Luanda - Estamos aqui reunidos para debater e votar a primeira Conta Geral do Estado jamais produzida pelo Governo Angolano, para justificar como gasta o dinheiro do nosso Povo.

Fonte: Club-k.net

Os nossos colegas do partido que apoia o Executivo, quase aceitavam a ideia ilegal de se apreciar este documento sem que antes tivesse tido o relatório e o parecer do Tribunal de Contas, conforme manda a lei.

Na altura em que esse documento deu entrada na Assembleia Nacional, o Grupo Parlamentar da UNITA chamou a atenção para uma série de irregularidades, mesmo na elaboração desta Conta Geral do Estado. Alertámos que não tinham sido cabalmente cumpridos os requisitos estabelecidos na Lei no 15/10, de 14 de Julho – Lei do Orçamento Geral do Estado, mormente o indicado na secção IV sob a epígrafe “Agrupamento da Conta Geral do Estado”. Na altura, dissemos que o documento remetido à Assembleia Nacional estava mutilado, por falta de elementos fundamentais que permitiriam aos deputados concluir se o Governo tinha pautado ou não pelas normas básicas da boa governação, da boa gestão e da transparência das contas públicas. Mostrámos e demonstrámos que o Executivo não tinha conseguido incluir, nessa Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2011, elementos importantíssimos, para aferir da boa ou má gestão do erário público. Deste modo, o Executivo de Sua Excelência o Presidente da República transmitia sinais claros aos angolanos que não está comprometido com os princípios e valores relativos à boa gestão, à transparência e à verdadeira prestação de contas.

Hoje, e para não variar relativamente à ladainha de sempre, os nossos colegas do Grupo Parlamentar que suporta o Governo vão pedir-nos: “votem a favor”. E esse apelo é lançado mesmo sabendo que estamos perante contas extremamente mal feitas. Esta Conta Geral do Estado não traz os relatórios de gestão de unidades orçamentais, que fazem parte da Administração Central do Estado, nomeadamente, os Serviços de Apoio ao Presidente da República, o Tribunal Supremo, os Ministérios da Defesa, do Interior, das Relações Exteriores, da Justiça e Direitos Humanos... Não há um relatório que contenha uma informação sobre como andam as principais empresas públicas estratégicas do país, como é o caso da SONANGOL ou da ENDIAMA. Ninguém nos consegue dizer o que é feito das transferências financeiras entre Angola e outros países, sobretudo os estratégicos, como é o caso da China, para citar apenas este exemplo. Sobre as parcerias público-privadas, a informação é completamente inexistente. Mesmo assim, não falta o ridículo do apelo: “votem a favor”!

Senhor Presidente da Assembleia Nacional, Ilustres Deputados:

Este Parlamento tem de ganhar coragem e verticalidade para ser, de facto, um Poder, um Órgão de Soberania. E sê-lo implica agir com verdade, agir com aprumo, agir no sentido da representação real dos angolanos que nos confiaram a missão de os representar aqui. Para membros do Executivo bastam os Ministros de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado, os Governadores, etc. Os Deputados, não.

Quando olho para o Relatório/Parecer No 10, da 3a Comissão de Trabalhos Especializada (e nem sei quantos pareceres foram emitidos – tal foi a confusão na reunião de especialidade), o ponto 1.5 diz ter sido constatado, e eu cito, “que nem todos os relatórios de contas dos departamentos ministeriais constam do dossier ‘Conta Geral do Estado” – fim de citação. E a 3a Comissão explica que, e eu volto a citar, “dos 39 departamentos ministeriais existentes, apenas 64,5% deles apresentaram o respectivo relatório de contas” – estive a citar.

No ponto 1.6, essa Comissão diz que, em razão da matéria da competência dessa comissão, registou-se que o Ministério das Relações Exteriores, do Interior e da Assistência e Reinserção Social, cujos relatórios não constam do dossier, por razões não identificadas, não foi possível aferir o grau de execução dos programas sectoriais afins.

No ponto 1.7 desse parecer, a 3a Comissão admite que, e volto a citar, “o acesso aos dados das contas públicas é importante para medir a eficácia governativa e reforçar a credibilidade das politicas do Executivo diante da opinião pública e, consequentemente, a transparência das contas púbicas” – fim de citação. Numa só palavra, os deputados acham que a história, no que as contas públicas diz respeito, está muito mal contada. Depois disto, terão mesmo coragem para votar a favor deste documento? Acho que não. A menos que estejamos aqui a dizer aos angolanos que aqui mora uma gritante falta de seriedade.

Olhemos agora para o parecer emitido pelo Tribunal de Contas sobre essa Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2011.

O Tribunal, apesar de ter reclamado do tempo demasiado curto para a realização de uma análise substancial – um tempo devidamente estabelecido na Lei 13/12 de 2 de Maio, faltando apenas que o Executivo cumpra o estabelecido nessa lei, remetendo atempadamente a Conta Geral do Estado ao Parlamento – fez uma série de constatações e recomendações.

Como é que o Executivo do Presidente Eduardo dos Santos apresenta uma Conta Geral em que, no universo de 39 unidades orçamentais, ao nível central, que remeteram relatórios para efeitos dessa conta, apenas 14 tenham apresentado dados sobre a execução dos Programas de Investimento Público? E se assim é, onde é que o Ministério do Planeamento foi buscar os dados

 

que inseriu no seu relatório, onde já se demonstra execução em 32 unidades? Há até ministérios que não remeteram esse relatório e o Ministério do Planeamento atribui-lhes uma execução do PIP na ordem dos 292.1%! Quem o diz é o Tribunal de Contas, que afirma também, e apenas a título de mais um exemplo, que esta Conta Geral do Estado não integrou o demonstrativo da gestão patrimonial, com destaque para o inventário patrimonial, conforme estabelece a alínea j) do no 3 do artigo 58o da Lei no 15/10, de 14 de Julho. Devo sublinhar que todo o rosário de constatações feitas pelo Tribunal de Contas já tinha sido feito pelo Grupo Parlamentar da UNITA, no dia 17 de Outubro último, quando essa Conta Geral do estado deu entrada nesta Assembleia Nacional.

Quem olhou com olhos de ver para as 41 páginas desse Parecer, bem como para as 4 páginas do único anexo que contém as suas 33 recomendações, verá facilmente que esta Conta Geral do Estado contém muitas insuficiências, muitas inverdades, muitas omissões. Isso é fruto de desconhecimento, ou simplesmente a impossibilidade de justificar os descaminhos do dinheiro dos angolanos? Isso é fruto de alguma incompetência na prestação de contas, ou simplesmente a impossibilidade de justificar a total desgovernação e a gritante falta de transparência de que padecem as estruturas governativas do país? Isso é deficiência no agrupamento, análise e apresentação dos dados contabilísticos, ou é fruto da aberrante falta de transparência para a qual parece não haver nem remédio, nem vontade de cura?

Fico triste quando vejo o Tribunal de Contas emitir a esperança de que as coisas conheçam alguma melhoria no exercício a seguir a este em análise. Devo dizer que essa esperança pode morrer pois a conta Geral do Estado para 2012 já foi remetida à Assembleia Nacional e as doenças são as mesmas.

É verdade que o parecer emitido pelo Tribunal de Contas vale por isso mesmo: um parecer; não se podendo substituir ao crivo dos deputados, na sua qualidade de representantes do Povo Angolano. Mesmo assim, ficamos pasmos que depois de ter

 

constatado tanta coisa negativa, tanta coisa mal feita, o Tribunal de Contas ainda diga aos deputados que a Conta Geral do Estado referente ao ano de 2011 está em condições de ser aprovado pela Assembleia Nacional. E diz mais: “com as recomendações constantes no Anexo 1”, mesmo sabendo que este anexo não tem nada a ver com a presente Conta Geral do Estado. Os erros repetir-se-ão na Conta geral do Estado para 2012 que, como disse atrás, já está em posse da Assembleia Nacional. O Tribunal de Contas vai reimprimir as mesmas recomendações para poupar tempo?

Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;

Caros Deputados:

O exercício contabilístico apresentado aqui nesta Conta Geral do Estado é torpe, medíocre e não reflete, com realismo e verdade, aquilo que foi feito com os recursos do país. A bem da verdade, da transparência e da seriedade, todos nós deputados, representantes do Povo Angolano e não do João, do António ou da Mariana, devíamos, com coragem e honestidade, exigir ao Executivo que volte com este documento para a mesa, faça um trabalho com alguma qualidade e verdade e, aí sim, traga para apreciação e votação dos deputados. Já o tínhamos sugerido há cerca de dois meses. Quase 40 anos depois de se ir gastando o dinheiro dos angolanos sem justificar, o Grupo Parlamentar da UNITA não tem como entender a pressa, sobretudo se é para que as coisas sejam feitas de qualquer maneira. Aprovar este documento da forma como veio e está seria o exercício de uma mera brincadeira e julgo que aqui nesta sala ninguém tem mais idade para essas coisas. Se a intenção é aprovar este documento da forma como ele está, o melhor é, certamente, libertar o Executivo desse exercício. Se ao Executivo é permitido fazer mal este trabalho, talvez seja melhor nem faze-lo.

Muito obrigado.

Grupo Parlamentar da UNITA,

09 de Dezembro de 2013