MANIFESTO

CAROS COMPATRIOTAS,

O direito a manifestação tem consagração constitucional, art.º 47.º da CRA, “sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei”. A manifestação reflecte, na soberania popular, a insatisfação por determinada política ou acto, no caso “in concretu” a denegação de justiça, por parte do Tribunal Supremo, em não ter agido em tempo útil, a uma providência cautelar, que visava acautelar a protecção de um bem comum, a probidade (honestidade) administrativa, art. 198.° da CRA.

O anúncio público desta manifestação tem lugar no contexto de um país no qual os poderes públicos são campeões do exemplo do desrespeito pelas leis justas vigentes na República, destacando-se uma administração autoritária na qual agentes públicos praticam graves irregularidades e até mesmo crimes, depois de órgãos de comunicação social do Estado iniciarem pela via da propaganda contra-manifestações, preparando moralmente a violação sistemática da liberdade de manifestação pacífica de cidadãos da República, sob o olhar silencioso da Procuradoria-Geral da República de Angola.

 

Um Estado de direito é formado por duas componentes: o Estado (enquanto forma de organização política) e o Direito (enquanto conjunto das normas que regem o funcionamento de uma sociedade). Nestes casos, portanto, o poder do Estado encontra-se limitado pelo Direito justo.

 

O Estado de Direito surge por oposição ao Estado Absolutista, em que o Rei se encontrava acima de todos os cidadãos e podia ordenar e mandar sem que mais nenhum poder lhe fizesse contrapeso. O Estado Democrático, por sua vez, supõe que o poder surge dos cidadãos-eleitores, que elegem os seus representantes para o governo.

 

A noção de democracia é outro conceito relacionado com o Estado de Direito, uma vez que supõe que o povo tem o poder e o exerce através das eleições ao eleger os seus representantes. Em todo o caso, há que ter em conta que a prática de algumas componentes da democracia não implica necessariamente a existência de um verdadeiro Estado de Direito nem tão pouco de uma democracia plena. Por exemplo, um líder pode chegar ao poder por vias democráticas e depois abolir o Estado Democrático de Direito, como foi o caso de Adolf Hitler na Alemanha. Também podem existir governos que respeitam o funcionamento democrático em determinados aspectos mas que violam o princípio do Estado de Direito perante outros aspectos.

 

Com o desenvolvimento do Estado de Direito, aparece a divisão de poderes (o Poder Legislativo, o Poder Judicial e o Poder Executivo, três poderes que, no Estado Absolutista, se reuniam na figura do Rei). No quadro da separação de poderes, os tribunais tornam-se autónomos relativamente ao Rei e aparece o parlamento para fazer frente e oposição (contrapeso) ao poder do executivo.

 

O sistema judiciário angolano, amiúde, é parcial, errático e usa dois pesos e duas medidas. Por exemplo, magistrados judiciais e do Ministério Público, logo após o seu empossamento, têm afirmado que vão cumprir escrupulosamente as orientações do senhor Presidente da República, quando deveriam comprometer-se apenas com a Constituição e a lei; vários advogados têm afirmado haver “encomendas de sentenças nos tribunais angolanos”. E os exemplos de discriminação e politização da justiça, estão à mão de semear. Depois de 8 (oito) anos, o Tribunal Supremo decidiu o caso da Igreja Maná, mas não se pronuncia, em relação a um caso que viola flagrantemente a Constituição e a lei, que é o caso “Mpalabanda”, associação de Direitos Humanos, com sede em Cabinda. Trata-se de um processo judicial entre inúmeros outros que esperam igualmente por decisão nos tribunais angolanos. Tal é o que igualmente se passa com a Providência Cautelar contra o acto administrativo de nomeação de Isabel dos Santos para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol.

 

O procedimento para o provimento de uma Providência Cautelar é, nos Estados de Direito, simplificado e tem natureza urgente, pelo que pode mesmo dispensar a audição da parte contra quem é dirigida se o juiz entender que isso poria em risco o fim ou a eficácia da providência. A providência cautelar tem elevada força de tal sorte que a sua infracção constitui um crime de desobediência qualificada, ou seja, agravada. Todavia, o tribunal pode dispensar a apresentação da acção principal se tiver ficado convencido acerca da existência do direito ou interesse acautelado e se a medida cautelar for suficiente.

 

No que a nomeação de Isabel dos Santos diz respeito, estamos perante o acto administrativo de nomeação da Presidente do Conselho de Administração da Sonangol. E o objectivo da Providência Cautelar era e é de suspender provisória ou definitivamente o acto de nomeação de Isabel dos Santos pelo Presidente da República. Quer dizer Isabel dos Santos deixaria imediatamente de exercer o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol até a decisão final da acção principal ou se o tribunal prescindisse da acção principal deixaria de exercer o cargo definitivamente. A mora do Tribunal Supremo constitui “denegação de justiça” e muito provavelmente produziu a consequência de ter concedido a oportunidade para a “ocultação e eliminação de provas sobre práticas ilícitas” na Sonangol, que poderiam ter sido evitadas com a suspensão da eficácia do acto administrativo de nomeação de Isabel dos Santos, filha do agente público José Eduardo dos Santos, Presidente da República, e empresária que partilha negócios com a Sonangol, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração desta mesma empresa pública, em clara contravenção à Lei 3/10 de 29 de Março, Lei de Probidade Pública, na alínea b) do art.º 28.º reza que “(…) o agente público está impedido de intervir (…) “quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como com quem viva em comunhão de mesa e habitação”, o sublinhado é nosso, provando estar a filha como parente na linha recta, logo na linha vermelha da ilegalidade do acto do seu progenitor!

 

Cientes de que “um país mudo não muda”, o grito de indignação e protesto dos promotores desta manifestação faz todo sentido, independentemente, da decisão do Tribunal Supremo de 25 de Outubro de 2016 de notificar o(s) Requerido(s) (Presidente da República e filha primogénita) para querendo se pronunciar(em), porque foram transcorridos mais de 120 dias, desde a entrada da Providência Cautelar na secretaria daquele tribunal e porque também a Providência Cautelar, uma medida judicial, deve ser decidida dentro de prazos legalmente previstos, por visar “acautelar a irreparibilidade dos danos decorrentes da execução de um acto administrativo ilegal e o efeito útil de uma decisão que venha a ser proferida no processo principal”. Mesmo que o Tribunal Supremo decida com base na letra e no espírito da lei, o desrespeito pelos prazos mais curtos a que está sujeita uma providência cautelar justifica igualmente o grito público de reprovação desta prática reinante nos tribunais angolanos, chamando a atenção dos juízes e juízas para a obrigação do respeito pelas leis vigentes.

 

Os promotores desta manifestação, conhecedores do seu estatuto constitucional de construtores de uma sociedade justa, democrática, livre, de paz, progresso social, n.º 1 do art.º 21.° da CRA, e no contexto de uma sociedade pluralista quanto às formas de expressão e organização política, mantêm a liberdade de realizar a manifestação programada para o dia 26 de Novembro de 2016, no Largo da Independência, a partir das 15 horas.
O escopo da manifestação é promover uma inversão da marcha em sentido contrário à cultura imperante no sistema judiciário angolano que tem constituído um atentado contra o Estado Democrático de Direito, porque, de maneira cristalina, o n.º 2 do art.º 11.º da CRA, define a base da paz como sendo o “primado do direito e da lei”.

 

Não há paz verdadeira sem respeito pela Constituição, pelo direito e pelas leis justas, garantes de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que impõe a todos os agentes públicos, nomeadamente, magistrados judiciais e do Ministério Público, o dever de decidir com base nas leis justas e na sua consciência.

 

Não há verdadeira paz, quando a República está partidarizada e privatizada, com apoio da propaganda permanente dos órgãos de comunicação social do Estado.

 

“Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça”
Bem-aventurados os pacíficos”

Os Promotores da Manifestação,
Fernando Macedo
Marcolino José Carlos Moco
Luaty Henrique da Silva Beirão
Sizaltina Cutaia
William Afonso Tonet