Luanda - Integra do Discurso proferido pelo Presidente da UNITA, Isaías Samakuva no Encerramento do Segundo Seminário sobre Autarquias Locais, que decorreu de 12 a 14 de Novembro de 2018, em Luanda.

Fonte: UNITA


É com muita satisfação que faço uso da palavra neste momento de encerramento deste II Seminário de formação de quadros para as autarquias locais que realizamos com prelectores que, além de reconhecida experiência em matéria autárquica, demonstraram que a referida experiência se ajusta bem à nossa convicção de que em tudo que fazemos, em política, o homem deve ser o nosso ponto de partida e o nosso ponto de chegada.


Creio que os três dias de trabalho realizado aqui, proporcionaram-nos muitos conhecimentos. Daqui poderão sair homens e mulheres que o povo vai eleger para servirem as suas comunidades como autarcas a partir de 2020.


Permitam-me fazer considerações políticas sobre três acontecimentos recentes, dignos de registo, que marcaram o processo de implementação das autarquias no nosso País:
O primeiro, refere-se ao lançamento, há pouco mais de dois meses, das sentadas da cidadania, que mais não são senão uma campanha que se destina a preparar o povo para o exercício do poder autárquico. Esta campanha é muito importante, porque enquadra-se no exercício de preparação do Povo para exercer o poder autárquico. É um exercício de resistência dos angolanos pela cidadania igual e pela democracia participativa multipartidária.


Tudo leva a crer que ainda há os que não querem reconhecer que os angolanos de todas as raças, de todas as origens, de todos os extratos sociais, residentes em todos os municípios, têm todos direitos políticos iguais. Na realidade, não pode haver angolanos de primeira, com direito a votar nas autarquias em 2020, e angolanos de segunda, sem direito a votar nas autarquias em 2020, como faziam os portugueses antes da conquista da nossa independência.


Se, por exemplo, formos a fazer uma breve retrospetiva da posição do partido-estado sobre este assunto, os resultados irão revelar que em 1975 este partido reconheceu que a força do povo era superior à sua, e por isso, consagrou o poder popular no artigo 3.o da primeira Lei Constitucional, da seguinte forma: “Às massas populares é garantida uma ampla e efectiva participação no exercício do poder político, através da consolidação, alargamento e desenvolvimento das formas organizativas do poder popular”, com destaque para as comissões populares de bairro, que elegeram os seus membros, os primeiros autarcas.


De facto, o poder popular que ficou consagrado no Hino Nacional, no fundo representa as autarquias locais. O artigo 51.o da mesma lei definiu que as autarquias locais têm personalidade jurídica e gozam de autonomia administrativa e financeira. Mas não foram implementadas.


Ao contrário, a maior parte dos dirigentes promotores e defensores do “poder popular” foram mortos em 1977, e de seguida, o MPLA procedeu à revisão constitucional de 7 de Fevereiro de 1978, onde suprimiu aquela noção de autarquias locais, com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e consagrou o “centralismo democrático” como princípio que devia nortear as relações entre a administração local e os organismos centrais.


Novas revisões constitucionais foram feitas em 1980, 1981, 1986, 1987 e 1989, mas não consagrou a democracia participativa nem a autonomia local.


Em 1991, com a Lei 12/91 de 31 de Maio, no mesmo dia em que, por força da luta de resistência da UNITA, foram assinados os Acordos de Paz, em Bicesse, foi consagrado, finalmente, no ordenamento jurídico angolano, a implementação da democracia pluripartidária e os princípios da autonomia local e da descentralização administrativa.


Em 1992, através da Lei 23/92 de 16 de Setembro, fez-se a grande revisão constitucional para consagrar a mudança de regime político: estabeleceu-se a República de Angola, referiu-se novamente que a organização do Estado a nível local, compreende a existência de autarquias locais e fez-se referência aos princípios da autonomia local e da descentralização. Ainda assim, não se implementaram as autarquias locais, nem de forma gradual, nos municípios sob a administração do Partido Estado.


A partir de 2002, estendeu-se a administração do Estado a todos os municípios do País, mas também não se implementaram as autarquias locais.


Em 2010, com a aprovação da Constituição da República de Angola, consagra-se o princípio da autonomia local, tal como definido pela Carta Europeia da Autonomia Local de 1985, como base para a estruturação e funcionamento das autarquias locais; definiram-se o âmbito, as categorias, as atribuições e as garantias das autarquias locais; definiram-se também os órgãos das autarquias, seu regime eleitoral e de tutela.


Ainda assim, oito anos depois de estabelecido o arcabouço constitucional e 43 anos depois da primeira consagração constitucional das autarquias locais, o Presidente da República veio afirmar aos angolanos que a Angola independente, que produz mais de um milhão e meio de barris de petróleo por dia, não tem capacidade para cumprir a sua própria Constituição e implementar as autarquias em todo o país.


O senhor Presidente de Angola veio dizer aos angolanos que a Angola independente, cujos filhos, mesmo mutilados, sagraram-se campeões do mundo de futebol, não tem capacidade de organizar eleições autárquicas nos mesmos municípios onde já se realizam as eleições gerais.


Não faz sentido! Simplesmente não faz sentido. Parece-nos que a vontade política para partilhar o poder ainda não está lá. Assim como também não está lá a vontade política de permitir que o Parlamento fiscalize o Executivo, nos termos da Constituição.


Compatriotas:

Assim como no passado o povo teve de ser consciencializado para lutar pela conquista do seu direito à independência, assim também hoje o povo tem de lutar pacificamente, nos termos da Constituição, para a conquista do seu direito de governar ou administrar o seu próprio município.


Porque é que o cidadão só pode eleger o Deputado nacional, que muitas vezes nem conhece, e não pode eleger o Deputado municipal, que ele conhece bem, porque é seu vizinho? Porque é que no mesmo município onde já estão instaladas as estruturas da CNE e se organizam eleições para o Presidente da República, não podem ser organizadas eleições para o Presidente da Câmara?

Precisamos de consciencializar o povo. Precisamos, por isso, mobilizar o povo através das sentadas da cidadania, para a luta política que se avizinha.


As autarquias, tal como a independência, não serão uma dádiva dos poderosos para com os pobres. Os pobres terão de lutar para ter o seu pedaço de pão. Se não lutarem, os ricos vão continuar a comer sozinhos. Vão continuar a roubar.


O segundo acontecimento diz respeito à clarificação prestada pelo senhor Presidente da República, no mês passado, segundo a qual, a posição inicial do Executivo sobre a implementação das autarquias locais não se baseia em fundamentos jurídico- constitucionais, mas deve-se à incapacidade do País de institui-las de uma só vez e também à inexperiência das pessoas, por se tratar de uma questão nova.


Esta posição também é importante, porque veio confirmar o que sempre temos dito, que a Constituição não prevê o gradualismo geográfico, mas apenas o gradualismo funcional.


De facto, a partir da consagração constitucional do regime democrático com suas autarquias locais, os secretários municipais dos Partidos políticos deixaram de ter legitimidade para receber e gerir recursos públicos nos territórios das autarquias locais. Não se pode adiar a implementação do poder popular, as autarquias dos cidadãos, só para o Partido Estado poder continuar a nomear os seus dirigentes para os cargos de Administradores, a fim de receberem do Estado os recursos públicos sem eleição. Todos devem ter a oportunidade de governar o município onde moram. Todos devem poder exercer o direito constitucional de eleger e de ser eleito pelos membros das autarquias, os munícipes.


Portanto, o que está em causa não é o número de municípios nos quais se devem realizar eleições autárquicas em 2020. O que está em causa é que todos os angolanos, de Cabinda ao Cunene e do Lobito ao Luau têm o direito de governar a autarquia e ninguém deve governar o território de uma autarquia sem ser eleito pelo povo.


O terceiro acontecimento foi o anúncio, feito pelo Executivo, do início do processo de desconcentração de competências para os governos provinciais, no quadro da sua estratégia de preparação para a implementação das autarquias locais.


Durante 40 anos, os Administradores Municipais nunca elaboraram o Plano Director dos seus municípios. Não têm nem nunca tiveram autonomia nem verbas para fazer hospitais, comprar medicamentos, abrir picadas ou manter as estradas terciárias. Agora, que chegou a altura de estabelecer as autarquias locais é que pretendem atribuir às administrações municipais as mesmas competências e recursos que a Constituição reserva para as autarquias locais.

Porquê?

Uns acham que é para facilitar o processo de implementação das autarquias locais. Outros acham que é mais uma manobra para defraudar. Transferem recursos para as administrações e usam uma parte para fazer obras descartáveis, e outra para comprar votos para o MPLA, porque o administrador que vai receber os recursos do OGE é o secretário do MPLA, que vai promover a candidatura do MPLA.


Ademais, estas medidas de desconcentração financeira não são novas: Vinte e três anos atrás, em 1995, através do Decreto 6/95 sobre a Desconcentração Financeira, conferiu-se poderes ao Ministro das Finanças para a fixação de uma percentagem a atribuir aos orçamentos provinciais e da Administração local de estabelecer impostos sobre o patrimônio local.


Um ano depois, surgiram os Despachos 29/96 e 38/96 que consignaram 10% das receitas petrolíferas respectivamente às províncias do Zaire e Cabinda.


Em 1999, surgiu o Decreto n. 17/99 sobre a orgânica dos Governos Provinciais e das Administrações Municipais e Comunais, dando início ao processo de desconcentração, mudando a gestão das delegações setoriais para os governos locais, a quem passam a responder hierarquicamente por meio de direções provinciais, e metodologicamente ao ministério de tutela.

Um ano depois surge o Decreto 27/00 sobre o Regulamento dos Governos Provinciais, Administrações Municipais e Comunais, na sequência ao Decreto 17/99 e o Decreto 30/00 que consigna 10% das receitas diamantíferas, às províncias da Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico.


Todas estas medidas não tiveram continuidade. Trata-se de um dejá vu. Muito do que estão a fazer agora sobre a desconcentração ou municipalização já foi feito antes, mas não deu nada porque não foi sério. Não tiveram continuidade, e nada tem a ver com as autarquias. Para se descentralizar não é preciso desconcentrar primeiro. Portanto, parecem ter razão aqueles que dizem tratar-se de mais uma manobra com fins inconfessos.

Seja como for, temos de prosseguir a luta pela efectiva descentralização para que o nosso país saia do marasmo e trilhe o rumo do progresso.


Companheiros:
Minhas senhoras e meus senhores:


O grande objectivo deste Seminário foi a necessidade de consolidarmos os nossos conhecimentos sobre o princípio da autonomia local, que é o alicerce estrutural das autarquias locais no sistema constitucional angolano. Fizemos esta consolidação através do estudo comparativo do princípio da Autonomia Local no Sistema Constitucional Espanhol e o seu contributo no desenvolvimento económico e social das comunidades espanholas.


Já o fizemos apreciando a dimensão deste princípio à luz da experiência sul- africana e também da experiência de Cabo Verde. Agora fizemo-lo à luz da experiência da democracia espanhola, que se distingue no mundo por ser um estado unitário autonómico, em que o grau de descentralização político-administrativa situa-se no meio, entre o estado federal e o estado unitário.


O sistema distingue-se também por permitir partidos de âmbito das autonomias e de carácter nacionalista ou regionalista com representação nas Cortes Gerais. Um desses Partidos é o Partido Nacionalista Basco, um Partido amigo da UNITA e da causa do povo angolano.


Convidamos, por isso, dois influentes dirigentes desse Partido para o nosso Seminário, os Deputados Mikel Burzako e Jokin Bildarraitz.


Vamos aproveitar esta ocasião para os saudar efusivamente com uma salva de palmas!


Durante o Seminário, também clarificamos dúvidas relativas às orientações metodológicas recentemente transmitidas sobre o perfil do candidato a autarca pelas listas da UNITA e sobre o processo de selecção dos mesmos no seio das comunidades.

Companheiros:


A descentralização democrática do poder dos povos independentes tem sido determinante para o desenvolvimento da humanidade. De um modo geral, os países que apresentam os maiores índices de desenvolvimento humano são aqueles em que há maior nível de descentralização do poder.


O nosso país está muito atrasado, em parte, porque ainda não efetuou a descentralização do poder, prevista na Constituição desde a proclamação da independência, em 1975.

Precisamos de corrigir esta situação!


Desejo a todos bom trabalho e declaro encerrado o II Seminário de Capacitação de Quadros Para as Autarquias Locais.


Muito obrigado.