Luanda – Eram 09 e 40 minutos, já havia decorrido pelo menos uma hora e meia, quando decidimos, eu e um sentimento estranho, acompanhar as exéquias de um dos mais renomados senhores da música angolana.

Fonte: Club-k.net
Desci o edifício onde mercantilizo o conhecimento e pus-me nas ruas de Luanda. Apanhei um candongueiro da Marginal ao Miramar e aí solicitei que me deixasse no até então alto das Cruzes.

No mesmo só se falava da despedida precoce do querido por todos, Bangão, o homem dos ternos coloridos, da bengala, do Dioguito e do Kimbundu. Aí mesmo, por sorte ou ironia, tomei conhecimento que era cedo demais e que, portanto esperaria muito para me aproximar pela última vez ao craque Bangão.

Um senhor de boa pronúncia e aparência, tal como o anterior foi, agora convidou-me para que se quisesse, pegasse a sua boleia para juntos rumarmos a cidadela. Não me permiti desconfiar de suas intenções e, entreguei a sorte ao bandido no sentido restrito da palavra falada. Já por natureza se me tomou grande parte pela desconfiança, não queria que a mesma se manifestasse a seu jeito naquele momento.

Daí, seguimos a lamentar a morte, a causa e a razão. Também lembrávamos e cantávamos a sua música. O camarada, é de facto o maior interprete de Bangão para o meu espanto. José Vitoriano, cantou o Sembele, o Lamento Teté, Kíami entre outros com bastante gosto e propriedade, enquanto o tempo nos aproximara do pavilhão da cidadela.

O tempo também nos levou a questionamentos, por quanto tempo tivemos oportunidade de fazer mais pela nossa música e músicos e não o fizemos. Mas até os maiores filósofos sempre se engasgaram com esse questionamento, sendo o tempo uma pergunta que esses nunca definiram com precisão tal como a moral e a ética.

Tenho que como nunca definiram de facto. Mas enfim, o tempo nos cobrava a responsabilidade de continuar a defender o semba e a cultura, por forma a defendermos o espírito de pertencimento. Estamos nos estádio principal.

No meio do campo de basquete, o cadáver do senhor escondido no cachão castanho, ao lado, Dom Caetano de óculos, um facto cinzento e um microfone da cor do luto que mobilizava a organização da legião. Volta e meia como se não quisesse e Bangão gostasse, exaltava nos termos do Mpla, o discurso subliminar dos camaradas, referenciando a participação dos mesmos no evento.

A Organização da Mulher angolana, também dava o ar da sua desgraça, com muitas moças e senhoras de aparência triste e desgastante, certamente de medíocre qualidade de vida, inclusivamente com marcas familiares as da violência, fazendo militância com cânticos folclóricos á capela.

Agora o estádio tinha ás bordas, o amarelo, o vermelho e o preto, totalmente marginalizado pelas cores da nossa bandeira. A política tomara conta do cenário, parecia até que os restos mortais eram dela, como quem nos dera, enquanto a música semba acompanhava inconsciente aquela cadência ou até o contrário, a política acompanhava mesmo mal, a cadência do semba de Bangão.

Lembra-me que a primeira lágrima me escapou, quando o Kambadiame fora posto em som alto, o seu baixo no prefácio, balançara o estádio de forma única e una, enquanto a comunidade ali, consumia, visual e auditivamente e de ânimo leve, toda aquela salabórdia política. Aquela multidão cantava o coro do Kambadiame como nunca vi. Era pois, a miscigenação da tristeza e a alegria, o óbito e a festa, ora gritos, ora lamentações, ora sorrisos, ora lágrimas de tristeza.

Aparentemente Verdade, aparentemente mentira, tudo ao mesmo tempo. Mas uma coisa era certa. Quer queiramos quer não, Bangão está vencido pela morte e a cultura perdeu. Diante de tudo aquilo, enriquecia-se a minha ideia de que o povo é um falso sofredor e, que portanto injusto demais seria culpar somente a ignorância e o medo.

Diferente da política, Bangão sabia sim o que estava a fazer, sem pressa, sem ganância, diferente daqueles que oportunizavam a dor dos seus para manifestarem a gula pelo poder. Um homem, identificado como um tal de secretário de qualquer brincadeira, chegou a entrar escoltado por uns poucos amigos, após demasiado atraso, como é de forma obsedante e, mal fez três minutos no Estádio, afora o tempo que levou escoltado até registar sua dedicatória.

Alguns músicos de renome seguiram o cortejo também consternados, enquanto outros serviram de atracão para os fãs que oscilavam entre a dor e pudor. Nunca se viu um cortejo fúnebre de tal natureza.

O sambizanga com o seu Kiela honravam a seu estilo os restos mortais do senhor, enquanto o sorriso dos que sofrem se manteve cálido, os políticos gélidos e a sociedade árida de abusos e espectáculos. Os jornais e a televisão ocuparam-se de se reiteradamente lamentar a perca do semba e até já se fez recentemente homenagem ao Rei da música angolana.

Que deus o tenha