Luanda - A qualidade e a quantidade na formação e no ensino devem ser responsabilidades compartilhadas entre docentes, poderes públicos e a sociedade. Esta é a visão defendida pelo antigo chefe da Casa Civil do Presidente da República, um dos mais conceituados juristas e professor universitário.

Fonte: Nova Gazeta
CARLOS FEIJ.jpg - 58.86 KBCarlos Feijó entende que “é importante que haja mais investimentos para melhorar a qualidade das escolas e universidades, numa altura em que o poder político em Angola quer deixar de investir na quantidade para apostar na qualidade”.
 
O académico recorda que houve uma fase em que o Estado privilegiava a formação de quadros em quantidade, dado o contexto em que o país se encontrava. “Mas hoje já não faz sentido apostar na formação quantitativa”.
 
Um dos princípios para que a qualidade seja um facto no ensino é saber se está a formar-se ou a deformar. “É importante que cada um, no fim da formação, da licenciatura, responda a si mesmo, se os cursos têm o condão de formar ou deformar os estudantes”.
 
Para Carlos Feijó, o ensino em Angola padece de várias crises operacionais entre as quais a curricular, a didáctica e a pedagógica. Quando se fala da reforma curricular, assenta-se sobretudo na selecção de disciplinas optativas, cadeiras obrigatórias, encaixe nos semestres e discute-se a carga horária. “Infelizmente não se discute a questão essencial que é o tipo de ensino que, nas circunstâncias actuais, devemos leccionar e que instrumentos, plataformas e modelos os estudantes precisam para raciocinar ”.
 
Proliferação desenfreada
 
Angola tem hoje cerca de cem instituições do ensino superior, muitas das quais ministram Direito, sem bibliotecas e engenharia e ciências da saúde sem laboratórios.
 
O que pode ser “desfavorável para uma formação responsável se o que se pretende é primar pela qualidade”. O docente defende que “não podemos enveredar pela criação de faculdades em qualquer esquina” por uma razão muito simples: “se assim procedermos, não estaremos a formar professores, científica e pedagogicamente bem pre- parados ao mesmo ritmo da abertura de faculdades”.
 
Por consequência, quem assegura a regência de disciplinas em muitas universidades privadas são essencialmente licenciados, “muitos dos quais foram dos piores alunos da Faculdade de Direito da UAN”. “Não é possível termos reforma da Justiça e do Direito com ensino que temos. Não é possível criarmos operadores para a Justiça e para o Direito com o tipo de formação praticado em Angola”, lamenta, avançando que se pode fazer a melhor lei sobre a organização e funcionamento dos tribunais, mas se não tivermos formação rigorosa e de qualidade “não vamos nunca fazer reforma na Justiça”. “O que poderá acontecer é assistirmos a muitos disparates sejam em decisões judiciais sejam em decisões administrativas”, prevê.
 
“Deve-se analisar o que se ensina”
 
O que tem de se fazer de imediato é uma avaliação da qualidade do ensino, a partir de critérios como a existência obrigatória de bibliotecas, instalações condignas, orçamentos, número de professores o jurista, “se quisermos sair de um ensino que se preocupe com a quantidade e caminharmos rapidamente para a qualidade deve-se analisar o que se ensina, por que se ensina e de que forma se ensina”. “Uma vez resolvidas essas questões, não só vamos caminhar para a qualidade como também estaremos a re- solver um problema muito sério que é o de eliminar desigualdade social”, acrescenta.

O Ministério da Educação Superior (MES) está a promover aulas de agregação pedagógica através do centro de agregação pedagógica da UAN, mas para o docente, o MES esquece-se de que certos cursos, como o de Direito, exigem uma metodologia de ensino que “não é igual a ensinar outros cursos”.
 
“O aluno deve sentir a necessidade de se preparar”
 
Outro “grande” problema está nos estudantes que “desconhecem os melhores métodos de aprendizagem e apresentam assimilação acrítica das matérias que os professores leccionam. “Não há nos alunos a curiosidade científica e intelectual para pôr em causa o que o professor está a ensinar ”.
 
O professor, segundo o académico, não pode criar um ambiente na sala em que só ele é que tem os conhecimentos quando ele deve dar a aula são os alunos.
 
O aluno deve sentir a necessidade de se preparar antes da aula, consultando bibliografia. “Isso vai permitir que o que é ensinado possa ser criticado”. Carlos Feijó não poupa críticas aos professores que “pouco contribuem para o aumento de bibliografia, não escrevem obras científicas para colocar à disposição dos estudantes. Isso compromete a própria promoção na carreira do professor.”