Luanda - Posição da UNITA Sobre O Estado da Nação Apresentada pelo Presidente do Partido Dr Isaías Samakuva, a 22 de Outubro de 2018

 

Excelentíssimo Senhor Vice Presidente da UNITA, Dr. Raul Manuel Danda
Excelentíssimo Senhor Secretário Geral da UNITA Franco Marcolino Nhany
Distintos membros do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA
Digníssimos membros da Comissão Política da UNITA
Caros membros e militantes da UNITA
Ilustres convidados
Compatriotas
Minhas senhoras e meus senhores:


Nos termos da Constituição da República de Angola, a mensagem que o Chefe de Estado dirigiu ao País, aquando da abertura do ano parlamentar na passada semana, sobre o estado da Nação, constitui em si mesma uma convocação aos partidos políticos e }a Sociedade Angolana para contribuírem na formação da opinião pública e da consciência política nacional, visando influenciar a política nacional do Executivo para a promoção do bem-estar dos angolanos e do desenvolvimento do País.


No âmbito das prerrogativas que o Estado democrático nos confere, cumpre-nos transmitir hoje aos angolanos o ponto de vista da UNITA sobre o estado da Nação.

 

Sobre a natureza e o alcance da mudança que os angolanos anseiam


O momento político actual é importante, crucial, interessante e envolvente, porque os angolanos estão a testemunhar, pela primeira vez, um Presidente da República reconhecer e combater alguns dos erros da História política do seu próprio Partido, e da sua governação, que tiveram sério impacto nas conflitualidades que o País viveu e no estado de falência moral e financeira em que se encontra.


Compatriotas:

 

O Presidente João Lourenço parece ter entendido o clamor do povo por mudança. Se o faz apenas para salvar o MPLA ou para permitir o resgate da Pátria angolana para os angolanos, só o tempo dirá. Porém, alguns actos de coragem que demonstrou no primeiro ano do seu mandato colocam-no mais próximo dos anseios do povo por mudança, tal como advogada pela UNITA, do que das forças de bloqueio à mudança. Estão pois equivocados aqueles que afirmam que o Presidente esvaziou o papel da oposição democrática na nossa República.


Estão enganados porque é exactamente o contrário. É o Presidente da República que vem ao encontro dos anseios do povo por mudança. E é assim que deve ser. A democracia concretiza-se precisamente quando o representante que governa adopta como agenda do Estado democrático a satisfação dos anseios dos governados. Isto assim é porque democracia significa governo do povo, pelo povo e para o povo.


A UNITA saúda, por isso, a manifesta intenção do Presidente da República de colocar o angolano em primeiro lugar na Agenda do seu Governo e de dar ao País um novo rumo.


Para se corrigir o muito que está mal no País é preciso reconhecer primeiro as raízes do mal. A raiz do que está mal na governação não é a corrupção, nem a impunidade, nem a bajulação. Estes três males são consequências de um mal muito maior, que é a raiz de todos os males. A raiz do que está mal na governação de Angola é a própria natureza do regime político instalado em Angola pelo MPLA: no lugar do Estado democrático de direito, o MPLA instalou em Angola uma oligarquia que capturou o Estado e apoderou-se da economia nacional, com o objectivo calculado de criar teias de cumplicidades para subjugar a cidadania angolana e perpetuar-se no poder.
Vamos explicar.


A conversão formal do Partido-estado ao ideário democrático, nos anos 90, permitiu o florescimento de uma nova modalidade de Estado: o Estado predador. Quer dizer, não tendo o MPLA assumido efectivamente o regime democrático, passou a utilizar as instituições políticas, económicas e judiciais do Estado como instrumento para a manutenção do poder hegemónico. A economia ficou prostituída, os processos eleitorais foram viciados e a justiça tornou-se uma quimera.


Nesse contexto, o Estado tornou-se o pai da corrupção, o principal corruptor da Nação. Todos passaram a roubar, porque todos se aperceberam que o roubo começa lá em cima, e é protegido lá de cima. Todos passaram a defraudar, porque todos se aperceberam que tudo é uma fraude: o certificado de habilitações literárias é uma fraude, os contratos com o Estado são uma fraude, as ordens de saque são uma fraude, as eleições são uma fraude. Portanto, a atitude geral passou a ser “deixe-me tirar a minha parte”. “Esta é a nossa Angola. Tenho de salvar o pão das crianças”.


A captura do Estado e a sua utilização como veículo corruptor da Nação levou-nos, assim, à degradação dos valores da Nação, à subida vertiginosa dos preços, ao descalabro do sistema de educação e ensino, ao aumento da criminalidade, dos níveis de pobreza, à injustiça social, à falência do sistema de justiça, à impunidade, à desagregação social, enfim, à morte espiritual da alma da Nação.


Com a aprovação da Constituição de 2010, a oligarquia fez regredir o processo democrático e produziu uma estratégia para inviabilizar a democratização da economia, a fiscalização do Executivo pelo Parlamento, a institucionalização efectiva das autarquias locais e, consequentemente, a mudança do regime.


Descrever o estado da Nação não pode, por isso, ser confundido com a mera apresentação da evolução das contas públicas nem apenas com o relato dos feitos dos agentes do Estado, porque a Nação precede o Estado. O estado da nação é o estado das pessoas que a constituem, sua saúde física, financeira e espiritual. Suas expectativas, seus sonhos e sua segurança; São esses bens sociais que o Estado deve servir.


Compatriotas, Minhas senhoras e meus senhores:

 

O Presidente da República que mandou fazer a Constituição de 2010 foi forçado a sair. Porém, o Estado continua capturado e os interesses da oligarquia permanecem. Penso ser a eles que o Presidente João Lourenço se referiu, e bem, como poderosos interesses instalados.


Os poderosos interesses instalaram-se no Estado por via do MPLA. De facto, capturaram o Estado. Assim, apesar de o País afirmar ser uma República democrática, na verdade Angola é governada por um sistema oligárquico de Partido estado, que subverteu os ganhos da paz para aprovar uma Constituição que ataca os fundamentos de uma República, por concentrar os poderes legislativo e executivo num só órgão, singular, e colocar os actos do seu Titular além de fiscalização e de responsabilização. Este sistema assenta em cinco pilares, a saber:


1. Um Partido dominante que controla a economia, os Tribunais, as Forças de Segurança, o registo eleitoral e a organização das eleições.

2. Um Estado fraco, clientelista, sem instituições fortes e sem contrapoderes.

3. Adulteração progressiva e subtil da História e dos valores identitários da nacionalidade angolana.

4. Pessoalização do sistema de poder real e sua concentração formal na figura do Presidente da República.

5. Controlo absoluto da economia e do espaço público pela mesma família biológica e pela família política que também controla o Estado.

Se, como diz o ditado, o poder corrompe, então, o poder excessivo e sem contrapoderes corrompe excessivamente.

 

O resultado deste sistema atípico de governo não podia ser outro senão o que todos testemunhamos, a saber: actos sistémicos de gestão danosa que configuram crimes de peculato, quadrilha, fugas de capital, fraude e de corrupção, que foram rebaptizadas de “acumulação primitiva de capital» ou mesmo de “investimentos privados”.
Portanto, quando falamos do pagamento de contratos, de ordens de saque ou da dívida pública, estão lá incluídos actos de peculato, de fugas de capital e quadrilha, através da prática de sobrefacturação, vendas fictícias ao Estado, cobranças ao Estado de dívidas falsas e outras fraudes. A prática da venda directa de divisas também é utilizada como forma encapotada de exportação de capitais sem o correspondente benefício para o país, como bem reconheceu o Senhor Presidente da República na sua primeira mensagem à Nação.


A captura do Estado por esse sistema de poderosos interesses políticos e económicos, instalado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, é que constitui a raiz de tudo o que está mal na estrutura e no funcionamento do Estado. Ora, como o Estado democrático de direito não se compadece com sistemas paralelos de interesses poderosos, lesivos aos interesses do soberano, quem pretender mesmo corrigir o que está mal precisa necessariamente de atacar as raízes do problema, e não apenas os seus sintomas. Nem que para isso os primeiros pilares a ruir sejam os pilares que sustentam o Partido estado!


O grande desafio

Nesta conformidade, o grande desafio que o estado da Nação coloca hoje ao novo Chefe de Estado é o seguinte:

 

Vai o Senhor Presidente da República responder cabalmente aos anseios dos angolanos por uma mudança efectiva do sistema, com o objectivo de salvar Angola, ou vai limitar-se a atacar alguns dos sintomas com o objectivo de salvar o MPLA?


Vai o Senhor Presidente da República adoptar uma estratégia própria para libertar o Estado das armadilhas da oligarquia, ou vai mantê-lo capturado pelo sistema instalado pelo seu antecessor?


Vai o Senhor Presidente da República manter a adulteração da História e dos valores identitários da nacionalidade angolana, ou vai continuar a ter coragem para corrigir as mentiras históricas que o seu Partido impôs à Nação e promover de uma vez por todas a verdadeira reconciliação nacional?


Para os angolanos saberem se as políticas do Presidente da República visam mesmo acabar com a pobreza e salvar a Pátria ou visam apenas aumentar a dívida para fazer mais obras descartáveis e limpar a imagem do MPLA, basta perguntar e observar o seguinte:


Pergunte-se:

Desde que o novo Presidente tomou posse até hoje, a minha vida melhorou ou piorou? A situação nos hospitais melhorou ou piorou? Dos 500.000 novos empregos que prometeu, quantos já foram criados? O número de crianças fora do sistema de ensino aumentou ou diminuiu?


Em 1992, os angolanos já rejeitaram o sistema monopartidário de Partido-estado. Todavia, o sistema mantém-se com novas feições, ganhas depois da conquista da paz militar, em 2002, e consolidou-se como democracia autoritária tutelada com a aprovação da Constituição de 2010.


A crise sistémica que o país vive resulta desse sistema atípico, que permite a centralização do poder num só órgão do Estado, sem fiscalização, e a concentração da riqueza nacional numa só família política, o Partido-Estado. Por isso, a solução desse problema profundo exige muito mais do que exonerações e prisões. A solução da crise passa pela transição efectiva para a democracia e pela consolidação do Estado de direito.


Se o Presidente da República tomar medidas decisivas para promover a revisão pontual da Constituição, visando entre outros objectivos, aperfeiçoar os mecanismos de garantia dos direitos e liberdades fundamentais, despartidarizar o Estado, descentralizar o poder executivo, instituir a eleição livre e directa do Presidente da República pela cidadania, assegurar o equilíbrio de poderes entre os órgãos de soberania e democratizar a economia, então, os angolanos poderão concluir que o nosso Presidente pretende de facto servir Angola e os angolanos e não apenas o seu Partido, o MPLA.


O Presidente disse há um ano, por exemplo, que, cito, “Queremos ver o Parlamento a assumir as suas reais funções de fiscalização do Executivo”.


Se o Presidente da República permitir a fiscalização da execução do Orçamento Geral do Estado pelos cidadãos de qualquer partido político, através dos seus representantes eleitos; e se, enquanto líder do MPLA, instruir a sua bancada parlamentar para viabilizar as Comissões Parlamentares de Inquérito à Sonangol, ao Fundo Soberano, ao Banco BESA e à dívida pública, os angolanos poderão concluir que o nosso Presidente pretende de facto servir Angola e os angolanos e não apenas o seu Partido, o MPLA.


De igual modo, para o combate à corrupção institucionalizada ser eficaz, ele não deve ser seletivo nem arbitrário. Deve ser estruturado, inclusivo, justo e transparente. Os angolanos precisam de saber primeiramente como se enquadra a Lei da amnistia, e seus efeitos, nesse combate. Os roubos praticados antes de 2016 devem ou não ser investigados? E quantos dos infractores eventuais devem ser indiciados? Todos, ou apenas alguns?


Se o Presidente da República esclarecer estas questões e não recuar na luta contra os “poderosos interesses instalados”, os angolanos poderão concluir que o nosso Presidente pretende de facto servir Angola e os angolanos, e não apenas o seu Partido, o MPLA.


Ademais, a oligarquia não praticou nem pratica apenas actos de corrupção financeira. Praticou, e pratica, também de forma institucional, actos de corrupção política, actos de corrupção eleitoral e actos de corrupção judicial. Muitos desses actos, que foram a seu tempo denunciados à Procuradoria-Geral da República, foram mesmo ordenados pelo poder político. Por exemplo, os actos de corrupção e subversão política na forma de intolerância política pararam em todo o País logo depois da investidura do Presidente João Lourenço, mas agora há relatos de que ressurgiram há cerca de dois meses, no Huambo e no Kuando Kubango. Será que os poderosos interesses instalados estarão a agir fora do controlo do Presidente da República?


A prática de utilizar o poder judicial e os serviços de inteligência para subverter a coesão e a unidade dos Partidos políticos ainda continua. Os actos de corrupção eleitoral e as práticas de compra do voto, de utilização abusiva dos meios do Estado para o financiamento ilegal e subversivo da campanha eleitoral do Partido estado, verificados ainda agora nas eleições de 2017, bem como a subversão do papel do Comissão Nacional Eleitoral e sua manifesta falta de isenção, são exemplos da institucionalização da corrupção política e eleitoral.


Muitos desses actos deviam ser agora investigados, porque têm grande impacto no processo de consolidação do Estado democrático, na moralização da vida pública e no fortalecimento da unidade nacional.


Se o Presidente da República libertar a Procuradoria-Geral da República da dependência efectiva do Titular do Poder executivo, mandar parar de uma vez por todas a intolerância política e a intromissão dos serviços de inteligência na vida interna dos Partidos políticos, e promover, no plano prático, a garantia da independência efectiva de todos os órgãos do poder judicial, os angolanos poderão concluir que o nosso Presidente pretende de facto servir Angola e os angolanos e não apenas o seu Partido, o MPLA.


De igual modo, se o Presidente da República libertar a Comissão Nacional Eleitoral, e mandar alterar a sua composição e regras de funcionamento, para garantir, no plano real, a sua imparcialidade e a sua responsabilização na garantia da integridade e lisura dos processos eleitorais, os angolanos poderão concluir que o nosso Presidente pretende de facto servir Angola e os angolanos e não apenas o seu Partido, o MPLA.


Esta é a natureza e a dimensão das mudanças que os angolanos esperam e o País exige. Não é um processo contra o MPLA, é um imperativo para a consolidação da independência nacional, para a afirmação do regime democrático e para a concretização da reconciliação nacional. É uma exigência do estado da Nação.


Por essa razão, na sua qualidade de parceira do Governo na fundação da República de Angola, das suas Forças Armadas e do seu Estado Democrático de Direito, a UNITA reitera aqui a sua total disponibilidade para trabalhar com o Presidente da República e com o MPLA na implementação de uma Agenda Nacional para a Mudança efectiva do sistema que capturou o Estado e institucionalizou a corrupção em Angola.


Sobre a situação económica e financeira do País

Caros compatriotas, Minhas senhoras e meus senhores:


A situação económica das famílias angolanas piorou em relação ao ano transacto. Alguns especialistas calculam que mais de metade das famílias não faz três refeições por dia. O Presidente da República prometeu criar 500,000 empregos em cinco anos. Tendo passado já um ano, os mais ansiosos esperavam que pelo menos um quinto desse número, ou seja, 100,000 empregos tivessem sido criados. Mas a verdade é que o desemprego continua a aumentar e o Senhor Presidente não disse quantos novos empregos já criou. A situação financeira das pequenas e médias empresas também piorou em relação ao ano transacto.


Os números relativos às contas nacionais também não são animadores. O país está à beira da terceira recessão consecutiva. As taxas de juro subiram, o valor do Kwanza baixou e os gastos públicos emagreceram. Não há, por isso, estímulos para a procura e não haverá crescimento sustentável.


Mas o Senhor Presidente da República veio dizer-nos que as taxas de inflação têm estado a diminuir. É verdade. Mas não disse que a taxa de corrosão do poder de compra dos salários e dos rendimentos está a aumentar cumulativamente todos os anos, desde 2016, de tal forma que os trabalhadores angolanos entrarão no ano de 2019 vendo o poder de compra dos seus rendimentos reduzido em 84%, que correspondente à taxa de inflação acumulada de 2016 a 2018, período em que os accionistas dos Bancos viram os seus rendimentos brutos aumentar em mais de 100%.


A equipa económica do Governo parece muito entusiasmada por estar a preparar um Orçamento sem défice, para o Senhor Presidente da República apresentar em breve ao País. Mas pode ser uma faca de dois gumes. Um orçamento sem défice significa que as receitas fiscais serão suficientes para cobrir as despesas programadas. Mas na prática isto não é verdade, porque o Governo cortou arbitrariamente as despesas programadas pelas unidades orçamentais. Não houve negociação com estas equipas orçamentais. O Governo fixou tectos ou limites para cada sector gastar, e é dentro desses limites que as pessoas terão de se virar. É uma forma de parar o ciclo vicioso do endividamento estatal, mas alertamos que as pessoas devem estar preparadas para os cortes que serão necessários efectuar.


O Governo precisa de fazer uma boa campanha de sensibilização para o emagrecimento da despesa pública. E deve começar por cortar a própria despesa do Governo. Como país, temos de nos habituar a viver com aquilo que temos. Neste sentido, oo objectivo da medida é positivo. Por exemplo, Angola não precisa do aparato governativo que ostenta, para governar o País apenas a partir de Luanda. Mas, repito, deve ser bem explicada, todos os sectores devem colaborar, os riscos devem ser mitigados e as camadas e sectores mais vulneráveis, como as crianças, a saúde, os pensionistas e os desmobilizados devem ser protegidos. Não deve haver cortes orçamentais para os Hospitais, nem para os medicamentos, nem para a nutrição das crianças, nem para a agricultura, nem para as pensões dos desmobilizados e veteranos da Pátria.


Os cortes devem ser feitos nas faturações ao Estado, nos contratos milionários, na dívida falsa, nos roubos e nos gastos supérfluos do Governo. O Parlamento, desta vez, deve identificar no OGE todos os furos potenciais, passíveis de alimentar o peculato e a corrupção, quer do lado da receita, quer do lado da despesa. Devemos ter sempre presente que os roubos ao erário público saem sempre do OGE, com défice ou sem défice.


O défice zero não resolverá por si só os graves problemas estruturais da economia. Mesmo com défice zero, recorde-se, o OGE será sempre um Orçamento de um país pobre e falido, sem liquidez, que jamais abandonará essa condição enquanto se mantiverem como pressupostos reais das contas públicas os cinco pilares que sustentam o sistema oligárquico que governa Angola.


O Governo também pareceu muito entusiasmado por ter contraído em nosso nome mais dívidas para nós pagarmos. Desta vez, mais 11 biliões de dólares e 500 milhões de Euros. Os angolanos não devem aplaudir o Governo por nos aumentar o peso da dívida pública, cujo stock real não conhecemos e para cujo serviço o país já tem de gastar mais de 50% das suas receitas fiscais. Deve haver mais transparência. O Governo deve primeiro provar que toda a dívida contraída até hoje é legítima. Deve revelar ao País o custo financeiro da dívida pública, interna e externa, os prazos de pagamento, as garantias que forneceu e quem beneficiou dessas dívidas. E como. Depois, os angolanos, através dos seus representantes no Parlamento, devem auditar estes dados, porque a coragem com que o Presidente João Lourenço está a exercer o seu mandato já nos revelou que o Executivo anterior, que contraiu estas dívidas acumuladas, não tendo sido fiel depositário dos nossos bens e do nosso futuro, não merece a confiança dos angolanos.


Ao Presidente da República actual ainda damos o benefício da dúvida, mas ao anterior e à sua equipa não. Muito do que roubaram foi através da dívida que contraíram em nosso nome e que agora o Governo está muito apressado em querer pagar. Porquê que não se audita primeiro a dívida? O que se pretende esconder? Será porque os que a negociaram são as mesmas pessoas que continuam a gerir as finanças públicas, agora sob a supervisão do novo Presidente? Estamos ou não numa nova era, como diz o povo?


Esta questão da dívida pública é muito importante tanto para a estabilidade da nossa economia como para a segurança nacional. Devo recordar que no passado, o Executivo anterior ia buscar dinheiro ao Ocidente. Mas como os Bancos do Ocidente exigiam mais transparência na gestão tanto das contas públicas como dos dinheiros emprestados, o Executivo do Presidente José Eduardo dos Santos fugiu das exigências de transparência que o Ocidente impunha e recorreu à China. Até hoje, a China já deve ter desembolsado mais de 23 bilhões de dólares de empréstimos para Angola. E agora, é a CHINA que nos vem dizer que este dinheiro foi mal gasto e que já não vai mais emprestar a quantidade de dinheiro que Angola pede. Mas os actuais governantes angolanos nunca nos disseram nada. No fundo, a China está a reconhecer os desvios, os roubos e a corrupção do Partido-estado que governa Angola.


Quem ficou com os dinheiros da China?


O Presidente João Lourenço foi lá agora com objectivo de pedir emprestado mais de $10 bilhões de dólares, mas os chineses só lhe deram $ 2 biliões, porque concluíram que Angola não utiliza bem o dinheiro. Não pratica a transparência.


Esta posição da República da China reforça aquilo que sempre temos exigido, e que eu repito aqui: Angola necessita de fazer uma auditoria exaustiva à dívida pública, tanto à dívida interna como à dívida externa, para lhe permitir definir os termos da renegociação que se impõe. Não deve haver pressa em pagar aquela dívida que não conhecemos nem aprovamos, especialmente nos casos em que os próprios credores foram coniventes nos desvios e no mau uso desses dinheiros, ao longo dos anos. O Presidente João Lourenço, com o apoio da Nação, terá certamente a legitimidade política e social para propor aos nossos credores a renegociação de uma dívida que os legítimos representantes do soberano desconhecem e sempre desconheceram.


Podemos fazer esta auditoria com quadros nacionais, sem gastar divisas. O País tem gente capaz e motivada para o fazer. Nesse sentido, eu apelo ao Senhor Presidente da República, em nome da transparência e da defesa do interesse nacional, que viabilize este exercício, por uma Comissão Mista Nacional, integrada por peritos indicados pelo Executivo e pelo Parlamento.


Minhas senhoras e meus senhores:


O Presidente esteve muito bem em revelar como foram aplicados os $4 biliões das receitas não orçamentadas, relativas ao diferencial do preço de petróleo ao longo do ano. Mas perdeu uma bela oportunidade para revelar também aos angolanos o destino que o Estado terá dado aos cerca de $136 biliões da mesma receita durante os anos de 2011 a 2014. Apesar de sucessivos pedidos, o Presidente JES nunca revelou como utilizou tais fundos. Mas acreditamos que tenha revelado ao seu sucessor, nos termos da lei. Se não o fez, o princípio do estado de direito e da transparência exigem que o Presidente da República informe o facto ao País.


Estará parte desse dinheiro na mira dos fundos que o Presidente João Lourenço espera repatriar a partir de Janeiro? Seja como for, Angola não pode manter uma situação em que a decisão sobre o destino a dar a receitas não orçamentadas de biliões de dólares dependa do arbítrio de um só homem. O Parlamento deve ter uma palavra.


Em suma, é nossa posição que a economia angolana precisa de uma transformação estrutural, para responder às necessidades do desenvolvimento e crescer de forma sustentável. O País não pode continuar dependente de uma economia comportamental, que depende do Governo e não das forças produtivas da Nação. Especialmente porque o Governo também depende do petróleo, que não produz nem transforma, e da dívida que não controla. Angola tem de fazer as mudanças necessárias para garantir que o nosso crescimento económico gere riqueza suficiente para assegurar o bem-estar dos angolanos e o desenvolvimento de todos os municípios do País.

Sobre as Autarquias Locais


Compatriotas, Minhas senhoras e meus senhores:


O último tópico da mensagem de Sua Excelência o Presidente da República que gostaríamos de comentar, é o processo de implementação das autarquias locais.
É nossa convicção que a proposta de implementação gradual das autarquias locais, defendida pelo MPLA, insere-se na tripla estratégia do Presidente José Eduardo dos Santos de (i) não reconhecer todos os angolanos como cidadãos com direitos iguais; (ii) bloquear, sabotar ou retardar a participação dos cidadãos por ele excluídos no processo democrático; e (iii) impedir ou retardar a efectivação da descentralização político-administrativa do poder executivo do Estado, prevista na Constituição, desde 1992.


O grande objectivo dessa estratégia do Partido estado é permitir ao MPLA continuar a administrar o território da maior parte das autarquias dos cidadãos sem se submeter à eleição pelos membros da autarquia. Pretende impedir nesses territórios a realização de eleições autárquicas, em 2020, para que os seus secretários, nas vestes de administradores municipais, possam continuar em funções e receber os recursos públicos, sem fiscalização dos cidadãos eleitores.


Por outro lado, o MPLA parece ter medo da democracia participativa. Só a aceita se ele próprio estiver no poder. Se forem outros a exercer o poder, mesmo o poder meramente administrativo, não soberano, sente-se perturbado e inseguro.


Em nosso entender, o forte desejo de manter a hegemonia do poder político e económico e o medo infundado da descentralização do poder Executivo para os órgãos autónomos do poder da cidadania constituem as principais razões da estratégia que defende a implementação gradual das autarquias. Por não serem, portanto, razões jurídico-constitucionais, a grande maioria dos cidadãos e das instituições não tuteladas pelo Partido estado rejeitou a tese do gradualismo geográfico, defendida pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos.


O Presidente João Lourenço, na sua perspicácia, parece ter percebido esta rejeição geral, pelo que, na sua mensagem, teve a virtude de esclarecer que a posição inicial do Executivo sobre a implementação das autarquias locais não se baseia em fundamentos jurídico-constitucionais. O Presidente referiu agora que a defesa da implementação gradual das autarquias deve-se, e cito, à incapacidade do País de institui-las de uma só vez e também à inexperiência das pessoas, por se tratar de uma “questão nova”. Além disso, reduziu o prazo inicialmente avançado para se completar o processo, de 15 para menos de 10 anos e referiu o assunto para posteriores acertos em sede do Parlamento.


A UNITA considera importante esta posição do Chefe de Estado, porque vem estabelecer novas balizas para o debate nacional e proporcionar um ambiente mais propício ao aprofundamento do diálogo, tão necessário para os angolanos compreenderem melhor os temores e os anseios uns dos outros. A UNITA está disponível para esse diálogo.


No entanto, os angolanos devem estar atentos ao facto do Presidente da República não ter identificado nem sustentado a natureza da “Incapacidade”. Será incapacidade organizativa? Incapacidade governativa? Ou incapacidade financeira?


Em nosso entender, não pode tratar-se de incapacidade organizativa, porque, contrariamente às administrações municipais, as autarquias não se constituem de cima para baixo, mas de baixo para cima. As autarquias não devem ser confundidas com edifícios onde funcionam os seus órgãos, nem com as pessoas que irão trabalhar nesses edifícios. As autarquias são pessoas territoriais, correspondentes ao conjunto de residentes no território de cada município. Estas pessoas organizam-se autonomamente, de acordo com os seus costumes, para gerir e administrar, no seu próprio interesse, os assuntos públicos locais. Cada residente no território de um município é membro de pleno direito da autarquia. Não precisa de esperar um, três ou dez anos, para ser membro da autarquia.


Também não se trata de incapacidade para organizar eleições, porque a Comissão Nacional Eleitoral tem capacidades instaladas em todos os 164 municípios do País, onde já costuma realizar eleições gerais.


De facto, a implementação das autarquias locais envolve tanto o exercício de direitos e liberdades fundamentais como questões estruturantes da organização democrática do Estado. Como tal, também não se coloca o factor novidade nem o factor inexperiência, tal como não se colocou em 1975, quando os angolanos conquistaram tanto o direito de eleger o seu Presidente da República como de eleger os seus autarcas.


Passados 43 anos de independência, os angolanos não podem aceitar que lhes seja reconhecido pelos seus próprios concidadãos apenas capacidade para serem governados e não capacidade para governarem a si próprios. Nem podem aceitar que lhes seja reconhecida pelos seus concidadãos apenas capacidade eleitoral para eleger o Presidente da República e não a capacidade eleitoral para eleger o Presidente da Câmara.


Assim como o Estado (e seu substrato humano) está capacitado para exercer a soberania nacional sobre a totalidade do território desde 1975, assim também os cidadãos membros das autarquias (que são o mesmo substrato humano do Estado) estão capacitados para exercer o poder autárquico na totalidade do território nacional desde 1975.


De igual modo, assim como o Estado não pode deixar de exercer a soberania sobre o território de um certo município durante um, cinco ou dez anos, assim também o Estado não pode privar os cidadãos de exercerem o direito inalienável de votar e ser eleito para qualquer órgão electivo da autarquia durante um, cinco ou dez anos. Só o poderia fazer com base em motivos estabelecidos pela Constituição. E a Constituiçõ não permite que o Estado impeça o exercício desse direito a qualquer cidadão apenas porque o Estado alega não ter capacidade para organizar a eleição.


Se o fez até aqui, fez mal. E Angola quer corrigir tudo o que está mal.


Não pode haver autarquias para uns HOJE, e para outros AMANHÃ. Nem pode haver eleições autárquicas para uns HOJE e para outros daqui há cinco ou dez anos! Nem pode haver desenvolvimento para uns HOJE e para outros só daqui há cinco ou dez anos!


É muito importante que os angolanos percebam estes factos para não serem enganados pelos poderosos interesses instalados, pois, a Constituição, no seu conjunto harmonioso, não permite que as autarquias locais, qual entidade plural única, não sejam implementadas todas ao mesmo tempo.


Também não se trata de incapacidade financeira, porque Angola tem dinheiro suficiente para implementar as autarquias locais em 2020, em todos os municípios do país.
Não é preciso haver actividade económica formal ou de vulto num município para se institucionalizar lá a autarquia, porque as autarquias já lá estão. As autarquias são as pessoas que já lá moram. Estas pessoas já têm o direito constitucional de beneficiar de assistência médica gratuita. As suas crianças já têm o direito de ter creches e escolas para sua educação. Os seus jovens têm direito ao trabalho digno. Quem deve garantir o usufruto desses direitos é o Estado, que o pode fazer com o concurso das autarquias da cidadania. O mesmo dinheiro que o Estado já canaliza para as administrações municipais ou para os departamentos do Executivo para satisfazer estas necessidades, deve agora ser descentralizado para as autarquias da cidadania. O fim é o mesmo.


Por exemplo, nos termos do Decreto Executivo n.º 40/18, de 9 de Fevereiro, uma parte significativa da receita arrecadada com o imposto sobre o rendimento do trabalho, o imposto industrial, o imposto de consumo e o imposto sobre o rendimento do petróleo e da actividade mineira foi consignada para as administrações municipais. Ora, o valor consignado que se estima para 2018 ascende a cerca de 2 triliões de kwanzas, o equivalente a mais de 8 mil milhões de dólares americanos.
Estes recursos que os secretários provinciais e municipais do MPLA recebem, são recursos do Estado, que, nos termos da Constituição, deveriam ser repartidos apenas entre o Estado e as autarquias da cidadania local, que são autónomas, e não entre o Estado e as Administrações municipais que não são autónomas nem representam os cidadãos. É possível fazer-se isso já a partir de 2020, naturalmente de forma diferenciada.
Vejamos:


O país tem 59 municípios com menos de 50,000 habitantes; 79 municípios com população entre 50,000 a 250,000 habitantes; cerca de 15 municípios com população entre 250,000 e 500,000 habitantes e apenas 10 municípios com mais de 500,000 habitantes. Todos com diferentes níveis de desenvolvimento. Consoante o nível de desenvolvimento, poderemos designar nesses território as autarquias de tipo A, de tipo B, de tipo C, etc. E é com base nesse binómio, população e nível de desenvolvimento que se poderá proceder à transferência gradual das atribuições previstas na Constituição do Estado para cada uma das autarquias. Cada caso será um caso.

Se numa primeira fase, digamos, para o período de 2020 a 2022, as atribuições das autarquias de tipo B forem apenas três - (1) fornecer serviços de saúde e assistência social, incluindo o funcionamento corrente com centros de saúde, creches, e lares de terceira idade; (2) garantir o funcionamento das escolas do ensino básico e secundário; e (3) assegurar a higiene ambiental – então, os recursos a transferir devem ser proporcionais a este leque de atribuições. Nem mais, nem menos. É aí que entra o princípio instrumental do gradualismo: na transferência das atribuições e na consequente transferência de recursos.


Compatriotas, Minhas senhoras e meus senhores


Ninguém deve ter medo das autarquias. As autarquias locais são um factor imprescindível para o desenvolvimento harmonioso do País. São parceiras do Governo, não são adversárias. Mas se houver receios, que nos digam. Vamos conversar. Mas não prejudiquemos o povo. Alguém me disse há dias, que há ainda quem receie que a UNITA ainda pode transformar as autarquias em zonas libertadas como no tempo do antigamente……por isso é mais seguro evitar isso por via do gradualismo!


Quando eu perguntei se isso não era ficção, o meu interlocutor disse que não. Há mesmo no MPLA quem pense assim. Não imaginam sequer os angolanos de outros partidos, a UNITA em particular, administrar o município onde eles moram. Nem imaginam um membro da UNITA nas vestes de Presidente da República. O meu interlocutor ficou muito espantado quando eu lhe disse que um membro da UNITA nas vestes de Presidente da República talvez não fosse capaz de ordenar as prisões que o Presidente do MPLA fez em tão pouco tempo!


É convicção da UNITA que as autarquias da cidadania vão contribuir para descongestionar os gabinetes ministeriais. Vão ajudar imenso o Executivo na erradicação da pobreza e no combate às endemias e à corrupção. A médio prazo, vão permitir que o executivo se concentre apenas nas questões da macro gestão do país, incluindo a gestão do processo de industrialização, a política externa, a política monetária, a grande construção de infra estruturas, a reconciliação nacional e a reestruturação da economia.


A UNITA considera que, pela sua complexidade e novidade, a discussão deste dossier em sede do Parlamento não se deve limitar aos aspectos jurídicos formais. A discussão dos projectos e propostas de lei será mais produtiva se for precedida de um diálogo abrangente que conduza a um entendimento prévio comum entre os decisores políticos sobre as questões práticas, estruturantes e operacionais, ligadas à implementação das autarquias locais.


A UNITA está disponível para discutir com o MPLA e outras forças sociais um Plano de Acção para a implementação das autarquias em 2020 em todos os municípios do País.


O Plano de Acção inclui, por exemplo, relativamente a cada autarquia, questões ligadas aos limites territoriais, o inventário do equipamento e do acervo documental a transferir do Estado para as autarquias, o âmbito das atribuições e competências a transferir do Estado para cada autarquia, o recrutamento, selecção e formação dos recursos técnicos de apoio, os acessos aos sistemas digitais de execução orçamental e às plataformas informacionais do Estado, os mecanismos de gestão de potenciais conflitos, o papel dos governadores provinciais e das autoridades tradicionais, a necessidade de leis flexíveis e as questões ligadas ao registo eleitoral e à organização das eleições, previstas para 2020.

 

Minhas senhoras e meus senhores:


A oligarquia que que controla Angola só conseguiu capturar o Estado por este ser excessivamente centralizado, com todo o poder real concentrado num só órgão: o Presidente da República. É muito mais difícil capturar um Estado descentralizado, com várias instituições fortes, cada uma delas funcionando em certa medida como contrapoder, fiscalizadora da outra.


Só a descentralização, a cooperação na promoção do bem-estar dos angolanos e a transparência a favor do bem comum irão garantir a erradicação da pobreza extrema, o ordenamento eficaz do território, o desenvolvimento sustentado das comunidades e a redução das desigualdades.


Exorto a todos a participar ativamente na defesa do direito de eleger os seus representantes para todos os órgãos das autarquias locais, em todos os municípios do país, em 2020.

Muito obrigado.