Luanda - A fronteira de Santa Clara, no sul de Angola, é a principal porta de entrada e saída terrestre do país, movimentando mais de 50.000 pessoas por mês, ainda assim uma parte dos números atingidos antes da crise angolana.

Fonte: Lusa

Em plena fronteira com a localidade namibiana de Oshikango, Silvestre Apolinário, director provincial do Cunene do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) angolano, começa por reconhecer, em entrevista à Lusa, o cenário daquele posto: "As transações comerciais baixaram consideravelmente".

Sem divisas para comprarem do outro lado e com uma crise que se arrasta desde finais de 2014, as populações de Namacunde, no Cunene, mas também do sul de Angola, que utilizam a fronteira de Santa Clara, deixaram de ter possibilidade de ir à Namíbia e com isso, os namibianos perderam igualmente poder de compra.

"Era um verdadeiro movimento de transações comerciais, de realidade de trocas culturais, de vivências dos povos. Um movimento que galvanizava quer a economia angolana como a economia namibiana", recorda Silvestre Apolinário.

Entre os dois lados da fronteira, em grande parte dos 340 quilómetros terrestres e 120 fluviais sem qualquer marcação, explica o responsável do SME, "há uma relação de consanguinidade histórica", de um povo com características, tradições, cultura e até línguas comuns.

"Há até cidadãos angolanos que vivem na Namíbia e trabalham em Angola e há namibianos que vivem em Angola e trabalham na Namíbia. Portanto, um movimento intenso de consanguinidade e de história", assume Silvestre Apolinário.

Para garantir este movimento foram assinados acordos bilaterais, no domínio migratório, entre os dois países, incluindo a disponibilização de salvo-condutos para os cidadãos dos dois países e com os habitantes da província do Cunene a poderem circular no território Namibiano com o denominado passe de travessia.

"A realidade é de uma emanação intensiva, tem de haver facilidade na circulação e no tratamento das pessoas", insiste o responsável provincial do SME.

A realidade é explicada, diz, com os números.

Só num mês, em fevereiro deste ano, e apesar de "muito distante" do período antes da crise, 10.880 estrangeiros entraram em Angola por Santa Clara, dos quais 9.771 eram namibianos, enquanto 10.004 estrangeiros, incluindo 9.771 namibianos, saíram de território angolano.

A estes números acresce o movimento de angolanos, com 17.705 a saírem por Santa Clara e 15.371 nacionais a fazerem o percurso inverso.

Do outro lado, os angolanos procuram comércio, serviços de saúde ou de educação, mas também levam pequenas quantidades de todo o tipo de produtos para vender na Namíbia, enquanto ao contrário, funciona o poder de compra dos namibianos, que procuram em Angola produtos e alimentos mais baratos.

Alguns, angolanos e namibianos cruzam mesmo a fronteira várias vezes ao dia, como se aquela linha não existisse na realidade.

"É impressionante, os dois povos, cada um precisa do outro", reconhece Silvestre Apolinário, acrescentando que apesar de o movimento fronteiriço ter baixado "consideravelmente" nos últimos três anos, há ainda realidades incontornáveis.

"Quando há pagamento de salários verifica-se um movimento intenso de cidadãos angolanos para a Namíbia e vice-versa", aponta ainda o oficial do SME, que no Cunene controla outros três postos fronteiriços, embora de menor dimensão e movimento.

A fronteira de Santa Clara, e a relação entre os dois países, é também vista de forma especial pelo segundo comandante provincial do Cunene da Polícia Nacional de Angola.

O subcomissário António Alberto da Silva está no cargo há 17 anos, período em que Santa Clara deixou de ser um ponto de fuga de angolanos, devido à guerra civil, para passar a ser a fronteira mais "madura" e "segura" de Angola.

"Mudou consideravelmente, em relação ao passado, que era de conflito em Angola e que tinha a sua influência no país vizinho. O movimento de pessoas e bens, nessa altura, não era feito de livre vontade", recorda o subcomissário, sobre a fuga de angolanos que procuravam então refúgio e até produtos que rareavam em Angola, devido à guerra civil, que terminou em 2002.

Desde então que o movimento, regular, através da fronteira, disparou, por vezes para um fluxo, nos dois sentidos, em que não havia mãos a medir.

Entretanto, a crise esfriou estas relações comerciais, como admite o segundo comandante da polícia angolana no Cunene, mas garantindo que esta fronteira com a Namíbia, apesar do movimento, é também a mais segura do país.

"Sem medo de errar, posso dizer que é a melhor fronteira, em termos de estabilidade e cooperação, a nível de Angola. Temos uma relação e uma cooperação extremamente boa, quer ao nível das forças, assim como as populações, dentro sempre do princípio do respeito mutuo e considerando as soberanias dos dois países", aponta ainda António Alberto da Silva.

Atualmente as polícias de fronteira dos dois países já asseguram patrulhamento conjunto, a partir de Santa Clara, ao longo dos quase 500 quilómetros que separam Angola e a Namíbia, com os comandos regionais das forças a partilharem informação e coordenação de operações em conjunto

"É um bom exemplo, um exemplo de estabilidade", concluiu o oficial da polícia angolana.