Luanda - Mateus Webba da Silva licenciou-se em Química, pela Universidade Agostinho Neto, e lidera um dos sete grupos do Instituto de Investigação Científica em Ciências Biomédicas (BMSRI) da Irlanda do Norte.

Fonte: JA
Nem todo o DNA está na forma de dupla hélice descrita nos livros didácticos desde a década de 1950. O ADN de hélice quádrupla, também conhecido como ADN G-quadruplex, foi identificado no genoma humano há algumas décadas e extensivamente estudado desde então. Cada célula do nosso corpo contém uma cópia do código de ADN composto de A, C, G e T, fornecendo o modelo para a organização e função de células nos nossos corpos. Essas letras combinam-se em pares, para formar a conhecida forma de dupla hélice. No entanto, alguns pequenos segmentos de ADN podem existir como formas alternativas, o que pode afectar a maneira como as instruções do código do ADN são “lidas”.

O ADN do G-quadruplex é uma estrutura de quatro filamentos formando um “nó” no ADN das células vivas. Nessas estruturas, muitos Gs no mesmo trecho de ADN unem-se, em vez de formar pares entre dois filamentos. Sabe-se que o ADN G-quadruplex é capaz de formar muitos tipos diferentes de formas estruturais. No entanto, pouco se sabe sobre os factores que controlam a formação destas estruturas. Como as estruturas de ADN do G-quadruplex têm desempenhado um papel importante na “leitura” de genes envolvidos no desenvolvimento de doenças humanas, os cientistas esperam que a variedade de formas que eles adoptam tenha um efeito sobre quando e como o ADN é lido. O estudo mostra como a sequência de ADN controla a formação da variedade de estruturas de G-quadruplexes.

O doutor Webba da Silva, principal autor do estudo, é angolano. Diz que “a capacidade de controlar a formação de G-quadruplex abre o caminho para aplicações terapêuticas e de biotecnologia para esta molécula.” Usando informação derivada de estudos de biofísica, o laboratório de Webba da Silva foi capaz de calcular a estrutura atómica, bem como os parâmetros mais importantes para programar a formação dessas arquitecturas.

“O problema é que o mesmo aspecto que torna essas estruturas possíveis - segmentos repetidos de múltiplas guaninas - é o que torna difícil prever a sua formação”, diz a Doutora Scarlett Dvorkin, também autora do estudo.

O estudo acima, publicado no passado dia 31 de Agosto, pelo conceituado jornal científico “Science Advances, foi liderado pelo angolano Webba da Silva. À entrevista, que o cientista deu a uma publicação brasileira.

Qual é a importância da descoberta, descrita no jornal “Avanços Científicos”(...)?
Sabemos que o ADN armazena informação que permite a reprodução de espécies na sequência das suas quatro bases: Adenina, Timina, Guanina e Citosina. Hoje em dia, é possível ler este código para distinguir indivíduos, estabelecer linha ancestral, diagnosticar doenças que possamos ter ou possamos vir a desenvolver e, num futuro próximo, manipular o ADN para evitar certas doenças ou ainda para fins cosméticos. Esse ADN é geralmente armazenado como uma dupla hélice, mas, nos últimos anos, aprendemos que pode formar hélices quádruplas.

Quando forma hélices quádruplas, o ADN sinaliza uma série de funções para permitirem a sobrevivência das nossas células. Temos aprendido, nos últimos tempos, que diferentes estruturas de hélice quádrupla sinalizam funções diferentes. Algumas dessas funções podem manifestar-se, por exemplo, como uma doença.

Essencialmente, desenvolvemos os meios para prever que estrutura de hélice quádrupla o DNA pode adoptar. Numa base primária, a nossa descoberta tem a importância fundamental de ser uma ferramenta para que se possa desenvolver conhecimento a respeito de mecanismos de função em biologia molecular. Também é de valor imediato para os cientistas que trabalham no desenvolvimento de meios para controlar essas funções: por exemplo, no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico de doenças ou terapêuticas.

No entanto, a capacidade de criar formas de hélice quádrupla também é de grande importância. Tem sido um objectivo perseguido por muitos investigadores, especialmente na biomedicina, ciências da computação, nano/optoelectrónica e na bionanotecnologia. Consequentemente, tenho a certeza de que este nosso contributo abrirá novas áreas significativas de pesquisa.

Quem financiou este trabalho e como surgiu?
Tive a sorte de ter alunos talentosos de doutoramento (PhD), técnicos e pesquisadores científicos que têm trabalhado em vários aspectos do ADN de hélice quádrupla no meu grupo há vários anos. Portanto, tenho vindo a publicar o nosso trabalho em revistas científicas de elevada reputação, desenvolvendo assim a reputação de possuir a capacidade de lidar com esse tipo de problema.

Daí termos procurado, dentro do Reino Unido, a fonte de financiamento mais prestigiada para pesquisa científica deste tipo. O Reino Unido gasta cerca de 0,5% do seu PIB em pesquisa científica, com um orçamento actual de cerca de 6 biliões de libras. Uma das suas agências, o Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas (BBSRC, sigla em inglês), tem um orçamento de cerca de 0,4 bilião de libras para gastar em projectos deste tipo. Eu obtive mais de 290 mil do BBSRC por 3 anos. Este sucesso permitiu que a minha universidade financiasse ainda uma bolsa de doutoramento. Também solicitei, com sucesso, financiamento para o acesso a instrumentação científica em instalações de centros nacionais de ciência do Reino Unido, em Birmingham, e num Centro Europeu de Excelência em Ciência, na Eslovénia, com o qual tenho colaborações excelentes.

Agora que adquiriu esse conhecimento, quais são os seus planos?
Estamos a trabalhar em algumas aplicações bastante interessantes. Objectos feitos de ácidos nucléicos são importantes para o desenvolvimento de tecnologias baseadas em células, não apenas devido à sua programabilidade, mas também à sua biocompatibilidade. Por isso, já iniciámos projectos para desenvolver medicamentos, bem como meios de administração de medicamentos.

Em sistemas não-biológicos, a capacidade de programação, bem como as propriedades ópticas e electrónicas do ADN de hélice quádrupla, sao actualmente de grande interesse científico. O meu laboratório tem produzido fios de hélice quádrupla que colaboradores da Universidade Hebráica de Jerusalém têm estado a testar para o transporte eléctrico directo. Temos tido algum sucesso.

Até agora, a introdução de proteínas terapêuticas dentro de células tem-se baseado em processos que não podem ser aplicados a sistemas vivos de maneira confiável. O meu laboratório tem desenvolvido a capacidade de introduzir nano-partículas inteligentes de ADN para produzir terapias de proteínas em sistemas vivos. A nossa aspiração é sermos capazes de controlar a produção da proteína terapêutica específica no interior de tecido celular escolhido, como, por exemplo, num órgão especifico. Entretanto, para cumprirmos essas promessas, primeiro, precisamos de garantir que elas sejam adequadamente financiadas e aí começa outra história.

Com a experiência adquirida, como pretende contribuir para o desenvolvimento de Angola?
A minha experiência inclui administração e planeamento de políticas de desenvolvimento em certas áreas da ciência. Especificamente, como criar valor do entrelaçamento envolvendo empreendimento, educação e ciência. Tenho boas memórias de trabalhar em educação em Angola. Como Professor Assistente, ministrei vários cursos de Química na Universidade Agostinho Neto. Também ensinei Matemática e Química Analítica, no Instituto Makarenko, e Inglês, na Escola NgolaKiluanji. Em termos de educação, sigo os passos de meu avô, Francisco Webba, cuja carreira docente iniciou na Missão Metodista do Quéssua, em Malange. Tenho as minhas raízes em Angola: família e amigos em várias províncias. É claro que gostaria de contribuir para o desenvolvimento de uma infra-estrutura científica e credível em Angola.

PERFIL

Mateus Webba da Silva licenciou-se em Química, pela Universidade Agostinho Neto. Foi ainda Monitor, depois Professor Assistente na Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto, antes de se doutorar em Química pela University of Exeter, no Reino Unido.

Trabalhou como investigador científico no Royal Institute of Technology (KTH), em Estocolmo, Suécia, na University of California (Davis), nos EUA, no Memorial Sloan-Ketering Cancer Center, em Nova Iorque (EUA), e na Duke University, também nos EUA. Presentemente, é Professor Associado da Ulster University, no Reino Unido, onde é reconhecido pelo seu trabalho em Química. Webba da Silva lidera um dos sete grupos de investigação do Instituto de Investigação Científica em Ciências Biomédicas (BMSRI) da Irlanda do Norte. Este instituto figura entre os melhores em investigação científica em Ciências Biomédicas no Reino Unido.