Luanda - Se recuarmos um pouco no tempo (fundamentalmente antes de 1975), e sem que se torne necessário fazer grandes exercícios pensamentais, encontraremos uma nata (assustadora) de angolanos mergulhados num imenso mar de escuridão gnoseológica e reflexiva, razão pela qual consentiam alguns tantos “chocolates amargos” vindos dos colonialistas portugueses.

Fonte: Club-k.net

De lá para cá, estamos vedados de congeminar do mesmo modo, porquanto as coisas (parecendo que não) já não são as mesmas e talvez nunca serão. Tudo flui, sustenta o pensador Heráclito. Apenas os menos atentos é que insistem em não querer ver, o claramente visto. Na “montanha” de assuntos que sofreram um forte “up grade”, por parte da nossa gente, há que se sublinhar com a veemência que se impõe, a sede e o espírito aguçados de uma boa franja da sociedade angolana em demandar dos seus diversos dirigentes uma maior e melhor JUSTIÇA GOVERNATIVA e RESPEITO À CARTA MAGNA DA REPÚBLICA.

 

Afinal o que se passa “em” e “com” a República de Angola?

 

Em todos os jornais, Angola; Em todos os sites, Angola; Em todas as rádios, Angola; Em cadeias televisivas mais sérias e menos sérias, Angola; Em todas as redes sociais, Angola; Em toda as conferências nacionais e internacionais, Angola; Em todas os colóquios formais e informais, Angola… Afinal isso é bom ou mau sinal? Será que Angola, pela sua ininterrupta fama, é um exemplo a ser seguido por outros países? Uma visita guiada à Constituição da República ajudar-nos-á “destapar” essa famosa máscara que Angola, desavergonhadamente, vem carregando. Nos enleemos à Carta Magna da República de Angola, essencialmente nos seus mais prementes articulados:

 

Artigo 2º (Estado Democrático e de Direito)

 

Em palavras “circunstanciadas”, pode-se dizer que é aquele no qual, os mandatários políticos são submissos às leis promulgadas. Respeita-se a teoria da separação dos poderes proposta por Montesquieu. O estado de direito se opõe as monarquias absolutas (O Estado, sou eu). Tem como fundamento a liberdade dos cidadãos e não a prisão arbitrária dos mesmos. Assenta também no pluralismo de expressão e no princípio do acusatório. A ausência de um Estado de Direito forte leva a decadência social e económica. Se o país tem primado por tudo isso, ou eu nunca fui angolano ou mereço de forma premente procurar um oftalmologista ou um otorrinolaringologista para afinarem e refinarem a minha pobre visão e a minha coitada audição. Se de facto, Angola fosse rigorosamente de direito e democrática, muitos prefeririam passar a fome, ficar sem estudar, sem vestir, sem dinheiro, sem trabalho, mas estariam felizmente livres. É sonho de muitos angolanos que Angola se torne verdadeiramente um Estado Democrático e de Direito, mas alguns, peçonhentamente, tentam coibi-los deste magnifico sonho. É um mal desnecessário. Até quando, nossa Angola?

 

Artigo 3º (Soberania)

 

A soberania, una e indivisível, pertence ao povo… É curioso que eu sou e sempre fui parte do povo, contudo nunca tive poder nenhum. Considero isso uma ofensa gritantemente escandalosa contra a minha estrutura personalistíca. Não é de bom direito e nem é sensato, vir a público e afirmar desencantadamente que a soberania pertence majestosamente ao povo. Ou melhor Angola baseia-se na vontade do povo angolano. Que povo afinal? Onde é que está esse povo especial? Normalmente, salvo juízo mais “ajuizado”, um soberano não passa a fome, não fica sem hospital, não fica sem escola, não fica sem emprego, pior ainda não fica sem casa. Soberano que passa a fome, só pode ser soberano de sua própria fome. Portanto, deve-se dar ao dito soberano o que é exequível e crível a um soberano. Um soberano de verdade vive de verdade, não a soçobrar. Até quando esta fantasmagoria, Angola?

 

Artigo 40º (Liberdade de Expressão e de Informação)

 

Admiro a nossa capacidade de produzir e/ou reproduzir leis, contudo já não admiro a vocação natural de coibir a realização das mesmas leis. Se dizem que estamos num Estado de Direito, essa liberdade de expressão onde é que se tem verificado? Será que em Angola há mesmo e de forma efectiva liberdade de expressão? Só concordaríamos, caso a psicologia não alumiasse claramente o termo “MEDO”. Se somos mais de 25 milhões de habitantes (segundo o Censo que rigorosamente questiono), creio que a maior parte domina melhor o artigo do MEDO, subjectivamente consagrado. Se é direito do cidadão de ser informado, porquê que as pessoas de direito, continuam a insistir nos meios de comunicação públicos? Será que não sabem que tais meios de comunicação só aparecem para informar, desinformando? Se em Angola tivéssemos unicamente os meios de comunicação públicos, todos pensaríamos que estivéssemos a viver no melhor país do mundo. Num El dorado. Até quando, Angola?  

  

Artigo 47º (Liberdade de Reunião e de Manifestação)

 

Penso que quanto ao supra aludido, não requer de nós muitos exercícios pensamentais, nem muitas palavras. Não é necessário ter vista, nem ouvidos, para saber que as manifestações aqui na nossa terra são escrupulosamente obstadas. Quem pensar em reunir um grupo de amigos para pensar e/ou reflectir um pouco sobre a vida, estará logo detido, mas antes de ser detido, “ganha” uma óptima surra, no sentido de nunca mais voltar a pensar diferente daqueles que pensam igual. As manifestações têm uma perspectiva bastante salutar, fundamentalmente para os governos com muito mais juízo, porque, também, traduzem o sentimento genuíno de um determinado povo. Não acredito que um povo com as mínimas condições de vivência e sobrevivência, venha manifestar-se em repúdio contra os seus dirigentes. Se existe manifestação é porque algo não vai bem e o dito povo soberano tem de ser ouvido e atendido com bastante premência. O soberano não pode pedir favor nem lamentar, deve ordenar. Se está previsto e não é para ser aplicado, previram porquê e para quê? Num Estado verdadeiramente democrático e de direito as manifestações rigorosamente realizadas, também, representam a maturidade da própria democracia. O que é isso, minha Angola?

 

Artigo 72º (Direito a julgamento justo e célere)

 

Já o dissemos que à luz da supremacia constitucional, todos os artigos postulados na Constitucional são bastante pomposos e ditosos. Não adianta termos leis bonitas, se não conseguirmos realizar de forma competente a justiça que se clama e pretende. O capítulo em epígrafe deve ser um dos calcanhares de Aquiles que muito vem enfermando e carcomendo a nossa sociedade angolana. Penso que os nossos juízes, ou melhor os nossos administradores da justiça, deviam ler o mais rapidamente possível alguns conceitos básicos: Legalidade, Ética, Coerência, Isenção, Apartidarismo, Justiça, Imparcialidade e equidistância. Não basta ser é preciso também parecer. Quando a justiça não é justa, então não há justiça, mas sim o seu triste antónimo. Penso que um juiz irreflectidamente influenciável deveria imperiosamente largar a magistratura e procurar ser um comerciante da praça nova ou dedicar-se ao cultivo de mandioca. Num Estado Democrático e de Direito, um juiz é o guardião da justiça. Mas, será que em Angola a justiça tem mesmos guardiões competentes? Num Estado democrático e de Direito, todos que cometem algum ilícito respondem em juízo (Presidentes, Ministros, Governadores, Administradores, Cidadãos), segundo o princípio da igualdade, benevolamente previsto no nosso Ordenamento Constitucional, no seu postulado 23º. Será que em Angola a separação de poderes não resume-se num único poder? Para nos ajudar a refrescar as ideias e respostarmos com alguma propriedade, pensemos no tão propalado caso sentenciado dos inolvidáveis “revús”.

 

Artigo 72º/79º (Direito à saúde/Direito ao Ensino)

 

Tenho ouvido com alguma consternação de que em vários hospitais do País experimenta- se a falta gritante de dois principais e elementares recursos: MÉDICOS e MEDICAMENTOS. Caso haja alguma dúvida, basta uma ronda pelas diversas unidades de saúde para se constatar a realidade de quem procura com algum ímpeto os cuidados médicos. Ipso facto e, numa perspectiva psicológica behaviorista de E-R (estimulo – resposta), morre-se por dia muita gente (especialmente crianças e adolescentes) que serviriam para engrossar as Estatísticas de Angola, dentro do quadro daqueles que eventualmente dariam um grande contributo para o catalavancar factível e crível da mesma. Se afinal existe o direito à saúde, esse direito é para quê e para quem? Não seria mais ético e sensato colocar-se: “Alguns possuem o Direito à Saúde e à Educação?”. Talvez eu esteja mesmo com alguma nebulosidade intelectual e poderei ser o único que não entende patavina. Como conceber a existência de uma saúde sem seringa, sem luvas, sem algodão, e pior, sem médicos nem medicamentos? Por obséquio, alguém me responda, é direito à saúde ou é direito a ficar doente? Pensamos que este é outro capítulo que merece por parte dos fazedores das políticas públicas, uma certa reflexão e acção rápida. Quando a saúde está doente, onde recorrerá o cidadão doente? O mesmo acontece com o direito ao Ensino que há muito vem sendo apedrejado por todos aqueles que não simpatizam muito com o mesmo, por ser uma ferramenta extraordinária para mudar o mundo e os regimes ditadores. Falta de um Orçamento sério e comprometido para o sector, muitos professores incompetentes (sequiosos de uma premente reforma), professores pesquisofóbicos, alunos divorciados da leitura, família demitida do seu crucial papel, enfim, a continuar assim, Angola jamais terá um outro “amor” a não ser “o doce” PETRÓLEO. Portanto, a EDUCAÇÃO e a SAÚDE deverão merecer de todos, fundamentalmente do Estado, uma maior reflexão e acção, visto que sobre eles recai (deveria recair) toda esperança da Nação. O petróleo é um recurso haurível. O investimento em Educação e a saúde é sempre a grande aposta para os países mais sérios e que se pretendem cada vez mais robustos a todos os níveis.

 

 

Penso que 40 anos de independência seriam suficientes para corrigir algumas fendas e vícios assustadores, trilhando verdadeiramente à diversificação da Economia, das mentes, das opiniões e do país em geral, partindo numa aposta séria e acérrima nos dois grandes sectores: EDUCAÇÃO e da SAÚDE. Em boa verdade, não será factível, nem exequível diversificarmos qualquer coisa que seja, se o cidadão (SOBERANO), não tiver saúde, não for muito bem-educado, não for livre, não for julgado por um Tribunal sério, não for devidamente formado e fundamentalmente informado, sobre as grandes questões que envolvem a Nação. O tipo de aposta quinada ao sector educativo revela a seriedade dos Estados. Cada um pode e deve contribuir para o engrandecimento dessa República a todos os níveis e de todos nós. Mas, estamos todos condenados a respeitar, a cumprir e a fazer cumprir os 244º Artigos plasmados na Carta Magna da República, particularmente os que estão sendo objectos da presente reflexão.

 

Se os articulados supra analisados (considerados como os mais prementes para o viver dos cidadãos), não têm conseguido viver, nem sobreviver numa Angola tão misteriosa, não imaginemos o tratamento que se tem dado aos demais articulados. Portanto, para que uma sociedade se considere sã é bastante fundamental que os seus cidadãos (todos, sem excepção de mesmices político-partidárias) possuam os pressupostos supra epigrafados e constitucionalmente legitimados (Soberania, Liberdade, Igualdade, Justiça séria e isenta, Saúde e Educação). A diversificação não começa só, em apaixonar-se menos pelos barris do petróleo nem pelo hipo amor aos gigantes quilates diamantíferos. Começa também em governar de forma justa, equitativa, transparente, parcimoniosa, apartidária, para o povo (soberano) e pelo povo (soberano). Será que temos a coragem e o juízo suficiente para isso? A racionalidade do homem deve ser avaliada dentro dos limites da sua capacidade de distinguir o bem e o mal, não apenas em função do seu interesse pessoal. GOVERNAR É UM DOM QUE TEM A “MANIA” DE PARAR NAS MÃOS DE PESSOAS CERTAMENTE ERRADAS.

 

Já fui mais optimista, mas haver vamos! Tudo é possível, até mesmo o impossível…

 

As palavras voam e os escritos ficam…