, outra roupagem.

Muito tem sido dito relativamente ao “gradualismo”, previsto no Artigo 242º da Constituição. Esse gradualismo não pode, nem poderia, ser entendido em termos geográficos, ou seja, como sendo o estabelecer gradual das autarquias. Isso seria ferir de morte o princípio da igualdade, direito de todos os cidadãos deste país; desprezando uns angolanos e privilegiando outros, em função da sua localização geográfica. E é isso que, infelizmente, vamos ouvindo avançar aqui e ali pelo Ministério da Administração do Território que teima em levar a cabo competências atribuídas exclusivamente à Assembleia Nacional, nos termos da Constituição. Nós entendemos que o gradualismo se estabelece apenas em termos de passagem, para os entes do poder local, das competências que estão a ser exercidas pela Administração, a nível provincial e local, por impossibilidade de se fazer tudo ao mesmo tempo. É assim que a UNITA e certamente os cidadãos entendem esse “gradualismo”. É assim que o entende o Professor Carlos Feijó que, como os angolanos sabem, assumiu alguma paternidade nessas matérias constitucionais. Solicitámos formalmente que o Dr. Feijó nos brindasse com essa explicação – aliás bem vincada em livro de sua autoria – mas, por questões de calendário, não pôde aqui estar, nem ontem, nem hoje. Mas, como dizia, é assim que a UNITA, que participou na discussão da Constituição em vigor desde 2010, entende esse gradualismo, que implica a necessidade de se estabelecer um calendário vinculativo para a concretização faseada dos actos que concorrem para a sua materialização, nos diversos planos em que o fenómeno se projecta.

Assim, a UNITA propõe, no seu anteprojecto de lei, o estabelecimento desse calendário vinculativo para a intervenção quer da Assembleia Nacional, quer de outros actores, no processo de implantação efectiva do poder local em Angola. Trata-se de um calendário que compreende 13 passos, 13 actos normativos necessários à implantação efectiva das autarquias e demais órgãos do poder local, e fixa o período de materialização entre Outubro de 2013 e Setembro de 2016, a começar pela definição do quadro legal essencial e do calendário político geral, passando pela criação das autarquias locais, a aprovação do orçamento para a instalação das autarquias, a publicação dos cadernos eleitorais por autarquia, a definição do quadro legal complementar, o reconhecimento legal da tipologia das autoridades tradicionais e regulação do exercício do poder tradicional, devendo, a primeira etapa – chamemos-lhe assim – culminar com a realização das primeiras eleições autárquicas em todo o país, em Agosto de 2014, ou seja, dentro de um ano.


Caros Participantes a esta conferência,


Há vozes que se levantam a dizer que não haveria ainda condições para a realização das eleições autárquicas; que os angolanos ainda não estariam preparados para o estabelecimento das autarquias, como se fosse necessária alguma experiência previamente adquirida para que tal se efectivasse. Que experiência presidencialista teria tido o Dr. Agostinho Neto antes de 11 de Novembro de 1975? Que experiência governativa teriam tido os ministros no governo de Angola antes de assumirem as respectivas pastas ministeriais? Que experiência e preparação se teria exigido ao poder, quando chegou o momento de se estender a administração do Estado aos mais de 70% de território que, na altura da guerra, se encontrava sob controlo da UNITA? Quem precisa de preparação são os angolanos ou aqueles que não sabem como perder parte do poder que têm actualmente e que deve, por força da Constituição, ser descentralizado, passando para os entes do poder local? Ora, como diriam os latinos, “dura lex, sede lex”. A Constituição, que até é fruto da lavra dos detentores do poder, tem de ser cumprida, e cumprida por absolutamente todos. Como diz o nosso povo, “ajoelhou, tem que rezar”. Rezem, pois, por favor.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Não podia deixar, neste meu pronunciamento, de me referir à “Tutela dos actos das autarquias” que entendemos dever limitar-se ao nível legal, no asseguramento da conformidade legal dos actos das autarquias, ou seja, na verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos por parte dos órgãos e serviços das autarquias locais e entidades equiparadas ou afins. Quaisquer intromissões seriam atentatórias ao princípio da autonomia local, o que seria, a todos os títulos, inadmissível.

Caros participantes a esta Conferência;
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Ouvimos todos que o Conselho de Ministros aprovou, muito recentemente, a institucionalização de um “Fórum Nacional dos Municípios e Cidades de Angola”.
Esperamos que isso não seja o buscar de artifícios tendentes a subverter a institucionalização efectiva das autarquias, nessa tentativa de resistir à descentralização político-administrativa, ordenada pela Constituição, relativamente ao poder local, dada a aversão desde sempre notória a tudo o que afronte a centralização do poder total.

O Artigo 213º da Constituição diz claramente, no seu Nº 1, que “a organização democrática do Estado ao nível local estrutura-se com base no princípio da descentralização político-administrativa, que compreende a existência de formas organizativas do poder local, nos termos da presente Constituição”.

O Nº 2 do mesmo artigo, ao estabelecer as formas organizativas do poder local, começa exactamente pelas Autarquias Locais. Aliás, este e todos os artigos seguintes do Título VI da Constituição, indicam claramente que as autarquias são a forma mais expressiva, mais importante de organização do poder local. Elas são a expressão mais sublime do princípio da descentralização político-administrativa. Elas são o único instrumento de aprofundamento da democracia participativa. O poder tradicional não é democrático, porque não é competitivo e não é elegível. O poder tradicional não se baseia no princípio da igualdade e não concorre necessariamente para a concretização dos objectivos da República de Angola. As autarquias locais devem ser institucionalizadas pelo Estado enquanto o poder tradicional deve ser reconhecido pelo Estado.


Esperamos, pois, vivamente que não voltem à música que toca e toca outra vez, da diversão, distraindo os angolanos com coisas e coisinhas, na tentativa de ganhar tempo para buscar outros artifícios.

Caros participantes a esta Conferência;
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Alguém perguntava ontem o que iria fazer o Grupo Parlamentar da UNITA caso os nossos colegas do MPLA rejeitassem o nosso projecto.
É possível que isso ocorra, fruto da maioria produzida pelos resultados eleitorais publicados em 2012. Mas temos fé que os Deputados do Povo, independentemente da sua roupagem político-partidária, não se vão deixar subalternizar por qualquer outra força, por qualquer outro poder. Uma das missões fundamentais dos Deputados, inscrita no Artigo 162º da Constituição é “velar pela aplicação da Constituição e pela boa execução das leis”. Por isso, acreditamos que podemos todos nos locomover na vertical, deixando a posição horizontal para os seres que o Criador assim destinou. Confio nos meus colegas Deputados, de todas as formações políticas, e sei que todos estarão comprometidos com o cumprimento dessa imposição constitucional.

Como dizia ontem a minha colega, a Deputada Mihaela Webba, nada nos impede e tudo nos obriga a iniciar imediatamente o processo que nos conduzirá à realização das primeiras eleições autárquicas em Angola.

Com estas palavras, declaro encerrada a primeira Conferência Nacional sobre a Institucionalização do Poder Local.

Muito obrigado a todos pela vossa presença e participação.