Luanda - O antigo procurador-geral da República João Maria de Sousa não respondeu, em duas ocasiões distintas, a uma solicitação de cidadãos angolanos que requereram, em 2011 e 2016, a abertura de investigações que visavam apurar a “licitude dos negócios nos quais estão envolvidos os filhos de José Eduardo dos Santos”, apurou o Novo Jornal a partir da referida carta a que teve acesso.

* Nok Nogueira
Fonte: NJ

“Alguns dos filhos do senhor Presidente da República de Angola, sem nenhum registo de acumulação de riqueza por parte dos seus progenitores, muitos jovens e sem que tenham herdado fortunas, tornaram-se sócios ou mesmo donos de empresas de diamantes, de empresas de telecomunicações, bancos, empresas de transportes e outras mais, com avultados investimentos. Têm também investido no estrangeiro como, por exemplo, em Portugal”, escreveram ao PGR, a 22 de Abril de 2011, Fernando Mace- do, Luís do Nascimento, William Tonet, Luís Araújo e Justino Pinto de Andrade.

 

O documento, cuja cópia foi igual- mente entregue aos procuradores-gerais de Portugal, Alemanha, Espanha, França, Reino Unido e Estados Unidos — a fim de que estes procuradores pudessem colaborar na “investigação dos negócios além-fronteiras dos filhos do então Presidente da República de Angola” — , apelava a que João Maria de Sousa, “em face do enriquecimento tão rápido e dada a história desse processo...”, ordenasse investigações à legalidade dos negócios em que os visados apareciam citados no país e no estrangeiro.

Os subscritores apontavam a concessão do canal 2 da TPA e TPA Internacional, a compra de parte de acções do Grupo BPI, e dos bancos BFA, BPA, BESA e Quantum; a criação dos bancos BIC, Banco Sol e BNI, e investimentos no exterior do país, como alguns exemplos que de- veriam motivar a acção da PGR.


“Os signtatários desta carta pedem ao senhor procurador-geral da República de Angola que ordene a abertura de investigações para que se apure a licitude de to- dos os negócios nos quais estão envolvi- dos os filhos do Presidente da República de Angola, para que se apure a verdade; uma vez que têm sido inúmeras as denúncias, quer a nível nacional, quer a nível internacional de favorecimento e ou- tras práticas mais que não estão de acordo com as leis do Estado de Angola e também com as leis dos países receptores dos investimentos dos filhos do Presidente de Angola”, lê-se no documento, que, entre- tanto, voltou à Procuraria-Geral da República cinco anos mais tarde.

Na carta de “recurso”, cuja recepção foi acusada em 6 de Setembro de 2016, lê-se: [...] sem que tenha havido até à presente data resposta de Vossa Excelência, reitera-se, em consequência, o pedido de abertura do susodito inquérito. A mesma não teve, até hoje, resposta da PGR.


Carta será encaminhada ao novo PGR: Subscritores voltam à carga com Pitta Grós

Apesar de terem decorridos sete anos sem a Procuradoria-Geral da República responder à solicitação e ter-se mu- dado o condutor do Ministério Público, os subscristores assumem o interesse de “oportunamente” voltarem a sub- meter uma cópia do mesmo documento a Hélder Pitta Grós, o novo timoneiro da PGR.


“Vamos oportunamente voltar a abordar a Procuradoria-Geral da República de Angola. É indiscutível a relevância jurídica dos actos praticados que visaram o enriquecento ilícito de filhos do ex-Presidente da República, no contexto da construção da República, do Estado democrático de direito”, disse ao Novo Jornal Fernando Macedo, um dos nomes que em 2011 escreveram a João Maria de Sousa.


O jurista, que reconheceu haver sinais que apontam para a existência de vontade para alteração do estado de coisas no país, lamenta não surgirem ainda resultados palpáveis. “Parece existir vontade para mudar o paradigma da impunidade em relação aos ‘intocáveis’. Todavia, ainda não existe nenhum resultado no que à responsabilidade penal dos intocáveis diz respeito”, frisou.


Por outro lado, acrescentou, “os intocáveis e seus associados começam a dar sinais de pretender criar um movimento contrário ao princípio da igual- dade perante a lei. Deste facto, resulta a necessidade de os cidadãos e as cidadãs continuarem vigilantes e a de- mandarem que o sistema judiciário angolano mude de facto”.

 

Para Fernando Macedo, “constitui obrigação do sistema judiciário, sem atropelo à legalidade, sujeitar os ‘intocáveis’ à responsabilização penal quando existirem razões que o justifiquem”.