Lisboa - Se Há Perdão para os que Roubaram Dinheiros Públicos Deve Haver Também Perdão Fiscal para as Empresas Nacionais Prejudicadas Pelo Estado em Consequência da Crise Económica ?
Fonte: Club-k.net
Porque não Perdão Fiscal para as Empresas Nacionais Prejudicadas?
A pretensão do Estado Angolano perdoar os prevaricadores que se apoderaram indevidamente de dinheiros públicos e os transferiram para o estrangeiro, caso repatriem voluntariamente estes capitais para o país, é discriminatória na perspectiva fiscal. Ao menos que, concorrentemente, o Estado promova um perdão fiscal aos contribuintes, que no decurso das suas operações, como consequência do ambiente macroeconómico muito pouco favorável aos negócios caíram em incumprimentos fiscais.
Pois bem, se o Estado está disposto a perdoar quem roubou o dinheiro dos angolanos, depois fraudulentamente o transferiu para o estrangeiro, sem pagar os impostos correspondentes, como se pode entender o Estado não perdoar as empresas que empurrou para o descalabro? Parece contra-senso exigir um segundo perdão fiscal, num momento particularmente difícil das contas públicas. Mas, face ao perdão anunciado, é justo que o Estado reveja a situação dos empreendedores nacionais, que se debatem com enormes dificuldades, muitas delas, precipitadas pelas políticas económicas, pouco conseguidas, do Estado.
Ao longo destes últimos 4 anos, o Estado Angolano não pagou aos fornecedores e prestadores de serviços, tendo acumulado avultadas somas em dívida. Face ao avolumar da mesma e incapacidade de a liquidar, o Estado Angolano decidiu paga-la através de títulos da dívida pública (obrigações de Tesouro), cujas datas de maturidade rondam os 2 à 7 anos. Em muitos casos a dívida liquidada foi contraída há 5 anos, quando um dólar americano valia 98 Kwanzas, passados 4 anos, com a desvalorização da moeda nacional, o Estado arrogantemente, impôs o seu poder de império, não aceitando a actualização das dívidas, empurrando os credores para uma situação muito difícil. Muitas dessas empresas estão hoje numa situação de falência técnica.
Os decisores de política económica em Angola terão que compreender que a economia é uma engrenagem que deve funcionar de forma compassada, é como uma orquestra, todos têm que dominar as notas musicais. Numa transacção comercial, a despesa de um agente é receita do outro, ao mesmo tempo, o passivo de um é activo de outro. Quando um dos agentes deixa de honrar o seu compromisso, interrompe o ciclo das transacções e bloqueia todo processo. A economia é no fundo a multiplicidade destas transacções. O Estado ao ter falhado o pagamento das suas obrigações às empresas, interrompeu o ciclo das transacções, desembocando num efeito contágio, que estrangula a economia nacional.
Assim, em Angola, o Estado foi responsável pela morte de milhares de empresas que investiram os seus parcos recursos nos contratos livremente estabelecidos entre agentes económicos, pois o Estado, é também um agente económico. A cadeia de contágio directa e indirecta é enorme. Tem, por conseguinte, o Estado a obrigação moral de viabilizar estas empresas, concedendo um perdão fiscal, antes de perdoar aqueles que de forma dolosa, aproveitaram-se dos cargos que ocupam ou ocuparam no aparelho administrativo do estado e transferiam milhões para o estrangeiro.
Disse recentemente um comentarista, com quem, estou plenamente de acordo: os actos de corrupção cometidos em Angola, não requerem inteligência especial, são feitos as claras. Os nossos endinheirados, usando o termo do escritor Moçambicano Mia Couto, abocanharam as fortunas as claras, se os órgãos competentes da administração da justiça tivessem o mínimo interesse, já teriam enjaulado centenas, assim salvássemos o país da hecatombe em que se encontra.
Nesta conformidade, descordo com a afirmação do Presidente da República, quando afirma que não se trata de uma cruzada contra os ricos do país! É que em Angola temos, de facto, muito poucos ricos. Seguindo a linha de pensamento de Mia Couto, “Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro, dá emprego”. Já o Endinheirado, segundo ainda Mia Couto, é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos” (…).
Angola tem muitos endinheirados, que acumularam fortunas através de esquemas, aproveitamentos, ou até mesmo apropriação de fundos públicos! Terão estes um tratamento diferenciado do que aqueles que foram empurrados na situação de incumprimentos fiscais por culpa do próprio Estado?
Entre os vários aspectos que o novo Governo, liderado pelo Presidente João Lourenço, deve priorizar é melhorar o cultivo da seriedade do agente económico Estado, para sementar a confiança, condição sine quanone, para a redinamização das relações comerciais entre os agentes económicos, profundamente abaladas por incumprimentos por parte do Estado. O contrato e a propriedade de bens são os sustentáculos da economia capitalista. Portanto, o desrespeito dos contratos por parte do Estado induziu uma disrupção total na engrenagem do funcionamento da economia. Por conseguinte, se há clemência para os que roubaram dinheiro, deve haver também perdão fiscal no período em referência para as empresas. Se é para recomeçar, deve o Estado também olhar para aqueles que prejudicou.