Luanda - Afazeres particulares imprevistos reduziram-me os vagares com que habituei interessados a comentar factos internos e internacionais, a partir da minha lupa. Hoje, porém, pela relevância dos últimos factos, e a pedido de amigos no FB, empurra-me a consciência a pronunciar-me, pelo menos, sobre um.

Fonte: Facebook

Pertenço a um grupo de cidadãos que decidiu promover uma manifestação contra a denegação de justiça do nosso sistema judicial, com base no facto de ter ficado, por muito tempo, sem se se pronunciar sobre uma providência cautelar junto do Tribunal Supremo (TS), intentada por um conjunto de advogados, liderados pelo também activista pela defesa do funcionamento do Estado democrático e de direito, David Mendes, contra a nomeação ilegal de Isabel dos Santos, como PCA da Sonangol, pelo pai, Presidente da República e chefe do Executivo, José Eduardo dos Santos.


Dentro do actual sistema “morde e sopra”, para encontrar um pretexto para travar a pertinente manifestação, o TS, funcionando (aparentemente, sobre as orientações do Executivo, o que ficou agora evidente com a intervenção do seu porta-voz, Dr. Rebelais) fez saber, tardiamente, que notificou o Presidente e a filha, para se pronunciarem sobre a pretensão dos advogados, dentro de 8 dias, cujo prazo também já se esgotou.


O grupo manteve a sua decisão de promover a manifestação, independentemente do que venha a ser o desenvolvimento ulterior do processo judicial.

 

A minha adesão à manutenção da ideia de manifestação pacífica e limitada, quanto ao local e quanto à matéria, radica no facto de que estes são actos (nomeação ilegal e eticamente inaceitável de Isabel dos Santos, para PCA da emblemática estatal, consabida cruzeira anormal com os próprios negócios e denegação da justiça do TS) que considero como a gota de água que faz transbordar o copo, na sequência de tantas arbitrariedades a que temos assistido, onde a família do Engenheiro José Eduardo dos Santos, e alguns próximos, aproveitando-se do alto cargo público que aquele vem ocupando, especialmente, depois da guerra civil, vão tomando conta de tudo a nível do poder de estado e dos principais factores da riqueza nacional, com a clara blindagem do sistema judicial. E, acrescente-se, com a cobertura e carácter ameaçador e intimidante da principal comunicação social pública (alguma gerida por próprios filhos do chefe do Executivo) e privada.

 

Agora, vemos comentadores, com rostos chorosos, até mesmo aqueles que um dia apareceram como representando o papel do contraditório, na familiar TVZimbo, dizer-nos que se trata de inveja contra a competente Eng. Isabel dos Santos e, sem ler para os ouvintes tudo que a lei diz sobre o assunto, alardeiam que se trata de um direito conferido ao Presidente. E prevendo já que a praça estará às moscas (sabem, com certeza, do que já aconteceu com os “revus”, do que passaram com o seu processo injusto e do medo insuflado às populações de Luanda que bem poderiam confluir aí, pacificamente, para manifestar outros descontentamentos) dizem que se provará então, quão o povo adora toda essa usurpação do poder e da riqueza, pela família presidencial, ao lado coisas como as que foram ontem lembradas, numa reportagem da SIC. O bom mesmo é que os sorrisos forçados e todo o manancial de gestos de intelectuais que foram “obrigados” a esquecer-se completamente de que não estavam ali como porta-vozes da família presidencial, não convenceram ninguém.


Sei também que há muita gente que não se convence das posições que venho assumindo nos últimos anos, sob a égide do regime democrático que vigora desde 1992 e devia ganhar fôlego com a paz, só porque já ocupei funções importantes sob a chefia do Presidente Santos. Foram outros tempos, outras circunstâncias, cometeram-se outros pecados, eu mesmo os cometi, nunca fui santo, mas nunca se chegou a tanto.


Leia-se e releia-se o nosso manifesto sobre a manifestação e não se vai lá descobrir qualquer ataque pessoal à respeitável engenheira Isabel dos Santos e não se aceite o desvio de conversa que ouvi destes certos comentadores da TVZimbo, que tanto quanto se viu, não foram apresentados como seus advogados constituídos.


Manifestações são, hoje, uma forma tão habitual para grupos pequenos ou grandes chamarem atenção sobre as suas preocupações, perante os poderes públicos e vemo-las um pouco por toda a parte. Cabe àqueles que detém o poder, nos dias de hoje, eliminar as causas do porque se cria tanta tensão, em Angola, sempre que se fala numa manifestação. Propostas não tem faltado, pelo menos da minha parte.