Luanda - [Reproduzo aqui um dos despachos que, sobre a exoneração do General João de Matos em Janeiro de 2001, escrevi na altura como correspondente da imprensa estrangeira.]

Fonte: Morro da Maianga

O general Armando da Cruz Net até então vice-ministro da defesa, é o novo Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas em substituição de João de Matos que desde 1992 ocupava o cargo que o transformou num dos homens mais poderosos da nomenklatura angolana.


Oficialmente as razões evocadas por José Eduardo dos Santos na sua condição de Comandante em Chefe das Forças Armadas para a exoneração de João de Matos do comando superior das FAA foram apenas regulamentares, tendo em conta o tempo máximo de oito anos, correspondentes a dois mandatos consecutivos, previstos na lei.


O decreto presidencial acrescenta que a decisão resultou da “necessidade de se proceder à renovação do Comando Superior das Forças Armadas Angolanas”. A divulgação da medida foi tomada em vésperas da partida esta sexta-feira de Eduardo dos Santos para um périplo pelo extremo oriente que o levará a visitar o Japão e a Coreia do Sul à procura, certamente, de novos apoios financeiros e económicos para o seu governo. Fazer uma remodelação de tal envergadura e depois viajar imediatamente para o estrangeiro parece ter sido um sinal de grande controlo da situação politico-militar que Eduardo dos Santos quis transmitir quer ao interior como ao exterior do país.


Na primeira reacção que esta sexta-feira foi possível ouvir do General João de Matos numa das rádios locais, a justificação avançada pelo próprio foi exactamente a mesma. Tratou-se do cumprimento dos regulamentos militares.


“ Parto de cabeça erguida com o dever cumprido. Concerteza que poderíamos ainda ter feito um pouco mais. Não o fizemos por diversos condicionalismos, mas estamos bastante satisfeitos com tudo aquilo que sucedeu no decorrer dos meus mandatos”.


Num país onde normalmente os prazos legais são para esquecer, sobretudo quando se trata de cumprir mandatos à frente de cargos públicos importantes, poucos serão aqueles que acreditam que de facto a razão da exoneração de João de Matos tenha sido fundamentalmente de natureza regulamentar.


É aqui que surgem algumas leituras distintas para o seu afastamento que, entretanto, parecem ter um ponto de convergência que aponta para o facto de, entre a classe política afecta ao poder, se terem começado a alimentar alguns receios em relação a um suposto excesso de protagonismo incluindo o diplomático, aliado a uma postura demasiado independente da parte do General João de Matos. Demasiado para os gostos de um regime “desconfiado” que sempre viu neste tipo de comportamento individual uma potencial ameaça ao poder absoluto do chefe supremo que é preciso saber eliminar imediatamente.


São conhecidos alguns episódios em que João de Matos terá chocado abertamente com alguns políticos do regime. Ninguém ignora que o seu relacionamento com o próprio ministro da defesa, Kundi Paihama estava longe de ser um mar de rosas. Algumas fontes em Luanda admitem mesmo que este relacionamento demasiado tenso poderá ter sido a causa mais próxima que ditou o afastamento de João de Matos.


O general João de Matos deixa o cargo a meio de uma tarefa de gigantes que é o alcance da paz para Angola. O país continua em guerra. Com todas as vitórias militares conseguidas pelas forças governamentais sobre a UNITA de Jonas Savimbi, o que é facto é que os angolanos muito dificilmente circulam pelas estradas do país a reflectir certamente a acção de uma guerrilha que todos os dias dá noticias frescas, que raramente conseguem quebrar a barreira do silêncio dos médias estatais.


João de Matos reconheceu ontem que deixou o cargo sem ter concretizado a sua promessa. Na mata continua, aparentemente de boa saúde o homem, Jonas Savimbi, cuja eliminação do cenário politico-militar era o grande objectivo da sua campanha.
“Faltou acabar com a guerra, temos que continuar a fazer outros esforços, não só militares como também políticos, no sentido de encontrarmos a paz de que Angola necessita”.


Em relação ao seu substituto que como ele é igualmente mestiço, não podiam ter sido mais simpáticas as referências feitas por João de Matos.
“ O General Armando da Cruz Neto é um velho camarada, é um velho colega, um homem com uma grande capacidade de analise e de decisão. Penso que vou entregar o testemunho em boas mãos, de uma pessoa capaz de continuar a dirigir os destinos das forças armadas com o mesmo rigôr com que o fizemos até aqui”.

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