Luanda - Em 2006 e no auge de recorrentes denúncias que imputavam à então direcção do Serviço de Migração e Estrangeiros graves crimes, nomeadamente malversação de fundos públicos e emissão de vistos de trabalho e de permanência ilegais a estrangeiros, muitos dos quais viriam a obter a nacionalidade angolana por via desses processos escusos, Ângelo Veiga Tavares, nas vestes de ministro interino do Interior (o titular, Serra Van-Dúnem achava-se hospitalizado no Brasil), fez o que a todos pareceu correcto: encaminhou as denúncias à DNIC e ordenou que ela agisse em conformidade..
Fonte: Club-k.net
Notificado para depor na DNIC, o depoimento de Rui Neto, então director nacional adjunto do SME, abriria o caminho para a imediata detenção de toda a direcção da instituição, incluindo a sua directora nacional, Joaquina da Silva “Quina”.
Levados a julgamento, em 2010, 5 dos antigos membros da direcção do SME acabaram condenados porque o juiz da 5ªª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, Januário José Domingos, deu por provados os crimes de que iam acusados, nomeadamente peculato, falsificação de documentos e extorsão.
Joaquina da Silva foi condenada na pena de prisão de 4 anos ao passo que o seu adjunto, Rui Neto, apanhou 8 anos.
Interpostos recursos junto do Tribunal Supremo, meses depois todos os condenados acabariam absolvidos por insuficiências processuais ou por ausência de provas.
Perante acusações tão graves que impendiam sobre a então direcção do SME, Ângelo Veiga Tavares guiou-se pelo único procedimento que a bitola recomenda: encaminhou o caso ao competente órgão de investigação para, se fosse necessário, ser desencadeado um processo crime. O facto de, mais tarde, o Tribunal Supremo haver absolvido todos os réus não maculou o gesto do então ministro do Interior em exercício.
O que mancha agora e de modo irreversível a imagem do actual ministro do Interior é a dualidade de critérios perante dois casos que são em tudo semelhantes.
Em 2006 ele envolveu a DNIC na investigação de denúncias que associavam a então direcção do SME em crimes de emissão irregular de vistos de trabalho e permanência a favor de estrangeiros, peculato, extorsão e outros. Em resultado dessa diligência, os então responsáveis do Serviço de Migração e Estrangeiros foram presos, julgados e condenados.
Apenas oito anos depois e perante crimes em tudo semelhantes aos de 2006, o mesmíssimo Ângelo Veiga Tavares decidiu-se por outro critério: dispensou o concurso da Direcção Nacional de Investigação Criminal e tratou ele próprio de dar solução ao caso. Só que dessa solução resultou uma quase “moção de agradecimento e encorajamento” aos actuais responsáveis do SME.
Em 2010, um tribunal aplicou a Joaquina da Silva a pena de 4 anos de prisão efectiva por crimes de peculato e falsificação e ainda a ressarcir o Estado em 43 milhões de Kwanzas e cerca de 1 milhão de dólares, dinheiro que fora retirado do Fundo de Maneio do SME para fins escusos.
Em 2014, o ministro do Interior entende que crimes como a criação de gabinetes paralelos para a recepção e emissão de vistos de trabalhos irregulares, a emissão de 07 vistos de trabalho solicitados pela IMPORÁFRICA em desrespeito a uma decisão do ministro do Interior que havia indeferido os pedidos, a emissão, num curto período de 6 horas, de 48 vistos de trabalho ilegais a favor de 28 chineses e 20 vietnamitas e, também, o uso ilegal de 750 milhões de kwanzas para que o director do SME atribuísse a si próprio e aos seus comparsas um chamado bónus de natal ,não merecem mais de que uma sanção de 45 dias de multa, findo os quais tudo volta à primeira forma. Isto é, José Paulino da Silva volta a ter carta branca para persistir nos mesmos crimes que lhe são imputados pelo Gabinete de Inspecção do Ministério do Interior.
Em 2010, o tribunal provincial de Luanda condenou na pena de 8 anos de cadeia o então director nacional adjunto do SME pelo crime de falsificação de documentos, do que resultou a emissão de vistos de trabalho e outros documentos migratórios que facilitaram a imigração ilegal.
Em 2014, o ministro do Interior de Angola entende que seria um absurdo aplicar ao director nacional adjunto do SME, Eduardo Sousa dos Santos, uma pena superior à censura regista por haver “autorizado a emissão de vistos de trabalho sem a competente autorização do Ministro do Interior e de não ter observado as normais legais para a emissão de passaportes para os estrangeiros”.
Em 2010, o tribunal aplicou pesadas penas a funcionários que exigiam entre 4 a 8 mil dólares por cada visto de trabalho ilegal emitido.
Em 2014, o ministro do Interior acha irrisórios (entre 5 a 15 mil dólares) os valores exigidos por funcionários do SME para a emissão de vistos de trabalho ilegais. Por isso, todos eles vão “condenados” apenas na pena da admoestação verbal.
Perante tão flagrante e aparentemente inexplicável dualidade de critérios, das duas, uma: ou o ministro do Interior tinha alguma animosidade pessoal contra a antiga direcção do SME ou então está a levar mesmo à sério a máxima introduzida no léxico político angolano pelo finado Flávio Fernandes segundo a qual o cabrito come onde está amarrado.
Mas que essa dualidade de critérios dá que pensar isso dá!