Luanda - O debate que a TV Zimbo organizou na última terça-feira sobre o estado da liberdade de imprensa a propósito da celebração mundial de mais um 3 de Maio, foi de uma grande utilidade para percebermos melhor com que linhas nos andamos a cozer nesta caminhada que já vai longa, mas nem por isso nos está a aproximar daquele mínimo que é termos o jornalismo enquanto “poder” e os jornalistas a exercer a sua função, sem outro tipo de interferências ou colagens.

Fonte: Morrodamaianga

Aliás, as caminhadas no país chamado Angola Real (não confundir com o nome da empresa de transportes) têm todas mais ou menos esta característica, isto é, são pouco rectilíneas, optando por se fazerem mais num ambiente de curvas e contra-curvas, com muitas lombas, buracos e paragens pelo meio.

Trata-se de uma “magistratura”, se me permitirem a comparação, que hoje já todos parecem aceitar como tendo a mesma dimensão, mas só até a altura de começarmos a falar em princípios como a liberdade, a independência, o pluralismo e a segurança.

A “Torre de Babel” está instalada e para já muito pouco se tem avançado, daí que a caminhada esteja a ser decepcionante para muitos dos “peregrinos”, nos quais estamos incluídos, que não veem a hora de se chegar ao “santuário”, 40 anos depois do país se ter tornado independente.

Estas referências são aquelas que hoje as Nações Unidas elegeram como sendo as traves mestras para se analisar a actividade jornalística no seu relacionamento com o contexto sócio-político em que a mesma está inserida e que naturalmente varia de país para país.

Gosto de estabelecer este relacionamento do jornalismo com a magistratura, antes de mais por causa da independência que em tese é comum ao exercício dos dois poderes, que ainda não têm, entretanto, o mesmo reconhecimento e muito menos o mesmo estatuto, embora tanto um como o outro sejam igualmente “ilegítimos”.

Ou seja, para o exercício da respectiva magistratura, pelo menos no caso de Angola, nem os jornalistas nem os juízes/procuradores são eleitos pela fonte principal de soberania de qualquer estado democrático moderno que é o povo, que depois recebe um cartão e vira cidadão- eleitor, quando completa 18 anos de idade.

Sendo absolutamente impossível no caso da “magistratura jornalística” eleger os seus membros, há pelo menos que tentar “controlá-los” dentro de alguns limites que a própria sociedade decidiu estabelecer, sem qualquer intenção à partida, de dificultar a sua movimentação, já que ela obedece ou devia apenas obedecer aos ditâmes do interesse público.

De uma forma geral e com cada vez menos excepções, hoje todas as constituições adoptaram o principio da liberdade de expressão/liberdade de imprensa como sendo um direito fundamental.

O esclarecimento que o debate da Zimbo nos trouxe está exactamente relacionado com o estranho desinteresse que foi assumido pelo poder político em ter as instituições da regulação e da auto-regulação a funcionarem devidamente para se garantirem a observância dos limites, que tantas críticas têm merecido, a ter em conta os sucessivos editoriais   sobre os abusos da liberdade de imprensa.

Para um poder que até é conhecido pela sua natureza estruturalmente controlista e dirigista foi bastante notório este desinteresse que ficou bem reflectido na forma como o seu representante no debate se recusou a assumir qualquer compromisso com a aprovação do famoso pacote legislativo da comunicação social.

Em vésperas do debate televisivo e numa declaração sobre o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) já havia chamado a atenção para este desinteresse, tendo a propósito referido que tal situação deixa entender que a aprovação do pacote já não faz parte das prioridades do Executivo.

O SJA destaca na sua declaração o facto do “modelo de gestão da comunicação social angolana na vertente da actividade jornalística ser estruturado com base nos princípios da regulação e da auto-regulação”.

Neste quadro, pode ler-se no documento do SJA, “importa destacar o Projecto de Lei sobre o Conselho Nacional de Comunicação Social e o do Decreto sobre o Estatuto do Jornalista, que dão corpo as duas estruturas que têm exactamente a função de garantir a existência de uma comunicação social plural, isenta e responsável”.

O SJA não tem qualquer dúvida em concluir “que Angola hoje teria, certamente, um jornalismo mais profissional e muito mais a altura das expectativas da sociedade, se o novo modelo do Conselho Nacional de Comunicação Social já tivesse sido adoptado e implementado em simultâneo com a criação da Comissão da Carteira e Ética”.

O Sindicato “não entende também que entre algumas das vozes mais críticas sobre o desempenho dos médias e dos jornalistas angolanos estejam exactamente as pessoas que mais responsabilidades têm com a actual situação de bloqueio em que se encontra o já referido pacote legislativo.”

Para já e até alguém nos conseguir convencer do contrário, só encontramos uma explicação para este “desenvolvimento” e que tem a ver claramente com a existência de uma estratégia política por trás dele a aconselhar ser melhor manter a situação tal como está, pois nunca se sabe o que virá depois.

Mantendo-se como está, o Conselho Nacional de Comunicação Social é cada vez mais um órgão sem qualquer capacidade de desempenhar o seu mandato regulador, que em principio devia ter como prioridade das suas atenções o desempenho da média pública em termos de isenção/imparcialidade, conforme determina a própria Constituição.

Não sendo aprovado o Decreto sobre o Estatuto do Jornalista, a prevista criação da Comissão de Carteira e Ética vai continuar congelada, o que em termos de objectivos também faz todo o sentido, já que assim sendo não haverá ninguém com capacidade para colocar alguma ordem no circo mediático, onde jornalismo, propaganda política e marketing institucional, andam de tal forma juntos que já não é possível saber onde é que termina o primeiro e começa a “farra” dos outros dois.

Enfim, o debate televisivo da Zimbo que quanto a mim foi um dos melhores sobre liberdade de imprensa que já tive a oportunidade de seguir nos últimos anos, sempre serviu para alguma coisa, pois sabemos que este tipo de iniciativa costuma morrer quando termina o programa.

Serviu para esclarecer algumas dúvidas que tinha a respeito, evitando que ande por aí a especular sobre a agenda oficial nesta matéria, já que mais clara do que foi apresentada a posição do Executivo, não podia ser.

Se estiver enganado, ainda melhor.