Luanda - Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro de Angola, critica as palavras de Seixas da Costa, fala de João Lourenço, de José Eduardo dos Santos, da transição e das relações com Portugal.

Fonte: Jornal I

‘Não podemos ser considerados inferiores’

«Fico muito triste quando personalidades portuguesas nos apresentam sempre bitolas para baixo», disse ao SOL Marcolino Moco, antigo Primeiro-ministro de Angola e antigo secretário-geral do MPLA que nos últimos anos tem assumido posições críticas em relação ao seu partido e a José Eduardo dos Santos.

 

«Estou a ver o embaixador [Seixas da Costa] a falar sempre a favor do regime angolano assente no ponto de que se tem de comparar Angola com o resto de África», afirma, «não podemos sempre ser considerados seres inferiores, que têm de se contentar com qualquer coisa».

 

«Com essa forma de falar não ajuda Angola, também não ajuda África», acrescenta o antigo governante. Seixas da Costa, que trabalhou na embaixada de Portugal em Luanda nos anos 1980, afirmou, citado pela Lusa, que «não podemos comparar Angola com modelos europeus ou latino-americanos, tem que ser comparada com o resto de África», para dizer que «o modelo angolano tem mais liberdades que outros países africanos».

 

«Há coisas nos nossos regimes que ultrapassaram para pior e em muito o sistema colonial», refere Marcolino Moco, para quem em Angola se vive um ambiente que «é resultado da opacidade, de meios de comunicação permanentemente laudatórios».

 

O ex-líder do governo fala em «autênticos presos» a comentar nos meios de comunicação social angolanos, «completamente manietados» para tecerem loas ao Presidente e ao MPLA. E dá o exemplo do que lhe aconteceu, quando foi ao encontro de intelectuais organizado pelo candidato do MPLA à presidência, João Lourenço.

 

«Alteraram a minha intervenção que foi crítica negativamente ao Presidente e ao sistema em si, fizeram os cortes e transformaram a minha crítica num discurso laudatório», explica.

 

Há muito anos que Marcolino Moco vem expressando publicamente essas suas críticas à «opacidade» do regime, a «um ambiente preocupante» que existe no país, e sobre as eleições considera que essas condições acabaram por resultar em injustiça para a oposição.

 

«Não vou analisar os resultados porque não tenho dados para avaliar se são justos ou injustos, nem tenho capacidade para saber se a oposição tem ou não tem razão. Não tenho dúvidas é que os antecedentes às eleições foram completamente injustos. Com uma comunicação social completamente dominada pelo regime, uma desproporção enorme de cobertura durante a pré-campanha e a campanha».

 

Tendo em conta as suas posições críticas em relação ao MPLA e ao Governo, estranhou-se ver Marcolino Moco na tribuna de honra no último comício da campanha eleitoral de João Lourenço, o único a que José Eduardo dos Santos assistiu.

 

Aceitando que isso poderia ser interpretado como estando próximo de João Lourenço – «claro, foi para isso que me chamaram» –, Marcolino Moco explica que foi colocado numa posição em que era «muito difícil negar» o convite. «Eu não me despedi do partido, estava preparado para que me despedissem, não me despediram», daí que «não ir era perder uma possível oportunidade para a partir de agora retomar o meu curso dentro do partido e ajudar o MPLA a voltar ao processo de abertura».

 

O facto de ter criado «muitas frustrações, muitos desgostos, sobretudo naqueles setores que, face às dificuldades da oposição, pensaram que eu era um revolucionário», quando é apenas «um homem normal», permitiu-lhe perceber «a importância» que afinal tem em Angola, entender que tem «algum peso no país».

 

E o que pensa Marcolino Moco da transição de José Eduardo dos Santos para João Lourenço? «Tenho que acreditar em João Lourenço. É evidente que ele está dentro de uma máquina e temos de lhe dar tempo e apoiá-lo, se ele quiser, sem hostilizar o Presidente José Eduardo dos Santos, que ainda é o chefe do partido e é uma pessoa que nós respeitamos. Tem de ser devagarinho, perceber se há mesmo vontade de mudança ou não».

 

Para o antigo primeiro-ministro angolano, o problema é que as pessoas acreditam que todos os problemas se resolvem com eleições: «Acabámos com os sistemas ditatoriais antigos, agora passamos para a falsidade de pensar que as eleições resolvem tudo. Não conseguimos sequer pensar em estabelecer pactos prévios para assentarmos alguns pilares para determinarmos as constituições dos nossos Estados que foram fundados pela colonização».

 

Na sua perspetiva, deveria ter havido um «pacto prévio antes de pensarmos em resultados eleitorais», um verdadeiro «pacto de regime» em que «um dos primeiros pontos seria voltar a discutir o problema da reconciliação nacional», porque, na verdade, «a reconciliação nacional não passou do papel e das declarações».

 

A saída de José Eduardo dos Santos do poder, ao fim de 38 anos, leva Marcolino Moco a desejar que o ainda Presidente consiga reabilitar-se dos «aspetos menos positivos» do seu Governo, «sobretudo nos últimos 15 anos, em que apenas deixa a imagem de alguém mais preocupado com a preservação do poder e de passá-lo aos filhos, mais preocupado com aquilo a que ele próprio chamou de acumulação de capital».

 

Poderia fazer isso, segundo Marcolino Moco, «ajudando o seu sucessor a fazer uma boa transição, dando passos para uma verdadeira reconciliação nacional». O ex-primeiro-ministro diz até que há «predisposição», em muitos setores, «para pôr uma pedra sobre o assunto da riqueza que foi acumulada, sem falar em caça às bruxas, prisões, vinganças».

 

«Isso ajudaria a termos um país com uma imagem melhorada, com uma cooperação mais racional em relação a Portugal, que é um país incontornável», sublinha. «Há pessoas que volta e meia insultam Portugal por tudo e por nada, mas isso é politiquice. Angola é resultado da colonização portuguesa, não há que contornar esta relação, por isso, quando se fala em parceiros, a primeira ideia é a nossa parceria com Portugal que nos últimos anos se tem pautado por aspetos muito negativos, alguns exageros de certas pessoas, pela hipocrisia de outras que se aproveitam da acumulação do capital que se faz aqui – temos que corrigir isso.»