Luanda - Saída do País com moeda estrangeira acima do valor estipulado. A (i)legalidade da sanção aplicada pelo BNA com base na Lei Cambial nº 5/97, de 27 de junho.
Fonte: Club-k.net
Estrutura da breve reflexão.
1.Exposição do problema;
2.O fundamento, (i)legal, recorrentemente utilizado pelo BNA para justificar as sanções aplicadas;
3.Os critérios, incompreensíveis, empregues pelo BNA na determinação da multa aplicada;
4.Conclusões.
5.Sugestões: a necessidade de intervenção legislativa urgente, como meio de correção do erro; (…).
1.Exposição do problema.
(i) Angola atravessa um período de escassez de moeda estrangeira e tendo em conta o nível elevadíssimo de importação que sustenta a sua economia e não só, é recomendável que se limite a quantidade de dinheiro (v.g. Dólar, Euros) por cidadão, para efeito de deslocação ao exterior do país e que sejam sancionados os violadores de tal proibição.
(ii) Porém, para proteger o cidadão de possíveis abusos do poder em matéria sancionatória, a Constituição angolana determina: primeiro – que haja lei expressa e anterior que qualifique o comportamento como ilícito (ilegal); segundo - que a lei de forma expressa estabeleça a sanção - pena ou multa- nullum crimen, nulla poena sine lege - sem grande rigor na tradução, significa que não há crime nem sanção sem lei anterior que os preveja.
(iii) Logo, o cidadão só pode ser punido quando estiver claramente na lei (proibição de interpretação extensiva, analógica ou ampliativa, consequentemente) salvo nos casos em que lhe seja favorável – cf. artigos 2.º e 65.º da Constitucional, cujos reflexos na lei ordinária podemos encontrar nos artigos 5.º e 18.º do “moribundo” C. Penal.
EIS O PROBLEMA EM REFLEXÃO:
As multas aplicadas aos transgressores dos sobreditos limites e os critérios utilizados pelo BNA- (…) são legais?
Vejamos:
2.O fundamento, (i)legal, recorrentemente utilizado pelo BNA para justificar as sanções aplicadas.
(iiii) compulsamos o alicerce legal, que recorrentemente o BNA utiliza para sustentar as sanções aos transgressores dos sobreditos limites, impostos pelos seus avisos, e constatamos que tem sido a Lei Cambial nº 5/97, de 27 de junho.
Está correcto este entendimento do BNA, ou seja, a Lei Cambial tem alguma conexão com o problema em reflexão?
Eis a resposta:
(v) Ora, previamente, convém clarificar que câmbio é a conversão de uma moeda em outra ou o valor relativo das moedas entre países diferentes, cf. Richard Posner (...). Logo, ausentar-se do território nacional com moeda estrangeira, não é câmbio. Salvo se a Lei em causa excepcionasse esta noção. O que não sucedeu no caso in concreto, cf. se infere no artigo 5.º da Lei Cambial, reservado às definições estabelecidas pelo legislador, para efeito de compreensão do diploma em causa, que infra analisaremos.
(vi) Atentos ao diploma legal (Lei Cambial), que o BNA recorrentemente utiliza para sancionar os transgressores dos referidos limites, infere -se claramente que o seu âmbito são as operações cambiais e financeiras e o comércio de câmbio (cf. art.º 2.º);
(vii) Nesta sequência de raciocínio, no artigo 5.º (definições) da Lei em análise, de forma expressa, o legislador define, taxativamente, os casos que são havidos como operações cambiais e financeiras. Ei-los:
Consideram-se operações cambiais e financeiras:
a) a aquisição ou alienação de ouro amoedado, em barra ou em qualquer forma não trabalhada; b) a aquisição ou alienação de moeda estrangeira; c) a abertura e a movimentação no País, por residentes ou por não residentes, de contas em moeda estrangeira; d) a abertura e a movimentação no País, por não residentes, de contas em moeda nacional; e) a liquidação de quaisquer transacções de mercadorias, de invisíveis correntes ou de capitais.
(viii) Seguramente, sem a necessidade de exercício interpretativo apurado, no artigo em causa não está previsto a limitação de saída do país com moeda estrangeira (…), como operações cambiais. Logo, nada tem a ver com o problema em reflexão.
(ix) No mesmo sentido, também, revela-se fracassado o esforço no sentido de enquadrar a situação (saída do país com moeda estrangeira) no comércio de câmbio, que constitui o segundo alvo do folego legislativo previsto no artigo 2.º da Lei Cambial. Porquanto, no artigo 10.º (Exercício do comércio de câmbios), onde o legislador esclareceu o que deve ser entendido como comércio de câmbio, também, nada tem a ver com o problema em análise, como se pode constar.
Eis o artigo:
1. Entende-se por exercício do comércio de câmbios a realização habitual, por conta própria ou alheia, de operações cambiais.
2. O exercício do comércio de câmbios depende de autorização especial do Banco Nacional de Angola nos termos da legislação aplicável.
(x) Por último e não menos determinante, no Cap.VI da Lei Cambial, mais concretamente no seu art. 19.º(Transgressões) reservado às infracções e sanções, o legislador, mais uma vez, reitera as situações que a sobredita Lei regula, por remissão à definição de comércio de câmbio e operações cambiais e financeiras, que, supra, clarificamos. Ei-lo:
Consideram-se transgressões puníveis nos termos do presente diploma:
a) O exercício do comércio de câmbios, em contravenção ao disposto no artigo 10° da presente Lei; b) realização de operações em contravenção do disposto nos artigos 7° a 9° e 13° a 15° da presente Lei; c) a contravenção ao disposto nos diplomas referidos no artigo 18° da presente lei.
Pelo exposto, não existe razão atendível para que o BNA insista em subsumir a ocorrência (saída do país com moeda …) ao diploma em causa. Pois, em nenhum dos seus artigos e nem no seu preâmbulo se prevê tal situação e/ou sanção. E mais, tratando-se de normas incriminadoras, é ilegal o recurso aos métodos que ampliam as situações sancionatórias, como já o dissemos supra. Logo, para nós, o BNA tem sancionado ilegalmente.
3.Os critérios, desconhecidos, para determinar o montante da multa aplicados pelo BNA.
3.1.O resultado desta ausência de diploma legal que fixa os critérios que devem nortear o BNA, na aplicação da sanção em reflexão, tem revelado por parte desta Instituição uma falta de coerência, legalidade e objectividade na determinação das multas;
3.2.Pois, em determinados momentos somos surpreendidos com apreensão e reversão a favor do Estado de todo valor envolvido, em outros, já demostram maior proporcionalidade aplicando percentagem tendo como referência o valor apreendido, por exemplo 50%; 30%, entre outras. O que é de todo ilegal, já que a aplicação das multas não deve ser discricionária. Pelo contrário, tem de obedecer aos critérios fixados e publicitados pelo legislador, sob pena de abalar a justiça e a segurança jurídica.
4.Conclusões.
Para finalizarmos, não temos dúvidas de que:
(i) A Lei Cambial nada tem a ver com o problema em reflexão, pelo facto de não lhe ser subsumível (nem na sua letra e/ou no seu espirito);
(ii) Assim sendo, as sanções aplicadas pelo BNA revelam -se em total descompasso com as imposições do princípio da legalidade do direito sancionatório vigente em Angola, pois, carecem de lei que as legitime. Logo são ilegais.
(iii) A obediência das Instituições à lei é um pilar fundamental para o Estado do Direito.
(iiii) Temos de levar a sério os efeitos nefastos que informam um quadro legal em que o BNA- o principal coordenador e fiscalizador do sistema financeiro - viola a lei de forma claríssima e reiterada.
5.Nossa sugestão:
O parlamento deve clarificar por intermédio de uma lei os critérios objectivos que devem nortear as sanções nos casos em que alguém se desloque ao exterior do país (…). Pois, tal imperativo é um dever elementar de justiça. Para o efeito, sugerimos critérios cumulativos como: a) a quantidade de valor apreendido; b) a reincidência do transgressor; c) as justificações quanto à origem do dinheiro apresentadas pelo transgressor, entre outros.