Passaríamos por Catete e Maria Teresa, e aproveitaríamos para parar em Zenza do Itombe. No Zenza, ali onde os colonos organizavam as colunas para o mato, mas onde esta semana ia eu a dormir, descansado, sem receio nem preocupado com os ataques que nos vêm de Lisboa, ao lado do velho Garcia, seguro ao volante do Land Cruiser, apesar de, como eu, não ter pregado o olho, depois de uma noite em claro no jornal.


Subiríamos, nas calmas, o Morro do Binda, inferno que já não nos traz os suores frios de antigamente. O perigo do morro morreu, derrotado pela vaga das obras de reconstrução.
Iríamos em direcção a Malanje, por quilómetros e quilómetros de estrada recuperada, com sinalização vertical, horizontal e tudo o resto. Encontraríamos, no caminho, os pedreiros nacionais e os expatriados portugueses e chineses, que dão o que devem, para a reabilitação da estrada, e protecção da via da ravina perigosa, que não perdoa no tempo da chuva forte, e que obrigará a muito trabalho de manutenção.

  Isto mais tarde. Mas antes, diria aos meus convidados que não perdoo Bob Geldof por não ter organizado um Live Aid para Angola, quando as crianças de Malanje mais precisavam, quando a província estava sitiada e os pais as atiravam para dentro do primeiro avião para Luanda, onde acabariam por tornar-se meninos e meninas de rua, à mercê de funcionários internacionais atacados pelo sexo de crise. O PAM foi-se embora já lá vão quatro anos e mesmo sem Plano Marshal, sem Conferência de Doadores e com promessas não honradas, a reconstrução do país continua, de vento em popa. Há seis anos, quando as rações do PAM não chegavam para tanta fome, precisávamos de um grande concerto de solidariedade. Ele não veio. Agora, a paz já cá está, é tarde, e só restam as vozes das más consciências.


Mostraria as crianças e os jovens de mochila às costas que hoje nos quimbos já vão à escola, e nos acenam com um sorriso. Pararíamos em Cassualala, onde nos daríamos de maracujá, de banana-maçã, de banana-pão, laranja, tangerina... é muita vitamina C para matar a sede, que ajuda a prevenir doenças e faz os miúdos crescer fortes e saudáveis. Mas são também números que ainda não ganham direito de entrar nas estatísticas do desenvolvimento humano. Porque ainda não há estudos. E, pelos vistos, nem interessa, a muito boa gente, que entrem. Para, quando convier, tenham armas com que arremessar ao nosso Governo.


Em Cacuso, comeríamos o inhame, a batata-doce e a mandioca cozida, ao lado do orgulhoso administrador. O administrador diria como vai o seu município, onde não falta água potável, nem luz eléctrica, de onde se vêem ao longe as torres de alta tensão vindas da barragem de Kapanda, já ao serviço da economia, e onde as extensões de terra cultivada garantem já muito sustento e emprego. As multidões que antes se plantavam diante dos centros de assistência humanitária evaporaram-se. Parece que todo o mundo tem agora com que se ocupar.


Trocaria algumas ideias com os meus convidados sobre o desenvolvimento sustentável e a globalização, dois bons conceitos que dão jeito, se a intenção é ir atirando o pó para debaixo do tapete. Cá por mim, prefiro a ideia de desenvolvimento controlado. Falaríamos da hipocrisia de um Ocidente a transbordar de riqueza, mas que nega a partilha, o acesso dos produtos de exportação africanos aos seus mercados, arruinando milhares de famílias em África, da degradação moral que atravessa os media europeus, invadidos pela pornografia, pela homossexualidade e pela violência, do silêncio comprometedor dos poderes seculares, que não enfrentam os grandes e exigem por vezes o impossível aos pequenos.


Levaria, finalmente, toda a gente a Kalandula, às grandes quedas de água de Angola. De passagem, à saída de Malanje, daria ainda para ver os novos eucaliptos plantados no lugar dos que, no tempo da guerra e da penúria de combustível, foram sacrificados, a favor da lenha e do carvão. Acabaríamos todos com uma grande ginguingada de cabrito, com o afável e clarividente Governador de Malanje, Cristóvão da Cunha, se este não se importasse é claro, com gindungo à justa medida, acompanhado de maruvo, vinho, uísque ou o que fosse que apetecesse a cada um. Quem quisesse, poderia até arrotar, no fim, que nisso, somos como os malaios, significa que o pitéu caiu bem e ficam incomodados se não sai. Mas com discrição, que fica bem.
Se fosse rico, a sério, faria uma excursão a Malanje.
 

*Director do Jornal de Angola

Fonte: JA